Segunda parte da série sobre os Concílios Cristológicos, para ler a primeira matéria Clique aqui, é importante para que entenda está.
Este é o Concílio de Calcedônia, aconteceu em 451 e combateu mais uma heresia, desta vez do monge Êutiques, que acreditava que a humanidade de Cristo havia sido absorvida pela divindade quando este se fez carne no ventre de Maria!
Vocabulário:
União hipostática(união mística ou dupla natureza de Cristo) = é a doutrina clássica da cristologia que afirma ter Jesus Cristo duas naturezas, sendo homem e Deus ao mesmo tempo.
Soteriológica (vem de soteriologia) = o estudo da salvação humana. A palavra é formada a partir de dois termos gregos Σοτεριος [Soterios], que significa “salvação” e λογος [logos], que significa “palavra”, ou “princípio”.
consubstancial = que só possui uma substância ( ou tem a mesma substancia)
O concílio de Calcedônia – 451
Éfeso explicou o significado da encarnação nos termos da “união hipostática”. Desse modo, realçou a unidade, mas prescindiu a distinção entre a divindade e a humanidade. E é nesse ponto, exatamente, que Calcedônia completa Éfeso. Além disso, Calcedônia apresenta um avanço também no vocabulário expositivo do mistério de Jesus Cristo.
Na verdade, a problemática de Calcedônia centra-se na questão da humanidade de Jesus, ou seja: se o Verbo de Deus assumiu em si a natureza humana, o que acontece a essa natureza, no processo de união? Mantém-se em sua realidade humana ou é absorvida pela divindade do Filho de Deus?
A “Fórmula da União” acatada por João de Antioquia e Cirilo de Alexandria declarava que o filho de Deus é “Consubstancial (homousios) conosco, segundo a humanidade”, Qual o sentido disso?
Êutiques, monge de Constantinopla, admitia que Cristo provém de (ek) duas naturezas, mas sem permanecer em (en) duas naturezas após o processo de união. Para ele, essa união foi como uma “mistura” (krasis), em que o humano foi absorvido pelo divino e, conseqüentemente, Cristo não é “consubstancial” conosco, na humanidade.
Utilizando-se de expressões polêmicas de Cirilo e ainda alternando o sentido delas, Êutiques acabou defendendo que, mantida a união, só há em Cristo uma única natureza, já que a natureza humana se diluiu na divina. Punha-se em perigo, assim,mais uma vez a realidade da mediação singular de Jesus Cristo entre Deus e a humanidade. Se esta é absorvida pela divindade do Verbo, Jesus realizada a união, não é mais verdadeiramente homem. E, anulando-se a verdade da mediação de Cristo, desfaz-se, de novo, a realidade escandalosa da encarnação. Essas foram as implicações do monofisismo.
Nesse contexto, o papa Leão Magno escreveu ao patriarca de Constantinopla, Flaviano, uma carta dogmática, chamada “Tomus”. O pontífice concorda aí com Cirilo de Alexandria, afirmando a unidade de Cristo: “Ele nasceu com a íntegra e perfeita natureza verdadeiro homem e verdadeiro Deus , completo (como Deus e como homem)…”. mas sua linguagem está mais próxima da escola antioquena. Como a “Fórmula da União”, Leão Magno também fala, explicita e deliberadamente, de “duas naturezas”, cada uma delas com suas características: “Preservadas a propriedade de uma e a de outra, elas se unem numa só pessoa”; ambas completam, em comunhão mútua, o que é próprio ( de cada uma)…”.
Fica ainda por se articular o acordo de linguagem entre a corrente antioquena, representada pela “Tomus” de Leão a Flaviano, e a escola de Alexandria, exemplificada pela carta de Cirilo a Nestório.
O significado de Calcedônia
A definição de Calcedônia (451), acrescentadas algumas cláusulas explicativas, constitui nova atualização do ministério revelado de Jesus cristo, em plena conformidade como a tradição da Igreja. Ela tem duas partes: a primeira retoma a doutrina anterior sobre Jesus Cristo, a esteira, em geral, da “Fórmula da União”; a segunda abrange esclarecimentos ulteriores, lançando mão de conceitos helenistas.
A primeira parte da definição toma como ponto inicial a união da divindade com a humanidade em Jesus Cristo. No bojo dessa unidade, estabelece-se a distinção das duas naturezas: “ele mesmo” é consubstancial com o Pai, pela divindade, e conosco, pela humanidade. Diante do reducionismo monofisista, impunha-se a acrescentar a consubstancialidade de Jesus conosco, na humanidade. Assim se respondeu à questão levantada por Êutiques: a natureza humana de Jesus mantém-se integra e autêntica nessa união, não obstante a exceção ao pecado (Hb 4, 15). Contudo, pode-se perceber que, aplicado ás duas naturezas, o termo “consubstancial” não carrega, exatamente o mesmo significado. Se, quanto à divindade, afirma-se a consubstancialidade numérica do Pai com o Filho, coisa que o Concílio de Nicéia não fizera, no caso da humanidade proibi-se, como é natural, a consubstancialidade específica de Jesus conosco. Analisados os dois componentes do próprio Cristo à luz da escola antioquena, o final da primeira parte da definição volta-se para a dupla origem dele, gerado pelo Pai desde toda a eternidade, como Deus, e gerado em Maria, no tempo, em sua humanidade. Dessa forma, a definição se aproxima do esquema de Éfeso, referindo-se então à história e à razão soteriológica que levou o Filho de Deus a se fazer homem: “nos últimos dias”, “por nós e pela nossa salvação”.
A dupla “solidariedade” com o divino e o humano, implicada na motivação soteriológica, é também ressaltada pelo título dado a Maria de “Mãe de Deus” (theotokos). Por isso, Calcedônia liga-se, de fato, a Éfeso.
Mas a segunda parte da definição encerra outros esclarecimentos, em linguagem filosófica, visando mostrar como coexistem no mistério de Jesus Cristo a unidade e a distinção. Agora, distinguem-se, claramente, os conceitos de pessoa (hypostasis, prosópon) e natureza (physis). O mesmo Senhor e Cristo, o Filho unigênito do Pai, é uno em duas naturezas, “sem confusão, nem mudança” (contra Êutiques) e “sem divisão nem separação” (Contra Nestório).
A expressão “em” (en) duas naturezas destaca que a dualidade continua depois da união. Cristo não é somente “de” (ek) duas naturezas, como Êutiques defendia, mas é também duas naturezas. Portanto, a união hipostática do verbo com a humanidade mantém a alteridade da humanidade na mesma pessoa. A humanidade não é absorvida pela divindade , como pretendia Êutiques. “Sem divisão e nem separação” indica que as duas naturezas não se justapõe apenas, como se fossem sujeitos a subsistentes distintos. O que pertence a cada uma das duas naturezas fica “salvaguardado”, confluindo, realmente, numa única pessoa (prosópon) e hipóstase (hypostasis). Jesus mesmo age como Deus e como homem, assim ele é, ao mesmo tempo, Deus e homem.
Assim, calcedônia elucida, em visão antioquena, a união hipostática que Éfeso expressara com enfoque alexandrino. A modalidade da união da divindade com a humanidade em Jesus Cristo revela-se inteiramente singular, mas só uma união assim se harmonizaria com sua condição única de mediador entre Deus e os homens.