Sexta-feira, Novembro 15, 2024

Conferência sobre o Movimento Ecumênico

 

Bento XVI com o arcebispo anglicano de Cantuária, Rowan Williams

 

Conferência do Monsenhor Willibrands na época em que era Secretário do Secretariado para a União dos Cristãos, pronunciada pela rádio “West-Deutche Runfunk”, em fins de 1966. Em 1974 virou Presidente do Secretariado romano:

 

NADA DE TRIUNFALISMO


 

“Se temos motivos para nos alegrar, temos também razões para nos abster de todo triunfalismo. Se a situação atual é melhor, é relativamente recente. Se reportamo-nos à situação dos anos de 1925-1928, encontrar-nos-emos diante de um quadro bem diferente. Em 1925, realizava-se em Estocolmo, graças à iniciativa do arcebispo luterano Nathan Soderblom, uma grande conferência sobre um programa de cristianismo prático. Esta assembleia propôs-se estudar a função da Igreja nas questões de ordem econômica e industrial nos problemas morais e racionais, nas relações internacionais, na educação e, enfim, nos métodos de cooperação e de federação em vista da unidade. A Igreja se absteve de toda forma de participação, nem mesmo enviando observadores.

Em 1927, levava-se a termo, em Lausanne, uma conferência diferente. Organizada pelo bispo episcopalino Charles Brent, auxiliado por um secular, Robert Gardiner, esta conferência tomou como tema global a Igreja e procurou esclarecer os principais pontos em que se elevavam as controvérsias. Foi isso que valeu a Assembleia de Lausanne o epíteto de “Conferência dos pontos fundamentais”. Por sua orientação mais interior, mais reflexiva, mais centrada nos valores da crença e de doutrina, a Conferência de Lausanne contrabalança a de Estocolmo.

Qual foi a atitude da Igreja Católica face à Conferência de Lausanne? Bento XV recusou convite de participação, que fora dirigido à Igreja Católica. O Santo Ofício, por um decreto de 8 de julho de 1927, vedava aos católicos toda participação na mesma. Cinco meses após a assembleia, a 6 de janeiro de 1928, uma encíclica de Pio XI apresentava as razões positivas desta reprovação, a saber: a doutrina católica da unidade.  Refiro-me à encíclica Mortalium Animos, que dizia claramente: “estando assim as coisas, a Santa Sé não pode tomar parte nestas reuniões e não se permite de forma alguma aos católicos aderir ou colaborar nestas iniciativas. Agindo assim, dariam autoridade a uma religião falsa, muito distanciada da única Igreja de Cristo. Não podemos tolerar (…) que a verdade (…) seja objeto de transações”.

Estamos, portanto, numa situação antipódica à atual. Como explicar este violento contraste¿ É preciso reportar-se ao contexto histórico. Se Pio XI tivesse podido antever a evolução ulterior do movimento ecumênico, certamente, não teria se mostrado tão severo, recordando, sem dúvida, a doutrina católica da unidade.

Grande número de participantes das Conferências de Estocolmo e de Lausanne aceitava o princípio de que a verdadeira Igreja de Cristo ainda não existe e que todas as igrejas históricas não passam de frações mais ou menos deficientes. Para a encíclica, este princípio é até um dos pressupostos da própria conferência.

Ademais, o liberalismo protestante guardava ainda todo o seu esplendor e todo o seu prestígio. As poucas fendas de seu sistema ainda não eram visíveis. A renovação confessional era ainda muito discreta e a teologia dialética, cujo doutor e profeta será Karl Barth, era ainda realidade apenas em pequenos círculos.

Mas nos anos seguintes, pareceu que o movimento ecumênico se inspirava na renovação bíblica da teologia da Igreja e que os aspectos pragmáticos e bem assim a influência do protestantismo liberal tendiam a se atenuar.

Isso aparece particularmente claro nas duas conferências que se realizaram na Inglaterra, no verão de 1937, uma em Oxford e a outra em Edimburgo. A crise religiosa desencadeada na Alemanha pelo nazismo, em 1933, restabelecera a estrutura interior da fé de muita gente. Levando em conta esta evolução, Pio XI – autor de Mortalium Animos – permitia, oficiosamente, que católicos participassem, privadamente, das reuniões.

 

A RENOVAÇÃO BÍBLICA E TEOLÓGICA.


 

O pastor Visser’t Hooft analisou bem o papel que a renovação teológica desempenhou no fortalecimento interior do movimento ecumênico, em discurso pronunciado no comitê central do CMI, em Genebra, em fevereiro de 1966:

“Para a aproximação das igrejas, nos anos 1930 e 1940, a descoberta de um largo terreno em comum, na Conferência de Oxford, em Edimburgo, na Assembleia de Amsterdã, não teria sido possível, se nestes mesmos anos não se tivesse operado um renascimento da teologia bíblica em muitos países e se este teologia não tivesse chegado a uma notável concordância em muitos pontos essenciais. Embora a Bíblia seja uma coleção de escritos de grande diversidade, como a ciência crítica o demonstra, afirmava-se, no entanto, com notável unanimidade, que a Bíblia caracterizava-se ao mesmo tempo por uma grande unidade enquanto testemunho da atividade redentora de Deus na história, tendo seu centro e seu ápice em Cristo. A mesma convicção fundamental deu sua substância ao diálogo entre teólogos católicos e outros teólogos. A força secreta que nos aproximou foi o querigma bíblico (palavra bíblica), que tornamos a entender de maneira nova, de parte a parte”                  

Esta declaração parece-me de importância capital. Diz claramente que é a renovação da teologia bíblica que nos aproximou, que esta mesma renovação nos mantém unidos. E que, portanto, temos o dever – os dois lados das fronteiras confessionais – de manter viva a convicção da unidade profunda da mensagem da revelação na Bíblia. Somos corresponsáveis pela mensagem de Cristo. É esta corresponsabilidade que nos une na busca da unidade.

Outro elemento que facilitou a aproximação foi o esforço de esclarecimento por parte do Conselho Mundial. Muitos pensavam que entrar no Conselho Mundial implicava em renunciar implicitamente às suas próprias convicções em matéria de Igreja; que entrar no Conselho Mundial significava aceitar relativizar-se, tomar-se menos a sério em termos de Igreja. Na declaração de Toronto, em 1950, o Conselho Mundial esclareceu bem que existia com a finalidade de confrontar as diferenças e não para atenuá-las ou extingui-las; que, ao entrar no Conselho Mundial, nenhuma igreja deveria depor no vestuário sua própria fé, em matéria de Igreja. Afirmação importante que mostrava claramente que o conselho não impõe a priori nenhuma condição restritiva, e que participar dessa associação não pressupõe nenhuma transação, nenhum mercado.

 

PERSPECTIVAS DE FUTURO


 

Por sua parte, a Igreja Católica seguia um caminho paralelo e percorria muitas das mesmas etapas.. Sobretudo, deu-se conta, progressivamente, de que tinha uma função positiva e criadora a desempenhar na unidade dos cristãos, mas que esta função começava antes de mais nada dentro dela mesma, em seu próprio interior. A principal contribuição da Igreja Católica para a aproximação é sua própria renovação, sua própria reforma, como não exitou em dizê-lo Sua Santidade Paulo VI, citando um texto do Decreto sobre o Ecumenismo: “A Igreja peregrina é chamada por Cristo a essa reforma perene. Dela necessita perpetuamente como instituição humana e terrena ” (n. 6).

O decreto sobre o Ecumenismo ressalta a importância ecumênica desta renovação, desta reforma. Apresenta os exemplos desta renovação, já começada antes de 1962, mas estimulada e promovida pelo concílio que declarava: “Esta renovação tem, por isso, uma grande importância ecumênica. Ela já é efetuada em várias esferas da vida da Igreja. Tais são os movimentos bíblico e litúrgico, a pregação da Palavra de Deus e a catequese, o apostolado dos leigos, as novas formas de vida religiosa, a espiritualidade do matrimônio, a doutrina e a atividade da Igreja no campo social. Tudo isso deve ser tido como penhor e auspício a prognosticar, felizmente, os futuros progressos do ecumenismo” (n. 6).

Apesar de tudo, pode-se dizer que a expressão Ecclesia semper reformanda tem um sentido verdadeiro para nós católicos, mesmo que não seja este o sentido que lhe atribuem os luteranos e reformados. O Concílio do Vaticano foi um bom testemunho desta reforma e uma séria contribuição para a compreensão entre os cristãos.

Analisamos a situação atual, marcada pela alegria dos progressos alcançados em 40 anos. Quais serão agora as perspectivas de futuro? Talvez seja este o momento de se repetir uma frase da última alínea do Decreto sobre o Ecumenismo: “Este Sacrossanto Sínodo deseja com insistência que as iniciativas dos filhos da Igreja Católica se desenvolvam unidas às dos irmãos separados; que não se ponham obstáculos aos caminhos da Providência; e que não se prejudiquem os futuros impulsos do Espírito Santo” (n. 24).

Para o momento é importante que saibamos que o grau de aproximação  que conseguimos é um dom de Deus, que portamos em vasos de argila (2 Cor 4,7). Estes vasos podem quebrar-se em nossas mãos; da mesma forma, este dom de Deus exige nossa oração  e nossa atenção constantes. Na obra da Unidade, somos mutuamente responsáveis”

 

FONTE


WILLEBRANDS, Card. Johannes. O texto desta Conferência foi publicado na Informations Internationales de 1º de dezembro de 1966.

 

PARA CITAR


WILLEBRANDS, Card. Johannes. Conferência sobre o Movimento Ecumênico <http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/concilio-vaticano-ii/ecumenismo/789-conferencia-sobre-a-evolucao-do-tratamento-da-igreja-diante-do-movimento-ecumenico> Desde 03/06/15. Transcrião: Eduardo Toratti.

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