Sábado, Dezembro 21, 2024

Em Mateus 16,18, a pedra sobre a qual se edificaria a Igreja era Pedro?

Pergunta:

Olá a todos! Quero fazer uma perguntinha em razão de uma dúvida que tenho e agradeceria muito se alguém pudesse me esclarecer. Alguns amigos protestantes me disseram que quando Cristo disse a Pedro: ‘Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja’, Ele estava se referindo a Si mesmo como a pedra sobre a qual edificaria a sua Igreja; não estava então se referindo a Pedro. A seguir, me apontaram vários versículos onde Cristo é a pedra angular da Igreja e não Pedro. Vocês poderiam me ajudar?”

Resposta:

Receba uma cordial saudação e obrigado por nos escrever.

Para responder aos argumentos do seu amigo, aproveito para empregar as regras hermenêuticas que o pastor Fernando García Sotomayor (diretor de um seminário protestante na Colômbia) compartilhou comigo.

A passagem central é esta:

E eu, de minha parte, te digo: tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Hades não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus; e o que atares na terra será atado nos céus e o que desatares na terra será desatado nos céus” (Mateus 16,18-19).

Nós, católicos, dizemos que Cristo se referia, neste texto, a Pedro como a ‘pedra’; os protestantes dizem, neste caso, que Cristo se referia a Si mesmo como ‘pedra’.

Apliquemos a segunda regra hermenêutica que o meu amigo pastor me apresentou:

Regra 2ª – É totalmente necessário tomar as palavras no sentido que indica o conjunto da frase. Isto é, deve-se levar em conta o significado de uma palavra à luz de todas as frases. Por isso, é necessário conhecer o pensamento do autor.

A referida frase de Cristo altera o nome de Simão para Pedro (que quer dizer ‘pedra’). Por que se deveria pensar então que Cristo fazia referência a Si mesmo, se acabava de mudar o nome de Pedro para pedra? Foi por acaso?

Regra 3ª – É necessário tomar as palavras no sentido indicado pelo contexto, a saber: os versículos anteriores e posteriores ao texto que se estuda. Não se pode fazer doutrina com um só versículo. Isto é, deve-se levar em conta o contexto do texto para não inventar um pretexto.

O contexto não revela que Cristo estava se referindo a Si mesmo, mas a Pedro.

Primeiro, porque – como eu disse – mudou-lhe o nome para ‘pedra’.

Segundo, porque em todos os contextos onde ocorreu uma mudança de nome na Bíblia, estes tinham um profundo significado: um mudança de função ou ministério para a pessoa.

Exemplos:

Deus muda o nome de Abrão para ‘Abraão’ porque o constitui em pai de uma multidão de povos:

Abrão caiu com rosto em terra e Deus lhe falou assim: ‘Da minha parte, eis aqui a minha aliança contigo: serás pai de uma multidão de povos. Não te chamarás mais ‘Abrão’, mas teu nome será ‘Abraão’, pois pai de uma multidão de povos Eu te constituí. Te tornarei sobremaneira fecundo, te converterei em povos e reis sairão de ti’ (Gênesis 17,3-6).

Deus muda o nome de Sarai (esposa de Abraão) para ‘Sara’ que significa “princesa fecunda”, “mãe de reis”:

Disse Deus a Abraão: ‘A Sarai, tua mulher, não a chamarás mais ‘Sarai’, mas seu nome será ‘Sara’. Eu a abençoarei e dela também te darei um filho. A abençoarei e se converterá em nações; reis de povos procederão dela’ (Gênesis 17,16).

Deus muda o nome de Jacó para ‘Israel’ porque “lutou com Deus e com os homens e os venceu”:

– “Disse o outro: ‘- Qual é o teu nome?’ ‘- Jacó’. ‘- Doravante não te chamarás Jacó, mas ‘Israel’, porque foste forte contra Deus e contra os homens e os venceste'” (Gênesis 32,28).

O nome de Jesus também tem um significado:

– “Dará a luz a um filho e tu lhe porás por nome ‘Jesus’, porque Ele salvará o seu povo de seus pecados” (Mateus 1,21).

Se todos os nomes têm um significado e as mudanças de nome implicam uma mudança na função ou ministério da pessoa, por que ignorar aqui deliberadamente este contexto?

Terceiro, porque se observamos os versículos anteriores, Cristo pergunta a Pedro: “Quem os homens dizem que Eu sou?”; Pedro responde apontando quem Ele é e qual o seu ministério: “Tu és o Messias, o filho do Deus vivo”. Cristo retribui, dizendo agora quem é Pedro: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”.

E se continuarmos aprofundando ainda mais o contexto, será fácil ver qual é o propósito dessa mudança de nome e qual é esse novo ministério que implica a ele:

Regra 3ª – É necessário tomar as palavras no sentido indicado pelo contexto, a saber: os versículos anteriores e posteriores ao texto que se estuda. Não se pode fazer doutrina com um só versículo. Isto é, deve-se levar em conta o contexto do texto para não inventar um pretexto.

O versículo que vem a seguir a Mateus 16,18 é este:

– “Eu te darei as chaves do Reino dos Céus; e o que atares na terra será atado nos céus, e o que desatares na terra será desatado nos céus” (Mateus 16,18-19).

Cristo entrega as chaves do Reino dos céus a Pedro. Sua função será a de ser o portador das chaves.

Isto é confirmado por outras regras hermenêuticas protestantes? Sim!

Regra 5ª – É necessário consultar as passagens paralelas. As passagens paralelas são aquelas que têm relação ou que tratam de um mesmo assunto. O bom estudante da Bíblia deve adquirir conhecimentos exatos sobre as doutrinas e as práticas cristãs. As coisas espirituais se explicam por meio de coisas espirituais (1Coríntios 2:13). Uma passagem paralela juntamente a outra, conforme o que se chama “cadeia temática” (exemplo: Provérbios 16:4; Mateus 10:37; Lucas 14:26; 2Pedro 3:9).

Uma passagem paralela a Mateus 16,19 é, sem dúvida, Isaías 22:

– “Naquele dia chamarei meu servo Eliaquim, filho de Jelquias. O revestirei com tua túnica; com o teu cinto o cingirei; a tua autoridade colocarei na mão dele e ele será um pai para os habitantes de Jerusalém e para a casa de Judá; porei a chave da casa de Davi sobre o seu ombro: abrirá e ninguém fechará; fechará e ninguém abrirá; o fincarei como estaca em lugar seguro e será trono de glória para a casa de seu pai: pendurarão ali tudo o que há de valor na casa de seu pai – seus descendentes e sua posterioridade -, todo o enxoval, todas as taças e cântaros. Naquele dia – oráculo de Yahveh Sebaot – se removerá a estaca fincada em lugar seguro; cederá e cairá; e a fará em pedaços o peso que sustentava, porque Yahveh falou” (Isaías 22,20-25).

Esse texto era uma profecia, onde Deus anunciou que instauraria um novo mordomo em Israel (Eliaquim, que de fato chegou a ser mordomo no lugar de Sebna; ver 2Reis 18,18; 19,2; Isaías 33,3; 37,2). O mordomo era um ministro que detinha as chaves do reino. Ainda que os demais ministros também tivessem autoridade, a autoridade do mordomo era superior. Todos atavam e desatavam, porém o que o mordomo atava os outros ministros não podiam desatar e vice-versa (isto se refere à autoridade de tomar decisões). O mordomo não era o rei, mas tinha autoridade conferida pela mão do rei.

Por que Cristo emprega esta figura? Porque Cristo quer usar um exemplo de seu tempo, para que todos pudessem entender a nova função de Pedro: ser o novo mordomo do Seu Reino. Assim como os antigos reis de Israel tinham um mordomo, Cristo designa o seu: Pedro.

Os protestante ignoram todas estas regras na prática. Chega a ser engraçado vê-los falar de hermenêutica pra cá, de hermenêutica pra lá e, na hora da verdade, é tão somente um clichê.

POR QUE A INTERPRETAÇÃO PROTESTANTE É ERRADA?

Direi agora – considerando especificamente Mateus 16,18 – o porquê da interpretação de que Cristo é a pedra é incorreta. A razão é porque os protestantes aplicam um padrão fixo de significados aos elementos metafóricos. Isto é um atentado a qualquer exegese séria. Explicarei.

Você concordará comigo que, na Bíblia, entre todos os gêneros literários que podemos encontrar, um deles é a metáfora. Em uma metáfora se compara um elemento literal e associa-se-lhe um significado. Exemplos:

– “Eu sou a luz do mundo…” (João 8,12);

– “Eu sou o bom Pastor…” (João 10,11);

– “Eu sou a porta…” (João 10,9);

– “Eu sou a videira verdadera…” (João 15,1).

E assim poderíamos continuar, porém considero que não seja necessário porque todos nós conhecemos quais metáforas existem na Sagrada Escritura.

Nestas metáforas se emprega uma palavra ou um objeto em sentido simbólico; não se faz referência ao objeto literalmente, mas serve para sugerir uma comparação.

Neste sentido, Cristo não é literalmente luz, tampouco literalmente um pastor, muito menos nós literalmente ovelhas. Não seria demais dizer que tampouco o Senhor é uma porta, nem uma planta (uma videira). No entanto, as metáforas nos ajudam a entender, por meio deste tipo de comparações, uma realidade.

Uma vez esclarecido isto, há que se entender que, ainda que na Bíblia existam muitas metáforas, os elementos nela empregados não têm um significado fixo. É um erro pensar que porque em João 8,12 se diz que Cristo é “Luz do mundo”, cada vez que aparecer a palavra “luz” numa metáfora estará se referindo a Ele. Temos um exemplo claro disso em Mateus 5,14, onde Cristo nos diz: “Vós sois a luz do mundo”.

Contudo, é isso o que fazem os protestantes! Buscam muitas metáforas onde Cristo é “pedra” (ou “rocha”) e estabelecem a hipótese de que cada vez que isto ocorre se estará indiscutivelmente referindo a Cristo. Mas isto é incorreto!

Isaías 51,1, por exemplo, diz: “Olhai para pedra de onde fostes cortados”, e nesta metáfora a pedra não é Cristo mas Abraão. A passagem continua: “…e para a caverna do abismo de onde fostes arrancados. Olhai para Abraão, vosso pai”.

Em 1Pedro 2,5, nós somos chamados “pedras vivas”.

Um outro exemplo temos no texto em que o fundamento são os Apóstolos e Profetas, sendo Cristo figura da pedra angular:

– “Edificados sobre o fundamento dos Apóstolos e Profetas, sendo o próprio Jesus Cristo a principal pedra angular” (Efésios 2,20).

No entanto, em uma outra metáfora, o fundamento é Cristo:

– “Porque ninguém pode colocar outro fundamento além daquele que foi posto: Jesus Cristo” (1Coríntios 3,11).

Há aqui uma contradição? Claro que não! São metáforas diferentes! Na primeira (Efésios 2,20), a Igreja é comparada a um edifício; ali, todos nós somos figuradamente representados como pedras (os fiéis, os Apóstolos e também Cristo, já que Ele figura aqui como ‘pedra angular’). Na segunda (1Coríntios 3,11), já não se fala da Igreja, mas de cada fiel que constrói sua vida com base nas suas obras; estas obras que estão sendo edificadas sobre o fundamento (que é Cristo) receberão a sua recompensa (recomendo ler na íntegra os capítulos citados, para entender melhor o contexto).

Na passagem que desde o início analisamos (Mateus 16,18), a Igreja também é comparada a um edifício, porém, nessa metáfora, Cristo é figurando como construtor e não como parte da construção; percebemos isso ao ver que é empregado o verbo “edificar” conjugado na 1ª pessoa [do singular]: “Edificarei”. Nesse caso, nós somos as pedras que Cristo vai assentando [no edifício], sendo Pedro a primeira delas.

O erro neste sentido é misturar as metáforas ou querer estabelecer um significado constante para um elemento literal em todas elas. Com esse método seria possível provar qualquer coisa, pois se tomaria uma palavra daqui, se buscaria o significado simbólico, e depois se pularia pra acolá… e o contexto de cada passagem “vai muito bem, obrigado”.

É importante assinalar também que a Pedra angular de uma construção não é a pedra sobre a qual se edifica a Igreja. A primeira pedra sobre a qual se edifica uma construção encontra-se na base; a pedra angular encontra-se na parte superior, para dar consistência a todas as demais (e em algumas construções – por exemplo, uma pirâmide [com base quadrada] – pode haver na verdade até 5 pedras angulares, muito embora geralmente a pedra angular se refira àquela que se encontra na cúspide e não às que estão na base).

Deste modo, poderíamos construir uma metáfora genérica assim: a Igreja é simbolizada como um edifício espiritual; Cristo é figurado como pedra angular; Pedro e os Apóstolos, como fundamento (sendo Pedro a primeira pedra sobre a qual se edifica (=o mordomo)); e nós, as pedras vivas que abraçamos o restante do edifício.

Eu nunca conseguirei entender como os protestantes podem ignorar o claro significado de Mateus 16,18, se vendo obrigados a deturpá-lo para não aceitar o Primado de Pedro, já que sabem que se o aceitarem, toda a sua doutrina [protestante] virá abaixo, porque deverão se submeter à sua autoridade e à dos seus sucessores. Contudo, acabam se vendo obrigados a deturpar a Palavra de Deus para justificar as suas posturas.

E tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor, como também o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada; falando disto, como em todas as suas epístolas, entre as quais há pontos difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes torcem, igualmente como fazem com as outras Escrituras, para sua própria perdição. Vós, portanto, amados, sabendo isto de antemão, guardai-vos de que, pelo engano dos homens abomináveis, sejais juntamente arrebatados e descaiais da vossa firmeza(2Pedro 3,15-17).

 

PARA CITAR

 ARRAIZ, José Miguel. Em Mateus 16,18, a pedra sobre a qual se edificaria a Igreja era Pedro?  Disponível em: <>. Do Original em Espanhol Disponível em: <http://www.apologeticacatolica.org>. Tradutor: Carlos Martins Nabeto.

http://www.apologeticacatolica.org

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