“FINALIDADE PASTORAL DO CONCÍLIO. O conteúdo doutrinal da Lumen gentium é certamente muito rico e oferece novas perspectivas de grande interesse para a vida da Igreja. Por isso é mais necessário fixar os critérios orientadores de sua reta inteligência e adequada valoração.
Todos os Concílios tem a finalidade pastoral da Igreja, enquanto que estão ordenados a instrução, governo e santificação das almas, segundo a normal fundamental ditada pelo próprio Cristo: “o bom pastor conhece a suas ovelhas, que são as que ouvem a sua voz, crêem nele, o seguem e recebem seus dons de vida eterna [Cf. lo 10,2-4; 14,26-28.]. Contudo dentro dessa finalidade integral, os Concílios se caracterizam por uma matiz peculiar que os distingue. A finalidade que especifica o Vaticano II a determinou claramente João XXIII na própria alocução inaugural do Concílio, explicando que se reduzia a vida e a ação da prática pastoral.
“O que a nosso Concílio sobretudo interessa é custodiar e propor em forma mais eficaz o sagrado depósito da doutrina cristã.” “Contudo, não é nossa intenção o custodiar somente esse precioso tesouro…, mas, ao presente, o que se necessita é que toda a doutrina cristã seja aceitada por todos os homens de nossos tempos. E para que seja mais ampla e profundamente conhecida de todos, convém que seja investigada e exposta da maneira que exigem nossos tempos, para a mais plena instrução e formação das almas. Porque uma coisa é o próprio depósito da fé, ou as verdades que se contém em nossa veneranda doutrina, e outra o modo como essas mesmas verdades se enunciam. A esse modo de enunciação se há de prestar muita atenção, cultivando-o pacientemente, a fim de introduzir aquelas formas de expressão que sejam mais congruentes com o magistério, cuja índole é preferentemente pastoral. Em todo tempo, a Igreja se opôs a erros e frequentemente os condenou com firme severidade. Ao presente a esposa de Cristo se contenta em usar o remédio da misericórdia ao lugar da arma da severidade, persuadida de que as necessidades de nossos dias, melhor que condenando, se proverá explicando com maior amplitude as virtualidades de nossa doutrina. O que o Concílio Ecumênico Vaticano II mais deseja e se propôs a fazer é que a mensagem de salvação seja recebido pelos homens, a fim de que a cidade terrena se assemelhe mais a cidade do céu, na qual, segundo Santo Agostinho, “o rei é a verdade, a lei é a caridade e a medida é a eternidade” [JUAN XXIII, aloe, inaugural Gaudet mater Ecclesia, 11-10-1962: AAS 54 (1962) 790-794; cf. 54,441-43; SAN AGUSTÍN, Epist. 138,3,17: PL 33,533]
Paulo VI, na alocução inaugural da sessão II do Concílio, expressamente fez suas as mais características afirmações de seu predecessor sobre a finalidade do Concílio [PABLO VI, aloe. Sálvete, Fratres, 29-9-1963: AAS 55 (1963) 844-845]. E os Padres conciliares faziam eco as mesmas ordens na mensagem dirigida ao mundo nos primeiros dias da sessão I, dizendo: “nos esforçaremos para expor aos homens de nosso tempo íntegra e pura a verdade de Deus de modo que eles a entendem e a acolhem de bom grado”[AAS 54 (1962) 822.]. E outra vez João XXIII, ao fim da sessão I, voltou a insistir em que “o único que se propôs e o que com maior desejo procurou foi conseguir que os homens de nossos tempos conhecem mais e mais o Evangelho de Cristo, o pratiquem com gosto e o façam chegar com passo seguro a todos os campos da cultura humana. Este foi o único propósito que nos induziu a convocar o Concílio, e isto é o que com grande expectativa e confiança desejamos todos os que na santa Igreja temos a responsabilidade do ofício pastoral” [JUAN XXIII. aloe. Singulari prorsus, 7-12-1962: AAS 55 (1963) 34.].
Não pode restar dúvida alguma de que o Concílio, na intenção de ambos Pontífices , foi condicionado por sua orientação pastoral. Disto eram também conscientes os Padres conciliares, que em suas intervenções julgavam dos textos que se discutiam segundo que fossem ou não conformes ao estilo pastoral própria do Concílio.
No cargo pastoral da Igreja é já clássico distinguir três funções, de ensinar, santificar e reger, correspondentes aos poderes messianicos de mestre, sacerdote e rei, próprios de Cristo redentor [Cf. J. SALAVERRI, La triple potestad de la Iglesia: MiscCom 14 (1951) 1-84; De Ecclesia Christi: SThS (BAC, 1962) n.1284-1345, en donde se explica cómo y por qué la triple potestad mesiánica es la ley primaria de la iglesia, según la doctrina de Pío X I I : En la Iglesia «ex ipso divini Redemptoris mandato muñera Christi Regis, Doctoris, Sacerdotis perennia fiunt». El mismo Señor «triplicem Ecclesiae potestatem impertiit, regendi nempe, docendi et sanctificandi, quam primariam legem statuit totius Ecclesiae» (ene. Mystici Corporis: AAS 35 [1943] 200,209).]
Esta tríplice função recorre muitas vezes enunciada na Lumen gentium e nos documentos do Vaticano II. A mencionava já João XXIII em seu motu proprio Approprinquante Concilio ao afirmar que “o que o Sínodo ecumênico se propunha era cumprir o mandato de Cristo aos apóstolos: “Ide e ensinai a todas as pessoas, batizando-as e ensinando-as a observar todas as coisas que vos tenho mandado” (Mt 28, 19). Porque três são os cargos dos bispos, sucessores dos apóstolos: ensinar, santificar e reger aos fiéis, para o qual Cristo Jesus lhes prometeu sua assistência até o fim dos séculos” [AAS 54 (1962) 610; cf. 54,440-42.]. A mesma distinção expressa Paulo VI na alocução inaugural da sessão III quando disse: “É dever nosso reconhecer que os bispos são os mestres, os pastores e os santificadores do povo cristão, já que a hierarquia foi instituída para perpetuar no tempo e propagar por toda a terra o próprio cargo salvador de Cristo nos bispos, como mestres da fé, pastores das almas e dispensadores dos mistérios de Deus” [Aloe, ln signo crucis, 14-9-64: AAS 56 (1964) 806.812.].
Segundo isto, o cargo pastoral, e, por conseguinte, também a finalidade pastoral do Concílio, corresponde a função docente. Mas, como pastoral, mais que decidir questões disputadas e difíceis doutrinal e teoricamente, dirige-se a fazer acessível e assimilável a todos a boa doutrina mediante a instrução catequética, a exposição homilética, a exposição exegética, a exortação ou admoestação perenética e outra formas próprias da função pastoral. Desta índole parece ser a finalidade pastoral que se propôs o Concílio, como se depreende dos textos de João XXIII citados anteriormente.
Falando com propriedade, o Concílio ordena seus documentos a orientar, facilitar e fomentar as atividades pastorais dos pastores das almas. Assim se explica a diferença surpreendente que existe entre os textos do Vaticano II e os de todos os demais Concílios ecumênicos que o precederam. O Vaticano II é eminentemente escriturístico, abunda em citações de Santos Padres e leva uma vestimenta muito importante de notas ilustrativas, ordenadas a facilitar e fecundar os estudos e atividades pastorais dos ministros da Igreja e dos demais dedicados ao apostolado. São três aspectos de matiz pastoral, nos quais o Vaticano II supera com muito aos demais Concílios ecumênicos. Assim, por exemplo, nos vinte Concílios que lhe precederam, as citações da Escritura são no total 340, as patrísticas se aproximam de 50 e as notas ilustrativas ao pé da página não as usam. Em nosso Concílio, só na constituição Lumen gentium, as citações da Bíblia chegam a 415, as de Santos Padres são umas 150 e as notas com múltiples referências são 195¹. Nos demais concílios são raras as citações de Sumos Pontífices, enquanto que no Vaticano II abundam, chegando a citar na Lumen gentium 15 Pontífices, dos quais o mais citado é Pio XII, 53 vezes, segue Leão XIII, com 18 citações [Siguen: Pío XI = 14; Gregorio I y Pablo VI = 5 cada uno; León 1 = 4;
Pío IX y Benedicto XV = 3 cada uno; Inocencio I y Pío X = 2 cada uno; Cornelio
I, Celestino, I, Gelasio I, Benedicto XIV y Juan XXIII = 1 cada uno.].
Nota:
¹. Datos de interés sobre las citas de Escritura en la Lumen gentium. En todos
los demás Concilios ecuménicos, las citas, en su inmensa mayoría, son directas,
por ej-, Gal 5,6; 6,15; en el Vaticano II, la inmensa mayoría de esas citas va
precedida de la abreviatura cf. (— confer), verbi gratia cf. lo 20,21; cf. Mt 28,20, y en muchos casos no aparece claro el sentido del cf. De los demás Concilios, el más rico en citas de Escritura es el de Trento, pues de las 340 de todos ellos, son del Tridentino 211. Puede ser instructiva la siguiente comparación del Tridentino y el Vaticano II en esto. Los datos están tomados de DENZ.
TRIDENTINO Decretum de iustificatione St.a = 87; cf. St.a = 6; total = 93 citas.
Los demás Decr. dogmáticos » = 8 4 ; » » = 34; » = 118 »
En total St.a = 171; cf. St.« = 40; total = 211 citas.
VATICANO II
La «.Lumen gentium», c.l St.a = 41 • cf. St.a = 64; total = 105 citas.
c.3 » = 10; » » = 84; » = 94 »
Todos los demás cap » = 52; » » = 1 6 4 ; » = 2 1 6 »
En total St.a = 103; cf. St.a = 312; total = 415 citas
(Concílio Vaticano II, comentários a Constituição sobre a Igreja, ano 1966, O mistério da Igreja, p. 126-129)
PARA CITAR
SALAVERRI, Joaquin. Finalidade pastoral do Concílio – Disponível em: < http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/concilio-vaticano-ii/valor-magisterial/662-finalidade-pastoral-do-concilio >. Desde: 04/06/2014. Tradução: Nelson M. Sarmento.