Sexta-feira, Novembro 8, 2024

É bíblica a missa? Parte II – As partes da Missa

Continuando a exposição para responder à pergunta: “É bíblica a missa?” vamos ao rito da Missa parte por parte para ver se há algo de bíblico nele. Isto aqui já é por si mesmo desnecessário por tudo quanto se disse anteriormente na I Parte, mas, para alimentar a espiritualidade católica e a curiosidade dos nossos leitores, vamos ao rito da missa. Farei uma terceira parte sobre o rito e a ritualidade litúrgica na Igreja.

 

1. Procissão e cântico de entrada. Lembra o caminhar do povo no deserto rumo à terra prometida. Enquanto estamos nesta terra, peregrinamos todos rumo àquela terra prometida por Jesus, o céu: “Vou preparar-vos um lugar e quando eu meu for e vos tiver preparado um lugar, virei novamente e vos levarei comigo, a fim de que, onde eu estiver, estejais também vós” (Jo 14,2-3). Ademais, sempre foi costume do povo de Deus caminhar, peregrinar aos Santuários e ao Templo de Jerusalém conforme encontramos nos salmos das subidas (Sl 120 a 134). Quando se inicia a Santa Missa e têm-se início a procissão de entrada, está nos lábios dos fiéis: “Que alegria quando ouvi que me disseram: vamos à casa do Senhor. E agora nossos pés já se detém, Jerusalém, em tuas portas” (Sl 122,1-2). A missa, portanto, é um peregrinar ao coração do mistério. Não é um caminhar sem sentido, às escuras ou perdido por 40 anos em um deserto escaldante. É um caminhar à luz da fé e para a luz da Vida: “Vimos a verdadeira Luz, recebemos o Espírito celeste, encontramos a verdadeira fé: adoramos a Trindade indivisível, pois foi ela quem nos salvou” (cf. CIC, n. 732).
 

 

2. O sinal da Cruz e a saudação inicial. A ação litúrgica começa em nome da Santíssima Trindade. A liturgia é obra da Santíssima Trindade! Nada se faz na Igreja sem a ação de Deus. A Assembléia é reunida no amor de Cristo pela ação do Espírito Santo para prestar o eterno culto de louvor ao Pai: “O cântico de louvor, que ressoa eternamente nas moradas celestes, e que Jesus Cristo, Sumo Sacerdote, introduziu nesta terra de exílio, foi sempre repetido pela Igreja, durante tantos séculos, constante e fielmente, na maravilhosa variedade das suas formas” (Laudis Canticum, Paulo VI, PP.). Tal cântico de Louvor é a Liturgia da Igreja em sua “maravilhosa variedade de formas”. Quem presta o culto a Deus é uma comunidade cultual e não apenas um indivíduo. Desde o Antigo Testamento, as Assembléias de culto ali descritas, sobretudo no Deuteronômio e Crônicas, evocam a proximidade de Deus com seu povo e a sua convocação para o culto em sua presença: QHL-IHWH (Qahal-Iahweh) (cf. Dt 4,10; 9,10; 18,16). Reunida pela primeira vez no Sinai por Deus, a comunidade cultual hebréia se tornou, em Cristo, a nova Jerusalém (cf. Ap 21, 1-8). A tradução dos LXX em Alexandria faz passar QHL-IHWH (Qahal-Iahweh) no hebraico à EKKLESIA, Igreja, no grego, com o mesmo sentido. Por isso a Assembléia reunida para a Eucaristia responde: “Bendito seja Deus que nos reuniu no amor de Cristo“. A saudação inicial é sempre tirada de uma das cartas de São Paulo, como esta, por exemplo: “O Deus da esperança vos cumula de todo gozo e paz em vossa fé, até transbordar de esperança pela força do Espírito Santo” (cf. Rm 15, 13).
 

 

3. O Ato Penitencial ou exame de consciência. É o momento no qual toda a Assembléia convocada pede ao Senhor a purificação do coração para celebrar dignamente aqueles santos mistérios. Reconhecendo a própria indignidade e a absoluta transcendência de Deus, todo o povo ali reunido invoca o Senhor em sua Misericórdia e perdão. É o cumprimento do preceito de São Paulo em 1Cor 11,28.

 

4.O Glória. Neste Hino composto pela Igreja exalta-se a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. É entoado nas festas e solenidades. É entoado por todo o povo. Não é, como muitos pensam, uma expressão de alegria pelo perdão recebido no exame de consciência. Mas, é a exaltação de Cristo por aquilo mesmo que Ele é: Senhor (cf. Fl 2,11), Cordeiro (cf. Jo 1,36), Filho de Deus Pai (cf. Mc 1,11). Aqui vale uma nota importante: O Glória não pode ser substituído por um hino de louvor qualquer que não corresponda à natureza mesma deste Hino Católico.

 

5. A Palavra. Depois todos ouvimos as leituras do Antigo Testamento, dos Apóstolos, o Evangelho e a homilia de quem preside. De fato, desde Justino Mártir (supra citado) e a Traditio Apostólica de Hipólito de Roma (séc. III) que esta ordem não muda. Aliás, muito antes deles. Nas Assembléias litúrgicas dos Atos dos Apóstolos já era comum o ouvir juntos a Palavra, a comunhão fraterna dos alimentos (partilha), a eucaristia (fração do pão) e as orações (cf. At 2,42).

 

6. A profissão de fé. Aqui caberia um texto somente sobre o Credo. Tendo sido composto a partir da Sagrada Escritura todo ele é uma afirmação, uma proclamação da nossa fé. É dividido em 3 partes: Afirma-se a fé na Trindade Santa: Pai, Filho e Espírito Santo; afirma-se crer a Igreja como obra da Santíssima Trindade e, por fim, afirma-se a fé escatológica da Igreja: a ressurreição e a vida eterna. Sobre o Credo, uma exposição mais detalhada se encontra aqui: Link.

 

7. As preces. São orações compostas pela Igreja, pelas necessidades da Igreja e do mundo que são elevadas a Deus. De fato, são importantes porque expressam a confiança filio-paternal na Divina Providência como ensina At 2,42.

 

8. As oferendas: pão e vinho e a Oração Eucarística. Usamos pão e vinho porque Jesus mandou que se o fizesse em sua Memória (como explicado anteriormente). A respeito da Oração Eucarística, vou transportar um breve texto sobre a Oração Eucarística II que possui a seguinte estrutura:

[ROCCHETTA, Carlo. Os sacramentos da fé. Ensaio de teologia bíblica sobre os sacramentos como “maravilhas da salvação” no tempo da Igreja. São Paulo: Paulinas, 1991. pg. 317-320]
 

A segunda prece eucarística

 Esta prece se distingue por sua brevidade e simplicidade. Ela foi composta levando em conta antigo formulário constante da “Traditio Apostólica”, de santo Hipólito romano, que remonta aproximadamente ao ano de 215. Quanto ao conteúdo, destaca-se pelo relevo que dá ao mistério de Cristo. Tem prefácio próprio, que pertence ao corpo geral, mas que pode ser substituído por outros em consonância com o ano litúrgico.

a) Ação de graças

Introduzido pelo diálogo celebrante-comunidade, o prefácio é verdadeira ação de graças pelas “maravilhas da salvação” realizadas pelo Pai com o envio do Filho, “feito homem por obra do Espírito Santo”, de cujo sangue brotou o novo povo de Deus, que, a uma só voz, pode agora proclamar a infinita santidade de Deus. Depois de afirmar o dever de “dar graças sempre e em toda parte” ao Pai por Jesus Cristo, Filho do seu amor, recorda em uma só visão tanto a “maravilha” da criação como a “maravilha” da redenção: “Por meio dele, tua Palavra viva, criaste todas as coisas e o enviaste a nós, Salvador e Redentor, feito homem por obra do Espírito Santo e nascido da Virgem Maria”.

Cristo é o centro do culto cristão, pois é, ao mesmo tempo, o centro da criação e da redenção, já que tudo foi feito por meio dele, nele e em função dele e tudo foi reconciliado no seu sangue (cf. CI 1,13-20). O prefácio continua, destacando que a encarnação do verbo alcança seu cumprimento no mistério de sua páscoa, da qual, como de uma fonte, deriva todo o mistério da Igreja: “Para cumprir a tua vontade e adquirir para ti um povo santo, ele estendeu os braços na cruz e, morrendo, destruiu a morte e proclamou a ressurreição”. Desse modo, “a aquisição de um povo consagrado, e a paixão, na qual o crucificado estende os braços na cruz como para abençoar e abraçar o universo: assim ele anuncia a morte e manifesta a ressurreição. A concisão dessa descrição une a morte e  a ressurreição de Cristo em um só ato, libertador e vitorioso”. Essa evocação conclui com o louvor à santidade e à grandeza de Deus, de cuja glória o céu e a terra estão cheios.

b) Passagem e epiclese sobre as oferendas

 A fórmula de passagem, “Pai verdadeiramente Santo, fonte de toda santidade”, retorna a idéia da santidade de Deus, mas a desenvolve, destacando que toda santidade e santificação deriva do Pai. Assim, estamos em cheio no âmbito das “maravilhas de Deus”, pois a santidade é uma delas. Dessa convicção de fé nasce a epiclese (ou invocação )do Espírito. Com efeito, se Deus Pai é a fonte de toda santidade, é perfeitamente lógico que ele seja invocado para a santificação e a consagração dos dons (pão e vinho). E o agente dessa obra é o Espírito Santo: “Santifica estes dons com a efusão do teu Espírito, para que se tornem para nós o corpo e o sangue de Jesus Cristo, nosso Senhor”.

Assim, a santidade de Deus se transmite aos dons, por meio do envio da Pessoa do Espírito, que tem o poder de transformar o pão e o vinho no corpo e no sangue do Senhor. Com efeito, o Espírito de Deus é Espírito criador: assim como no princípio pairou sobre o cosmos para operar a primeira criação e assim como na plenitude dos tempos “pousou” sobre Maria para nela operar a criação da humanidade de Jesus, início da nova criação, agora ele é invocado sobre os dons do pão e do vinho para operar essa “maravilha” da nova criação e da graça que é a transubstanciação”: Aqui se mostra com grande evidência que a consagração, cerne da celebração eucarística, é obra das três pessoas divinas, da Santíssima Trindade, assim como a encarnação do Verbo, enviado pelo Pai e feito homem por intervenção do Espírito Santo.”

“A expressão ‘para nós’ não deve levar ao engano: ela não tem caráter subjetivo, como se significasse que o corpo e o sangue têm para nós valor simbólico; ela conserva todo o seu valor objetivo, como, aliás, sugere o verbo ‘tornar-se’, no sentido que atua concretamente a presença do corpo e do sangue de Cristo. A frase pretende sublinhar que o corpo e o sangue de Cristo tornam-se presentes em função de nossa participação sacramental. Não nos encontramos diante de espetáculo, mas de uma ação que nos empenha profundamente’’

c) Relato da instituição

‘’Entregando-se livremente à sua paixão, ele tomou o pão, deu graças, partiu-o, deu-o aos seus discípulos e disse: Tomai e comei, todos: este é o meu corpo, oferecido em sacrifício por vós”.

“Depois da ceia, do mesmo modo, tomou o cálice, deu graças, deu-o aos discípulos e disse: Tomai e bebei, todos: este é o cálice do meu sangue, para a nova e eterna aliança, derramado por vós e por todos pela remissão dos pecados. Fazei isto em memória de mim’’.

Quase de imprevisto, chega-se ao relato da instituição, mas a invocação do Espírito e a menção do corpo e do sangue de Cristo o haviam preparado. Trata-se da anamnese propriamente dita, que atualiza nos sinais o mistério da páscoa, e nos empenha a revivê-lo em toda a sua intensidade e em todas as suas conseqüências. A aliança é renovada na oblação de Cristo. A eucaristia é a nova shekinah, a morada de Deus entre os homens. Pode-se agora aceitar o convite de Cristo (‘’Tomai… comei… bebei…’’) e participar do seu banquete de salvação, pois a “maravilha”’da páscoa já foi atualizada sobre o altar. Naturalmente, trata-se de “maravilha sacramental” e, como tal, só é alcançada pelo altar da fé. Por isso, logo depois das palavras da consagração, o sacerdote acrescenta: ‘’Mistério da fé!’’, ao que o povo responde afirmando o conteúdo da eucaristia em consonância com o anúncio paulino de 1Cor 11,26: morte, ressurreição, espera da parusia: “Anunciamos a tua morte, Senhor, e proclamamos a tua ressurreição, à espera da tua vinda”.

d) Memória e oferenda

“Celebrando o memorial da morte e ressurreição do teu filho, te oferecemos, ó Pai, o Pão da vida e o cálice da salvação e te damos graças por nos teres admitido em tua presença para o cumprimento do serviço sacerdotal”.

Depois de ter afirmado que tudo o que se realizou é a “memória” do mistério pascal de Cristo, o celebrante, juntamente com toda a comunidade, oferece ao Pai o “pão da vida” e o cálice da salvação” como “ação de graças” pelo que Jesus realizou por nós com sua páscoa. E, assim, retorna o tema da berakah, a “ação de graças”, que perpassa toda a celebração eucarística e agora acompanha o gesto da oferenda.

e) Epiclese sobre os comungantes

 “Suplicamos-te humildemente: que o Espírito Santo nos reúna em um só corpo para a comunhão no corpo e no sangue de Cristo”.

Agora, com estilo simples e conciso, invoca-se segunda vez o Espírito Santo para que os que participam da comunhão com o corpo e o sangue de Cristo sejam reunidos, com a graça do Espírito, ”em um só corpo”. Como participação no próprio corpo e sangue de Cristo, a eucaristia é sinal e fonte de unidade eclesial, a qual, porém, não pode ser obtido sem a obra do Espírito Santo, que é vínculo e selo de unidade, porque é Espírito de Cristo e princípio de vida e caridade. A imagem do corpo aplicada à igreja – note-se o duplo sentido correlato da palavra “corpo” – deriva da epístola aos Romanos: ”Nós somos muitos e formamos um só corpo em Cristo, sendo membros uns dos outros” (Rm12, 5).

f) As intercessões

Depois da epiclese, as intercessões, para que os frutos do sacrifício de Cristo, morto pela salvação de todos, derramem-se sobre a Igreja, sobre o mundo inteiro e sobre os falecidos. pede-se igualmente por “todoss nós”, para que possamos ser partícipes da Igreja dos santos, que já canta, na bem–aventurança, a glória do Pai, por meio do Filho, no Espírito. E é precisamente com essa doxologia que se conclui a prece eucarística: “Por Cristo,com Cristo e em Cristo, a ti, Deus Pai onipotente, na unidade do Espírito Santo, toda honra e glória pelos séculos dos séculos”.

Ao que se segue o amém dos fiéis, expressando sua adesão de fé ao mistério da salvação, atualizado sobre o altar e repercutindo agora em toda a Igreja e pela eternidade.

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9. O Pai-Nosso. Depois de termos sido inebriados do Espírito de Cristo pela epiclese (invocação) do sacerdote, agora como filhos adotivos rezamos ao Pai como Jesus ensinou aos seus discípulos. Por fim, O sacerdote pede que sejamos livres dos males, pela paz na Igreja e no mundo e conclui-se o embolismo com a proclamação cristológica: “Porque vosso é o reino, o poder e a glória…”

 

10. Cordeiro de Deus. Antes de nos aproximarmos da comunhão, rezamos ou cantamos “Cordeiro de Deus… tende piedade de nós” como João Batista, como o cego Bartimeu… não nos podemos aproximar do Deus justo e santo sem que ele mesmo nos convide por sua misericórdia e sem que nos purifique de nossa cegueira. Ele, o Filho de Davi, há de ter piedade de seu povo para aceitá-lo à sua mesa. Neste momento o pão eucarístico é partido e assim, significa o Sacrifício Pascal de Cristo nos foi entregue.

 

11. O ato de comungar. Recebemos pão e vinho, corpo e sangue de Cristo. Sobre a Eucaristia farei um texto a parte para não delongar muito. Aqui basta dizer que o pão abençoado, eucaristizado, transubstanciado, sobre o qual foi dado graças e partido é agora distribuído como fora a ordem de Jesus: “tomai todos e comei…”, “tomai todos e bebei…”.

 

12. “Ide em paz e o Senhor vos acompanhe”. Aqui começa a segunda missa. Aquela que devemos viver no nosso cotidiano. Aquele evangelho ouvido, aquele Corpo e Sangue comungados, devem ser agora, vida na nossa vida.

 

Para Citar:


Fernando, Padre Luís. É bíblica a missa? Parte II – As partes da Missa. Disponível em: <http://www.apologistascatolicos.com/index.php/doutrina-e-teologia/sacramentos/519-e-biblica-a-missa-parte-ii-as-partes-da-missa>. Desde 04/05/2012

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