Sábado, Dezembro 21, 2024

Comentário teológico e pastoral ao Decreto sobre o Ecumenismo (parte 3)

 Pe. Miguel Nicolau e Pe. José Sánchez Vaquero*

VALOR DOUTRINAL DO DECRETO SOBRE O ECUMENISMO

Comentário teológico e pastoral ao Decreto sobre o Ecumenismo (parte 1)

Comentário teológico e pastoral ao Decreto sobre o Ecumenismo (parte 2)

Comentário teológico e pastoral ao Decreto sobre o Ecumenismo (parte 3)

Comentário teológico e pastoral ao Decreto sobre o Ecumenismo (parte 4)

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CAPÍTULO II

  

A PRÁTICA DO ECUMENISMO

(nº 5-12)


 

A última parte do capítulo anterior, desde o nº 4, c, pode parecer que já se referia à prática do ecumenismo. É verdade. Com isso já se preparava o que vamos dizer neste capítulo II. É inevitável, portanto, alguma repetição.

Na intenção do Secretariado para a unidade, respondendo a uma dificuldade ou emenda que se tinha proposto, expunham-se ainda no primeiro capítulo, princípios do ecumenismo, se bem que de maneira mais concreta. Entendia o mesmo Secretariado, ao responder a esta dificuldade que lhe era proposta, que se não pode fazer uma distinção “matemática”, entre a exposição dos princípios e a explicação da sua prática[1].

 

Todos devem interessar-se pela união (nº 5)


5. O cuidado pelo restabelecimento da união diz respeito a toda a Igreja, tanto fiéis como pastores. Afeta cada um segundo a sua própria capacidade, quer na vida cristã de cada dia, quer nas investigações teológicas e históricas. Este empenho manifesta, de algum modo, a união fraterna que já existe entre todos os Cristãos e conduz à perfeita e plena unidade, segundo os desígnios de Deus.

 

O empenho restabelecer a união toca a todos os fiéis da Igreja, pois, todos são membros do Corpo Místico. E não pode um membro desinteressar-se do bem de todo o Corpo; se o Corpo sofre, devem sofrer também todos os membros (Cfr. I Cor, 12, 26). Além disso, embora referido diretamente a Israel, "Deus encarregou a cada um o seu próximo" (Eccl. 17, 12). Se este princípio se deve verificar a respeito do bem comum e geral de todos os homens, muito mais, tratando-se do bem de toda a Igreja, com a qual estamos tão intimamente unidos e vinculados.

O que se diz dos fiéis, com mais razão quanto aos Bispos e Pastores. Já anteriormente se fez referência à parte que cabe aos Bispos, no ecumenismo (art. 4, c). A razão é que, sendo eles, além de povo de Deus e fiéis, lhes corresponde a solicitude de quem foi estabelecido pelo Espírito Santo para apascentar a grei e olhar por todo o rebanho, com desvelo universal (cfr, Atos 20). O princípio dessa solicitude universal e da preocupação pelo bem de toda a Igreja, voltou a ser recalcado na Constituição De Ecclesia do Vaticano II (art. 23). Como o Decreto do ecumenismo, também o futuro Diretório para o trabalho ecumênico, apresentará o modelo das diretrizes episcopais.

A solicitude deve mostrar-se na "vida cristã quotidiana", isto é, nos empreendimentos apostólicos e caritativos e nas obras de cooperação de que se fala no nº 12[2]; sem que, por isso, se exclua o teor geral de todo o conteúdo da “vida cristã de cada dia”.

O cuidado pela união nas investigações teológicas e históricas, cabe, por sua mesma natureza, principalmente, aos cientistas, professores, escritores, etc., que, com os seus estudos, podem abrir o caminho da união. O espírito sereno, aberto e benévolo, que deve presidir a estes estudos, facilitará a senda da compreensão, sem compromisso para a verdade.

Deste modo, os que já são irmãos em Cristo, chegarão a não viver separados, mas unidos como Cristo, deseja. Como diz o Decreto, este cuidado e solicitude, já manifestam um grau de fraternidade e união.

 

Renovação da Igreja  (nº 6)


6. Toda a renovação da Igreja consiste, essencialmente, numa crescente fidelidade à sua vocação. Esta é, sem dúvida, a razão do movimento para a unidade. A Igreja peregrinante é chamada por Cristo a esta contínua reforma de que tem sempre necessidade enquanto instituição humana e terrena. Assim, se em virtude das circunstâncias dos tempos, algumas coisas foram menos cuidadosamente observadas quer nos costumes, quer na disciplina eclesiástica, quer mesmo no modo de enunciar a doutrina – o que se deve desde logo distinguir do próprio depósito da fé – sejam reta e devidamente restauradas, na altura devida.

Esta renovação te, pois, uma grande importância ecumênica. Os vários modos, porém, mediante os quais esta renovação da vida da Igreja está já a ser efetuada – tais como o movimento bíblico e litúrgico, a pregação da Palavra de Deus e a catequese, o apostolado dos leigos, as novas formas de vida religiosa, a espiritualidade do matrimônio, a doutrina e a atividade da Igreja no campo social – devem ter-se como garantias e auspícios que felizmente preconizam os frutos progressos do ecumenismo.

 

Apresentar o rosto autêntico da Igreja. Se na Igreja, dia a dia, se manifesta cada vez mais a sua verdadeira face, se na hierarquia, nos clérigos e simples fiéis, a caridade verdadeira, a humildade sincera, a pobreza e a simplicidade evangélica, a ausência de ambições e aumentos egoístas, se revelam sempre crescentes…; se todos (porque depende da cooperação de todos nós), correspondemos ao desejo de João XXIII, apresentando o verdadeiro rosto da Igreja, de modo que se possa dizer: “esta é a verdadeira imagem da Igreja…” será então mais fácil que todos os cristãos a reconheçam e queiram, ipso facto, unir-se a ela. Foi o que João XXIII pretendeu com o Concílio, em ordem a conseguir a unidade dos cristãos.

A unidade seria então efeito, não das disputas nem das apologias, mas das obras e das ações. Seria resultado de uma purificação e renovação internas, dos católicos.

Não deve surpreender o emprego da palavra renovação da Igreja, ou reforma da Igreja. É freqüente encontrar esta palavra nos documentos dos Concílios[3]. João XXIII falava do Concílio Ecumênico Vaticano II, “para chegar a uma reta renovação dos costumes do povo cristão”[4]. Inocêncio III afirmava diante dos Padres do Concílio Lateranense IV (a. 1215) que o tinha convocado “para reformar a Igreja universal…”[5].

A Igreja, ainda que é santa, pelo seu Esposo, pela sua doutrina, pelos sacramentos e por muitos membros santos que a constituem, contudo, é composta de homens; e “enquanto instituição humana e terrena, tem necessidade perene de contínua reforma”. O Decreto faz sua esta idéia, tirada das palavras de Paulo VI à Cúria Romana[6].

É possível que no decorrer dos tempos e segundo as diversas circunstâncias, tenha havido um certa relaxação dos costumes; é possível que tenha havido menos cuidado na observância da disciplina eclesiástica; tudo isto faz parte da debilidade humana e terrena, por isso, torna-se necessário renovar e reformar convenientemente no devido tempo.

Mas há mais: a reforma e renovação, tornam-se também necessárias, no modo de enunciar a doutrina. Mas isto deve ser retamente entendido. Porque, “uma coisa é o depósito da fé, ou seja, as verdades contidas na nossa veneranda doutrina, outra, o modo como se enunciam estas verdades, ainda que conservando o mesmo sentido e o mesmo conteúdo”[7]. Quer dizer que no modo de enunciar a doutrina, adotado pela Igreja, não se tergiversou ou adulterou o sentido autêntico das verdades do depósito da fé. O contrário, seria cair no relativismo dos conceitos, condenado na Humani generis[8]. No que diz respeito à conservação e exposição reta das verdades do depósito da fé, a Igreja foi e será sempre fiel à sua missão[9].

Mas está perfeitamente conforme, um modo de enunciar a doutrina que seja mais completo, que tenha mais em conta os pontos de vista dos outros, que se adapte mais à sua mentalidade, etc. Este ponto será tratado no artigo 11º.

Frutos da renovação. A renovação da Igreja já deu os seus frutos ou pelo menos, prognosticou-os. Esta renovação facilitará o movimento ecumênico Esta renovação facilitará o movimento ecumênico. Referimo-nos, como se refere o Concílio, primeiro ao movimento bíblico. Quem duvida que, graças ao estudo mais assíduo, mais profundo e aberto, da Bíblia, por parte dos católicos e dos protestantes, se facilitará a compreensão mútua e se encontrarão novos pontos de contato?

Também o movimento litúrgico, o maior apreço pelos salmos, para a oração, o recorrer às formas mais acrisoladas da vida cultual, segundo a tradição antiga, procurará o encontro com as formas da Liturgia oriental e a oração comum, com as palavras inspiradas por Deus[10]. A pregação da Palavra de Deus, isto é, a homilia, promoverá o conhecimento da Escritura entre os católicos. A catequese perfeita, o apostolado dos leigos, as novas formas, mais ágeis, de vida religiosa, a espiritualidade matrimonial, a atividade social e a doutrina social da Igreja, numa palavra, tudo o que contribui para rejuvenescer a Igreja e enriquecê-la com novas expressões de vida… ajudará a dar o grande passo ecumênico e a que a Igreja seja mais amada e encontrada pelos irmãos separados.

 

Conversão do coração  (nº 7)


7. Não há verdadeiro ecumenismo sem conversão interior. Pois os desejos de unidade nascem e amadurecem da renovação do espírito[11], da abnegação própria e do pleno exercício da caridade. Por isso, devemos implorar do Divino Espírito a graça de uma sincera abnegação, humildade e mansidão em servir e de fraterna generosidade de alma para com os outros. “Peço-vos, portanto, – diz o Apóstolo das gentes – eu, prisioneiro no Senhor, que vos comporteis de modo digno da vocação a que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com paciência, suportando-vos uns aos outros com amor e esforçando-vos solicitamente por conservar a unidade do Espírito, no vínculo da paz” (Ef. 4, 1-3). Esta exortação diz respeito sobretudo àqueles que foram elevados à sagrada ordem a fim de que seja continuada a missão de Cristo, que “não veio para ser servido mas servir”(Mat. 20,28), entre nós.

Também às faltas contra a unidade se pode aplicar o testemunho de S. João: “Se dissermos que não pecamos chamamos-lhe de mentiroso e sua palavra não está em nós” (I Jo. 1, 10). Por isso pedimos humildemente perdão a Deus e aos irmãos separados, como também nós perdoamos aos que possam ter ofendido.

Lembrem-se todos os fiéis cristãos de que tanto melhor promoverão, ou antes, exercerão a união dos Cristãos, quanto mais se esforçarem por levar uma vida mais conforme ao Evangelho. Pois, quanto mais estiverem unidos em estreita comunhão com o Pai, o Verbo e o Espírito, tanto mais íntima e facilmente poderão aumentar a mútua fraternidade.

 

Não é raro, em autores ascéticos do século XVI, atribuir as divisões religiosas da época “aos grandes pecados com que irritamos a justiça divina”. Não só os da parte oposta. Também os de dentro. Vem aqui a propósito o dito do Senhor: “O que está sem pecado atire a primeira pedra” (Jo. 8, 7).

A divisão entre os cristãos, é claro que não procede do Espírito de Deus. As suas causas facilmente são, amor próprio, soberba, impaciência… E, mesmo admitindo que a razão e o direito estejam de uma parte, não basta ter direito e ter razão para justificar que se olhe, impassivelmente, uma separação. Ainda o que tem direito, deve proceder com mansidão, com calma, sem exacerbar o adversário, sem precipitar os acontecimentos; numa palavra, com caridade e humildade. Por isso, facilmente num litígio e neste que hoje dói aos cristãos, todos podemos dizer “mea culpa”.

É verdade que a Igreja é “santa”. Dizemo-lo no Credo. Mas isto, não quer dizer que todas as ações de seus membros sejam santas; nem mesmo as dos hierarcas da Igreja, ainda que sejam os Papas. Tanto na ordem privada como na ordem social e pública, podem não proceder segundo as exigências da virtude e da prudência. A história os julga.

Não queremos, contudo isto, examinar agora as causas e as responsabilidades das divisões que hoje afligem os cristãos. Primeiro, porque o que realmente importa, não é saber quem teve mais culpa, mas que nós, cristãos, nos unamos verdadeiramente. Vamos deixar a história das causas, como se exprimiu João XXIII e vamos a unir-nos. Segundo, porque, mesmo que procurássemos conhecer todo o processo histórico da separação, a urdidura de causas e concausas, ocasiões e circunstâncias, parece ser tão complicada e estar tão emaranhada que não sei se chegaríamos a resultados claros e positivos.

Por isso, o Concílio confessa as culpas que tenha havido por parte dos católicos. “Porque, se dissermos que não pecamos, fazemo-Lo mentiroso e a sua palavra não está em nós” (1Jo. 1, 10). O que fez já Paulo VI, pedindo perdão na inauguração da segunda Sessão do Concílio[12] e mais tarde (17 de Outubro de 1963), no Discurso aos “Observadores” de outras confissões[13], repete-o agora solenemente o Decreto, em nome de toda a assembleia, pedindo humildemente perdão a Deus e aos irmãos separados; e ao mesmo tempo perdoando também aos que nos ofenderam[14].

O ecumenismo exige uma conversão do coração. Os desejos de unidade crescem à medida que nos renovamos no espírito (cfr. Ef. 4, 24), com uma abnegação maior do próprio egoísmo e de nós mesmos, com uma caridade mais ampla e autêntica. Já S. Paulo o recomendava para as relações com os demais e repetimo-lo hoje na epístola da “Missa para a unidade dos cristãos” e neste Decreto do Ecumenismo. “Peço-vos encarecidamente – dizia S. Paulo – eu, prisioneiro no Senhor [estava na prisão quando escrevia aos Efésios] que andeis dum modo digno da vocação a que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com paciência, suportando-vos uns aos outros com caridade, solícitos em conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Ef. 4, 1-3).

Não corresponderia ao pensamento do Apóstolo quem em tudo se considerasse superior aos outros.

Pelo contrário, S. Paulo recomenda que “cada um considere os outros como superiores” (Filip. 2, 3. Ecli. 3, 20). A caridade sabe dizer as coisas de tal modo que não ofendam. Sabe evitar o que é áspero nas ideias e na linguagem. Segundo a descrição do Apóstolo “a caridade é paciente e bondosa, é benigna, a caridade não é invejosa, não é temerária; não se ensoberbece, não é ambiciosa, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não faz maus juízos; não folga com a injustiça, mas alegra-se com a verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo sofre” (1 Cor. 13, 4-7). Se todas as discussões e todos os escritos tivessem sempre tido como norma estas propriedades da caridade!

Toda esta conversão do coração, este florescimento da humildade e da caridade, devem tê-lo como especialmente dirigido a si, os sacerdotes e clérigos, destinados a desempenhar as funções sagradas e a continuar a missão de Cristo. Lembrem-se que não veio “para ser servido, mas para servir” (Mt. 20, 28).

E com a caridade, o crescimento em Cristo (Ef. 4, 15). E com o crescimento e o adentrar-se mais em Cristo, não será difícil encontrarmo-nos todos em Cristo.

Por isso, o caminho da unidade é o da caridade. A este propósito escreveu umas belas palavras sua Beatitude o Patriarca católico de Antioquia e de todo o Oriente, Paulo-Pedro Meouchi, numa carta pastoral, em 2 de Fevereiro de 1961:

“Os cristãos dividem-se e repartem-se em seitas e heresias, na medida em que se afastam da sua sublime vocação. Apartam-se da unidade, na medida em que se esquecem da caridade. O caminho para a unidade começa hoje, amanhã e sempre, a partir de três princípios:

Uma abnegação e uma humildade muito grandes. O Cristão nunca mede a doutrina da Igreja pela medida do seu talento.

Rejeitando totalmente o individualismo. Não vê jamais a Igreja segundo a imagem do seu nacionalismo. Despojando-se da presunção. Não olha a Igreja à luz do próprio orgulho.

Caminhar pelo caminho da Unidade, custe o que custar, é tornar-se disponível à graça de Cristo. Os cristãos nunca progredirão no caminho da Unidade se não tomarem plena consciência dos seus valores sagrados e da necessidade de não olhar aos seus interesses individuais”[15].

Importa, pois, aproximar-se cada vez mais da vida perfeita, segundo o Evangelho. Quanto mais cada um de nós se unir com Deus, mais fácil será encontrarmo-nos todos em Deus.

 

Ecumenismo Espiritual  (n. 8).


8 a. Esta conversão do coração e santidade de vida, juntamente com as orações particulares e públicas pela unidade dos Cristãos devem considerar-se como a alma de todo o movimento ecumênico e podem justamente chamar-se ecumenismo espiritual.

É, com efeito, costume entre os católicos, recitar frequentemente aquela oração pela unidade da Igreja, que o próprio Salvador, na vigília da sua morte dirigiu ardentemente ao Pai: “Que todos sejam um” (Jo. 17, 21).

Em algumas circunstâncias especiais, por exemplo quando se prescrevem orações “pela unidade” e em reuniões ecumênicas, é lícito e até desejável que os Católicos se associem na oração aos irmãos separados. Tais preces comuns, são, sem dúvida, um meio muito eficaz para pedir a graça da unidade e uma genuína manifestação dos vínculos com que os Católicos estão ainda ligados aos irmãos separados: “Pois, onde estão dois ou três reunidos, em meu nome, aí estou no meio deles” (Mt. 18, 20).

 

Entende-se por ecumenismo espiritual, a conversão do homem interior, o seu esforço por levar vida santa e se unir mais com Deus, as suas preces e sacrifícios pela unidade.

Se tivéssemos de esperar a união, dos nossos projetos, meio humanos, diálogos, estudos, etc, ver-nos-íamos condenados ao fracasso.

Porém, ''tudo é possível ao que crê'' (Mc 9,22), ao que ora com fé e confiança, fiado na Palavrado Senhor. Trata-se aqui de um desejo que corresponde ao desejo do Senhor: a unidade dos que crêem n'Ele. E pedimo- — em nome do Senhor, reunidos em seu nome (Cfr. Jo 16,23; Mt18,20)… O Oitavário de orações pela unidade (18 a 25 de janeiro), iniciado pelo, então (1908) pastor anglicano, depois sacerdote católico, Pe Paulo de Graymour (Wattson), Oitavário acolhido com simpatia pela Igreja Católica por São Pio X (1909), que se propagou em muitas outras Igrejas; a novena do Pentecostes, que recorda a perseverança dos Apóstolos em oração com Maria, Mãe de Jesus (At. 1,14); os sacrifícios em prol da unidade; a renovação de vida autenticamente cristã…, tudo contribuirá para mover o coração de Deus, a fim de que Ele torne possível, o que aos homens é impossível. 

De modo nenhum há inconveniente que, em tais circunstâncias de orações pela unidade, ou em reuniões ecumênicas e, ''em certas circunstâncias especiais''[16],se dirija a Deus uma oração comum de cristãos de confissões diferentes. ''É lícito e mesmo desejável'' – diz o Concílio a esse respeito, a oração em comum, tem promessa particular do Senhor (Mt 18,20), quando dois ou três estão reunidos em seu nome. Não resta dúvida que o pedir a unidade corresponde ao desejo de Cristo e é uma oração que se pode fazer em seu Nome. Além disso, esta oração em comum, significa que ainda há laço que nos unem em Cristo.

 

''Communicatio in sacris'' (nº8b)


8b. Todavia, não se deve considerar a comunhão nas coisas sagradas como meio a usar indiscriminadamente para o restabelecimento da unidade dos Cristãos. Esta comunhão depende sobretudo de  dois princípios: da significação da unidade da Igreja e da participação nos meios da graça. A significação da unidade proíbe algumas vezes a comunhão. A necessidade de procurar a graça, por vezes, recomenda-a. Quanto ao modo concreto de agir, decida prudentemente a autoridade episcopal local, tendo em contatodas as circunstâncias de tempo, lugar e pessoas, a não ser que outra seja determinada pela conferência episcopal, segundo os próprios estatutos, ou  pela Santa Sé.

 

Advirta-se, desde o princípio, que a comunhão in sacris, se refere, diretamente, à participação em qualquer culto.[17]

Celebrar conjuntamente os ofícios litúrgicos, não pode ser um meio lícito ou conveniente de maneira indistinta, para se chegar à unidade que se procura. Pois, ofício litúrgico é o mesmo que serviço oficial e público de culto. E neste serviço oficial, costuma haver uma profissão de fé, específica da respectiva confissão, e por isso, a participação ativa num culto alheio, seria uma profissão de fé implícita, no que um tem por erros específicos da outra confissão. Além de que estes ''erros'' facilmente se manifestam nas orações e nas leituras do culto a que se atende ou assiste ativamente. Por isso mesmo, tal participação ativa num culto falso é intrinsecamente contrária à profissão e manifestação da unidade dafé. E muito mais evidente é a maldade intrínseca da assistência ativa, se internamente houver aprovação do culto falso que se realiza.

Há ainda outra razão para não se aprovar tal participação ativa nos cultos das outras confissões, mesmo que internamente se não aprovem. É que o culto é considerado como um sinal externo da unidade e harmonia do Corpo Místico de Cristo. Unidade e harmonia que apareceriam obscurecidas ou veladas, se no culto da verdadeira religião cristã, houvesse tal mistura de toda a classe de confissões. São evidentes, por outra parte, os perigos de indiferentismo religioso que produziria essa promiscuidade de confissões.

Receber um sacramento que internamente se não tem por tal, administrado por sacerdotes de outra confissão, seria uma ação que equivaleria a expressar uma crença na suposta validade de tal ação sacramental. Já se vê que, pela sua mesma natureza, é professar o que internamente se tem por erro e falso e cremos que seria uma ação intrinsecamente má.

Por isso, a assistência ativa ao culto acatólico, aprovando internamente esse culto ou recebendo nele supostos sacramentos, em nenhuma hipótese se pode justificar. São atos, por si mesmos, intrinsecamente contrários à reta norma moral.

Outra coisa seria, se se admite que os sacramentos são administrados validamente e se professam verdadeiros artigos de fé no culto, ou se ora com aquelas orações dignas de serem recitadas por todos. Nesse caso, a assistência ativa, não poderá dizer-se contraditória com aprópria consciência, nem intrinsecamente má. Mas, de ordinário, considerar-se-á nisso, uma espécie de aprovação do outro culto e é o que aparecerá aos olhos de muitos, seguindo-se daí o escândalo para os outros. Fora o perigo de indiferença religiosa para o próprio.

Por isso, as razões que em tais casos justifiquem uma assistência ativa, têm de ser razões verdadeiramente de peso e removendo os perigos próprios e o escândalo que daí pode provir.

A recepção de um sacramento das mãos de um ministro acatólico seria participação ativa no culto deste; mas o receber meramente um sacramento válido não é necessariamente professar uma religião falsa, nos seus erros específicos.

Poderia entender-se como querer servir-se dos sacramentos instituídos por Cristo, que são válidos em qualquer hipótese, mesmo que o ministro seja cismático ou herege a aproveitar-se de algo, objetivamente válido. Mais: de algo que pertence, de direito, à Igreja verdadeira, ainda que retido por outros. Daí, o conceber-se que possa haver casos que tornem lícita a recepção de um sacramento necessário, das mãos de um ministro acatólico. Tal seria, em caso de extrema necessidade, o batismo, a penitência, para a qual a Igreja mesma, concede justificação, em perigo de morte de um cristão, a qualquer sacerdote validamente ordenado.

Também se concebe que possa haver razões que justifiquem a recepção das mãos de um acatólico, outros sacramentos, pela grande utilidade que nisso haveria, por exemplo, o viático, que é de preceito divino, em perigo de morte.

Mas em tais casos tornar-se-ia necessário precaver qualquer perigo de indiferença e inconstância religiosa própria, e afastar o escândalo que causaria aos fiéis.

Se a presença nos ritos acatólicos não tem o caráter de participação ativa, mas de presença de mera cortesia, como seria, por exemplo, em cerimônias fúnebres ou de caráter patriótico e nacional, ou se a assistência é só a título de ilustração conveniente, para conhecer o desenrolar de tais atos, então, já se vê que não há profissão implícita de erro e que pode haver razões, evitando o escândalo e o perigo de inconstância religiosa ou indiferentismo, para permitir tal presença ou assistência. A mera presença, por uma causa razoável, sem participação ativa, pode permitir-se e o costume de fato o permite, em algumas regiões.

E vice-versa. A assistência ou mera presença dos acatólicos, nos atos de culto católico, é permitida; como de fato o vemos, nas funções da Basílica Vaticana a que assistem embaixadores e membros do corpo diplomático que professam religião diversa da católica. E ultimamente, vimo-lo permitido, admitindo observadores acatólicos, mesmo nos atos estritamente litúrgicos do Concílio Vaticano II. Fora as razões de cortesia que possa haver, para admitir os acatólicos a tais atos litúrgicos, compreende-se que essa assistência pode ser uma excelente ocasião de conhecerem mais a fundo e em concreto a religião católica; o que, em qualquer hipótese, é de desejar. A simples assistência dos acatólicos às funções litúrgicas, católicas, não tem necessariamente o sentido de unidade e comunhão religiosa com os católicos.

E se isto é válido para os atos mais estritamente litúrgicos e oficiais, como são, a celebração da Santa Missa e administração dos sacramentos, muito mais se se trata de admitir a outros atos, litúrgicos sim, mas em grau menor, como seriam as bençãos e sacramentais, exéquias, preces em comum. Seria sim, de desejar e exigir, que, tratando-se de atos diante do Santíssimo Sacramento, fosse observado por todos os não crentes, tal respeito e reverência, de modo a não ferirem os sentimentos dos católicos. A simples cortesia, assim o exige.

Como nisto, segundo as regiões, pode haver grande variedade de conveniências e inconveniências, o Concílio determinou que ''sobre o modo concreto de atuar, atendendo a todas as circunstâncias de tempo, lugar e pessoas[18], determine a autoridade episcopal do lugar, a não ser que o estabeleça de outra forma a Conferência Episcopal, segundo os próprios estatutos, ou a Santa Sé''. É uma norma de grande amplitude. As últimas palavras, sobre a autoridade da Conferência Episcopal e da Santa Sé, foram acrescentadas à última hora, por causa dos Padres que desejavam uma maior precisão no texto[19].

No texto conciliar que é muito breve, numa questão complexa, não se dão mais explicações, pois serão dadas no Diretório geral, que o Secretariado está a preparar[20].

Contudo, o texto do Decreto, aprovado pelo mesmo Concílio sobre as Igrejas Orientais (n° 26-29) é mais explícito e claro acerca desta ''participação in sacris''.

Recordemo-lo brevemente:

''26. A participação nas coisas sagradas que ofenda a unidade da Igreja ou inclua adesão formal ao erro ou perigo de errar na fé, de escândalo e indiferentismo, é proibida pela lei divina[21]. Mas a praxe pastoral demonstra com relação aos irmãos orientais, que se podem e devem considerar as várias circunstâncias de cada pessoa, em que, nem se prejudica a unidade da Igreja, nem há perigos a evitar, mas urgem a necessidade de salvação e bem espiritual das almas. Por isso, a Igreja Católica, segundo as circunstâncias de tempo, lugar e pessoas, empregou muitas vezes e emprega ainda, um modo mais suave de agir, oferecendo a todos, os meios de salvação e o testemunho da caridade entre os cristãos, através da participação nos sacramentos e em outras funções e coisas sagradas. Considerando isto, o Sagrado Concílio ''para que não sejamos, pela severidade da opinião, impedimento para os que se salvam''[22] e para fomentar cada vez mais a união com as Igrejas Orientais separadas de nós, estabelece o seguinte modo de proceder''.

''27. Supostos os mencionados princípios, podem-se conferir aos Orientais que de boa fé se encontram separados da Igreja Católica, se espontâneamente os pedem e estão bem preparados, os sacramentos da Penitência, Eucaristia e Unção dos Enfermos. Mais ainda. Também aos católicos é lícito pedir os mesmos sacramentos ao ministros acatólicos, em cuja Igreja haja sacramentos válidos, sempre que a necessidade ou uma verdadeira utilidade espiritual o aconselhem e o acesso a um sacerdote católico se torne física ou moralmente impossível[23].

"28. Supostos igualmente os mesmos princípios, permite-se por justa causa, a participação em funções, coisas e lugares sagrados entre católicos e irmãos separados''[24].

 "29. Esta norma mais mitigada de participação nas coisas sagradas com os irmãos das Igrejas Orientais separadas, é confiada à vigilância e discernimento dos hierarcas locais, de forma que, aconselhando-se entre si, e se convier, ouvindo também os hierarcas das Igrejas separadas, moderem com oportunas e eficazes prescrições e normas, a convivência dos cristãos''.

 

O conhecimento dos irmãos (n° 9)


9. É preciso conhecer a mente dos irmãos separados. Para isso, é necessário o estudo, que deve ser feito segundo a verdade e com ânimo benévolo. Os Católicos devidamente preparados devem adquirir melhor conhecimento da doutrina e da história, da vida espiritual e litúrgica, da psicologia religiosa e cultura própria dos irmãos. Muito ajudam, para esse fim, as reuniões de ambas as partes para estudar principalmente questões teológicas, onde cada um trate de igual para igual, contanto que os que nelas participam, sob a vigilância dos superiores, sejam verdadeiramente peritos. Por este diálogo se conhecerá também mais claramente, qual é a verdadeira situação da Igreja Católica. Do mesmo modo, se virá a conhecer melhor o pensamento dos irmãos separados e ser-lhes-á exposta com maior precisão nossa fé.

 

Para chegar à unidade de perspectivas e sentimentos, é necessário conhecer-se. E para se reconhecer, depois de tanto tempo de separação, é preciso estudar a doutrina religiosa e também a história religiosa dos irmãos separados. Quem diz a história religiosa, diz a vida espiritual, litúrgica e cultual[25], a psicologia religiosa e, em geral, a cultura dos que professam outras confissões. Foram estes estudos e o de ejo de promover o conhecimento dos Orientais que levaram Pio XI à fundação do Instituto Oriental de Roma. Mas será sempre necessário que este estudo se realize com simpatia e compreensão, isto é, com espírito benévolo e em busca da verdade. A benevolência e o amor, facilitam o caminho do conhecimento. Inculcava-o Pio XII com as seguintes palavras: “Aplana certamente o caminho, para conseguir esta meta, a investigação serena, sem ira nem paixão, com que hoje, mais do que em tempos passados, costumam recompor-se e ser examinados os fatos antigos”[26].

Aproximações. Este conhecimento dos irmãos separados será oportuno para comprovar certas aproximações na unidade da fé; para os católicos será motivo de alegria verificar como, pouco a pouco, se vão deixando pontos de vista e posições que eram tidas como características de algumas confissões.

Hoje sabemos que alguns protestantes já admitem uma justificação no homem, mediante santidade interna e não só por uma mera imputação externa de justiça de Cristo. Aprecia-se mais entre eles o valor da Tradição e não só o da Escritura, para chegar ao conhecimento e aprofundamento da verdade revelada. Alegra-nos muito este conhecimento do valor do tradicional, que já era apreço comum e ponto de contato entre o catolicismo e os ortodoxos orientais. Agrada-nos tal posição, pois, é impossível que o homem se desligue psicologicamente dos seus antepassados; e, com o reconhecimento da Tradição, afrima-se o peso e a leia da História.

Outro sinal da aproximação de que vimos falando, é que, se antes muitos protestantes (Harnack) não reconheciam a autenticidade da perícope do Primado de Pedro (Mt 16,18), e se depois, críticos protestantes a passaram a incluir como autêntica, nas edições dos Evangelhos (Nestle): vemos hoje que um ilustre exegeta protestante (Oscar Cullmann) reconhece, não só como autênticas tais palavras,mas além disso, como expressivas da promessa que contém, do Primado para Pedro,ainda que Oscar Cullmann não admite que este primado se tenha continuado na Sé de Roma.

Lemos também, com satisfação, recentemente, como o culto à Mãe de Jesus, de quem falam os Livros Sagrados (Cfr Lc 1,48), tem sido olhado com reverência pelos protestantes e como um deles escrevia, com encarecimento, sobre os milagres de Lourdes. E lemos com íntimo regozijo uma meditação sobre Maria, sinal de misericórdia, que faz parte de um livro intitulado Maria, Mãe do Senhor, figura da Igreja, que publicou ainda há pouco (1962) o teólogo ecumenista, superior da comunidade protestante de Taizé, Max Thurian[27].

É também sintomático o apreço dos conselhos evangélicos que se nota em alguns protestantes de hoje. Conhecíamos a vida monástica dentro da Ortodoxia oriental e no Anglicanismo. No Protestantismo, se nos começos da reforma de Lutero se encontra nos seus partidários uma aversão não dissimulada contra os chamados conselhos evangélicos, e contra os religiosos que os praticavam com voto[28], não podemos ocultar hoje a nossa profunda simpatia pela comunidade protestante de Taizé, que honrou a prática dos conselhos de pobreza, castidade e obediência.     Querem viver o Evangelho mais intensamente. A vida desta Comunidade, sob a direção de seu Prior, Roger Schutz, está concebida como uma vida de oração, sacrifício e ação, em prol da unidade dos cristãos e de tudo o que signifique reconciliação entre eles, entre todos os que andem desavindos de em qualquer das esferas, familiar, social, religiosa. Nobre empreendimento, que corresponde, evidentemente, ao pensamento do Mestre: ''Que eles sejam um, para que o mundo conheça que Tu me enviaste'' (Jo 17,21).

 

Diálogo entre peritos


Para estas aproximações e, sobretudo, para o conhecimento dos irmãos separados, ajudará o diálogo com eles.

Estas reuniões ecumênicas, em que ambas as partes tratam principalmente questões teológicas, servirão para desfazer preconceitos e procurar um conhecimento mais exato das respectivas doutrinas. O regime de tais diálogos é o da igualdade das duas partes[29], como condição básica para um verdadeiro diálogo, a que se não vai diretamente para vencer, mas para ''se informar''. Requer-se, sim, para que o diálogo seja frutuoso e possamos conhecer melhor a mente dos separados e expor convenientemente, a nossa fé, que o s interlocutores sejam verdadeiramente ''peritos''. Se não, será mais fácil criar confusão do que receber luz.

O Arcebispo de Ruão, Mons. Martin, Relator deste esquema no Concílio, expressava-se deste modo numa entrevista: ''No meu pensamento – e no dos promotores do verdadeiro ecumenismo, tanto duma parte como doutra – trata-se aqui do diálogo entre representantes qualificados das diversas confissões. A questão, para já, não pode ser de diálogos multiplicados entre fiéis e fiéis. Tais diálogos correriam o risco, na hora atual, de criar mais confusão do que luz''[30]. Nem bastará a ciência teológica; requer-se o modo de expô-la, claro e adaptado à mentalidade dos que participam no diálogo. Requer-se, além disso, aquela prudência, discrição e caridade, que está na base de todo o diálogo.

Por isso, compreende-se que, se sempre e em todas as ocasiões se torna necessária a vigilância dos Bispos, é-o aqui ainda mais, para que sejam pessoas realmente competentes e preparadas as que empreendam tais diálogos; e estejam dispostos a ouvir e seguir as diretrizes da Hierarquia[31].

Querer iludir ou passar por cima desta vigilância dos Pastores e proceder por conta própria, na sua ausência, não seria sinal do Espírito de Deus,que inspira a obediência e a docilidade aos superiores; nem o dialogante, nesse caso, poderia esperar o auxílio abundante da graça de Deus.

Os objetivos do diálogo ecumênico, descrevia-os do modo seguinte, na Aula Conciliar, Mons. Heenan, Arcebispo de Westminster e Presidente do Comitê inglês para a Unidade. No diálogo ecumênico – dizia – não convém ter diante dos olhos as almas individuais. Deve ser feito, antes demais, entre comunidades, isto é, entre a Igreja Católica e as Igrejas cristãs, não-católicas. Muito menos se deve procurar – acrescentava – fazer prevalecer os próprios argumentos. O diálogo deve ser um desejo sincero de compreender as crenças dos nossos irmãos separados. Deve apresentar-lhes também e explicar-lhes a doutrina católica. É um encontro de irmãos e não de inimigos. Tem a sua raiz na confiança mútua e numa caridade perfeita. Não deve ser uma tentativa, nem de uma parte nem de outra, para fazer prevalecer os próprios argumentos.

Se o objetivo último da atividade ecumênica é, naturalmente, a unidade visível de todos os cristãos, na única Igreja de cristo, o objetivo imediato é a compreensão e caridade mútuas, entre aqueles que estão unidos pelo batismo, mas separados pela doutrina. Para já, temos de trabalhar com este objetivo; o objetivo último, não está ainda ao nosso alcance[32].

Para promover o entendimento mútuo, entre católicos e protestantes – dizia Mons. Jaeger, Bispo de Paderborn (Alemanha) – é preciso designar teólogos que tenham um conhecimento profundo da Escritura e da Tradição e que ao mesmo tempos, conheçam bem a doutrina dos irmãos separados (na Aula Conciliar, 22 de Novembro de 1963). Não basta a boa vontade. Uma experiência de 17 anos, no ecumenismo, permite-me afirmá-lo. Aludia aos trabalhos do Instituto Moehler, em que católicos e protestantes estudam as questões em controvérsia[33].

 

A Teologia sob o aspecto ecumênico (n°10 a)


10 ª O ensino da sagrada teologia e das outras disciplinas, sobretudo históricas, deve ser feito também sob o ponto de vista ecumênico, para que correspondam o melhor possível à verdade dos fatos.

 

Todas as disciplinas teológicas, isto é, a Teologia fundamental e em particular o tratado de Ecclesia e os tratados  da Tradição e da Sagrada Escritura, a Teologia dogmática, a sacramental, a Liturgia, o Direito, a Moral… podem ensinar-se tendo em conta o aspecto ecumênico que nelas se contém e a s verdades que se relacionam com o ecumenismo. Será uma maneira de atender a esta Teologia vital de que a Igreja precisa, sem necessidade de multiplicar as já múltiplas disciplinas.

A História tem também títulos particulares de contato com o ecumenismo e, sem ira nem paixão, tem de nos elucidar sobre a verdade histórica dos fatos, para que, cada dia mais, o estudo desta cadeira corresponda melhor à verdade.

Na maneira de apresentar as conclusões destes estudos, ou de as investigar, será melhor que se evite não somente a polêmica, mas também que se afaste do modo polêmico que facilmente ofende e não corresponde à benevolência que deve reinar entre irmãos nem às condições pacíficas do nosso tempo. A apresentação objetiva e serena dos fatos e dos argumentos, cremos que terá mais eficácia, que as discussões que se podem promover. Hoje prefere-se não falar de ''adversários'' àqueles que temos que demolir e vencer, mas falar geralmente de história da questão de que se trata.

 

Primeiro formar os sacerdotes (n° 10 b)


10b. É muito importante, que os futuros pastores e sacerdotes estudem a teologia bem elaborada deste modo e não em sentido polêmico sobretudo nas questões que incidem sobre as relações entre os irmãos separados e a Igreja Católica. Pois da formação dos sacerdotes, depende em especial a necessária instrução e formação espiritual dos fiéis e dos religiosos.

 

Para formar os fiéis no espírito ecumênico, deve-se primeiro formar cuidadosamente os sacerdotes e futuros pastores. Este princípio do Concílio, com respeito ao Ecumenismo é o mesmo que na Constituição litúrgica aconselhava começar pela formação litúrgica do clero (art. 14-18).

Assim o seminarista ou teólogo, pode ser formado teologicamente dentro da mentalidade ecumênica a que antes nos referimos, e todas as disciplinas teológicas e históricas podem trazer a sua contribuição, em particular dentro da atual legislação escolar, para as Faculdades e Seminários, a Teologia oriental e a Patrologia. A celebração anual acadêmica do dia do Oriente Cristão, preceituada desde os tempos de Pio XI, pode ser cada ano um despertar de novos entusiasmos, a fim de servir com o estudo e a oração a causa da unidade[34].

A importância das orações pela unidade, é pois evidente, tanto o Oitavário pela união das Igrejas (18-25 de Janeiro) como noutras ocasiões.

 

Nos países de missão (n° 10c)


10c. Igualmente os católicos empenhados em obras missionárias nas mesmas terras em que trabalham outros cristãos, devem conhecer, hoje sobretudo, os problemas e os frutos que surgem do ecumenismo no seu apostolado.

 

Quando os católicos trabalham em países de missão, onde evangelizam também outros cristãos, tem então particular importância para evitar roces, atritos, escândalos e dificuldades, conhecer e estimar convenientemente, as soluções que o autêntico ecumenismo pode inspirar.

Quanto à evangelização e conversão dos cristãos não católicos nos países de missão, assim como nos mesmos países cristãos não católicos, há diferentes maneiras de conceber o reto modo de proceder.

Mons. Van Cauwlaert, Bispo de Inongo (Congo), na carta pastoral ao clero e fiéis da sua diocese descreve uma maneira, na qual depois de expor os princípios do ecumenismo, indica aos seus missionários normas de ação prática.

''Peço-vos dizia-lhes (Janeiro de 1964) – que celebreis alguma reunião para buscar o modo de suscitar na vossa Missão, por ocasião das orações pela unidade, o espírito ecumênico e o modo de promover contatos com os protestantes do vosso território, a fim de obter a sua colaboração para este apostolado. Dir-me-ão como já me fizeram notar alguns pastores que em geral existem muito boas relações entre os cristãos e os nossos católicos. Porém o verdadeiro espírito ecumênico, pede muito mais que relações de boa vizinhança. Pede que nos preocupemos e que façamos um esforço generoso para realizar a unidade e para fazer desaparecer o escândalo das nossas divisões. Além disso, as contínuas relações com nos nossos irmãos protestantes, sem este espírito ecumênico como base e motivo principal, favoreceriam como o demonstra a experiência, o indiferentismo religioso, ou ao menos uma grande confusão no que toca à fé… Não podemos renunciar a esta fé sem deixar de ser católicos. Não podemos para facilitar a união escondê-la, sem enganar àqueles com quem nos queremos unir. À primeira vista os nossos irmãos separados acham insuportável a pretensão da Igreja Católica de ser a única possuidora do monopólio da plenitude da unidade visível em Cristo, tal qual Cristo a quis, temos pois que compreendê-los. Só uma atitude humilde e aberta, como a do Papa João XXIII, pode fazer-lhes compreender que guardamos este dom da unidade, não para dominar, mas para os servir, como um bem que não pertence só a nós, mas do qual é preciso que participem todas as Igrejas''.

Por conseguinte o bispo de Inongo deseja promover as relações fraternas entre todos os cristãos:

''Podemos aproximar-nos deles – afirma – sem receios ou suspeitas. Desejamos sinceramente que a as suas Igrejas sejam fervorosas e que os seus cristãos sejam fiéis à sua fé. A unidade e a comunhão perfeitas não se realizarão com igrejas em decadência e com cristãos tíbios. Podemos até alegrar-nos com os seus êxitos. Porém evitemos nós e eles, toda a propaganda para atrair ao respectivo grupo os fiéis que já pertencem a outra igreja. O nosso primeiro fim não é atrair os indivíduos à Igreja Católica, mas preparar o terreno para realizar um dia a comunhão perfeita destas comunidades com a Igreja Católica. O chamado proselitismo, para ganhar os indivíduos a que passem para o nosso lado, só alcançaria, atrasar por mais tempo e comprometer os esforços duma aproximação cada vez maior. O testemunho fiel da nossa fé, em todo o lugar e em toda a circunstância, pode certamente atrair, alguns membros de outras igrejas que desejem passar às nossas fileiras, porém é evidente que este caminho para a unidade será, só para uma ínfima minoria''[35].

Como se vê, nesta maneira de conceber a evangelização, pretende-se por questão de tática mais que promover com empenho as conversões individuais de cristãos ao catolicismo, esperar, para conseguir uma integração, que se julga mais ampla de toda a comunidade ou de várias comunidades de irmãos separados dentro da unidade desejada por Cristo.

É certo, como o dissemos anteriormente, (art. 4,d), que o ecumenismos foi pensado para realizar a união das comunidades ou das igrejas, e não tanto a conversão dos membros. Porém cremos que uma coisa não se opõe a outra e que há circunstâncias que urgem a conversão dos indivíduos em particular. E esta, é a outra maneira de conceber a evangelização que vem completar a maneira acima exposta.

A Igreja tem por um lado o mandato divino de proclamar a todo o mundo a mensagem íntegra do evangelho, portanto, também com aqueles pontos especificamente católicos, que julgamos pertencer a esta mensagem. Parece que só por razão de tática e para conseguir um bem maior e mais duradouro, seria lícito diferir temporal ou momentaneamente a pregação da mensagem total.

Porém cada indivíduo em particular, tem o dever de investigar a verdade e onde está a verdadeira Igreja de Jesus Cristo. Desde o momento que chegou a esta certeza, deve entrar na verdadeira Igreja e não diferir a sua conversão. Mais ainda, se um cristão tem dúvidas sobre a verdade da própria religião, e crê provável que a religião católica é a única religião verdadeira, imposta ou querida por Deus, este indivíduo tem (objetivamente falando), obrigação de sair da dúvida e averiguar com diligência qual é a religião querida por Deus e abraçá-la, uma vez conseguida a certeza da religião.

Não seria prudente diferirem os indivíduos este estudo e o sair da dúvida, com a esperança de se poderem salvar na própria confissão. Porque esta esperança supõe em primeiro lugar a boa consciência e estar em boa fé na comunidade religiosa, e em caso de dúvida, se se utilizaram os meios convenientes para sair dela. Além disso supõe-se a autêntica fé sobrenatural e a caridade de Deus com a graça santificante. Com efeito, são evidentes os meios que o Catolicismo tem para conseguir esta graça.

Seria igualmente pouco prudente esperar, ''que a Igreja Católica se ponha mais em dia, ou ao alcance dos outros cristãos, e em maior uniformidade com eles'', porque não são de esperar mudanças substanciais na conduta da Igreja Católica.

A ação da graça, seja pelo movimento ecumênico, seja pelas conversões individuais, consiste em levar as comunidades e os indivíduos à verdadeira Igreja de Jesus Cristo. Uma vez conhecida a meta não é lícito aos indivíduos nem às comunidades diferir a chegada. É o que se deverá fazer cedo ou tarde. Porque pois retardá-lo?

Tratando-se de não cristãos, muito menos se deve diferir a sua evangelização individual com a esperança hipotética e longínqua duma integração das forças cristãs numa unidade completa. A razão é que, além do mandato de evangelizar toda a criatura, a necessidade de assegurar a salvação dos infiéis, com uma autêntica fé sobrenatural que os faça abraçar livremente o destino e o fim a que Deus os chama gratuitamente à sua amizade e filiação. Este destino só se aceita como possível pela fé na palavra de Deus, que é o pressuposto da esperança ou desejo, e da caridade[36].

 

A exposição da doutrina (n°11)


Dizer a verdade em caridade (n°11a)



 

11a. O modo e o método de enunciar a fé católica, em caso algum se devem transformar em obstáculo para o diálogo com os irmãos. É absolutamente necessário, que se exponha com clareza toda a doutrina. Nada é tão alheio ao ecumenismo do que aquele falso irenismo, pelo qual a pureza da doutrina católica sofre detrimento e é obscurecido o seu genuíno e verdadeiro sentido.

 A fé católica deve ser explicada, ao mesmo tempo mais profunda e retamente, de tal modo e com tais termos, que possa ser também cabalmente compreendida pelos irmãos separados.

 

A unidade a qual se aspira entre os cristãos, não pode ser confusão. Não é compatível uma mistura ou sincretismo de coisas opostas, ainda que camufladas ou dissimuladas temporariamente. Tal unidade seria fictícia e não seria permanente.

 Também não está em cada um calar e ocultar o que tem por verdade. Referimo-nos ao que cada um tem por verdade importante e necessária, não às verdades que alguém pode ter por prováveis e mais ou menos seguras. É aplicável aqui a palavra de Santo Agostinho: ''Nas coisas necessárias tem que haver unidade; nas duvidosas liberdade e em todas, caridade''[37].

Se se pretende pois esta unidade, no que toca Às verdades da fé, é preciso que cada um, proponha com grande clareza e simplicidade, tudo o que tem como pertencente necessariamente à fé. Esta lealdade, em exprimir o próprio pensamento não pode ofender evidentemente a ninguém, e é o único meio de poder chegar a um acordo e a uma unidade de sentir.

Quando S. Paulo recomenda a solicitude por conservar a unidade do espírito com vinculo da paz (Eph 4,3) pouco depois recomenda ''dizer a verdade''. Usa o verbo alethéuo que equivale a reconhecer publicamente, dizer a verdade, ou o que é o mesmo proceder com sinceridade. Porém ajunta, ''em caridade''. Veritatem facientes in caritate (Ef 4,15). Pode e deve dizer-se a verdade, porém há várias maneiras de o fazer.

É fácil a tentação de ocultar a doutrina total com falso irenismo – dizia Paulo VI – numa alocução de 20 de janeiro de 1965, com efeito seguem-se daí muitos males.

''Para quem não conhece, senão superficialmente, a questão da reunião de todos os cristãos – diz o Papa – a solução parece muito fácil e de rápida atuação. Porém, aos que conhecem os termos históricos, psicológicos e doutrinais da mesma, não ficam oculta as grandes e múltiplas dificuldade, que apresenta, até o ponto, que alguns anseiam poder resolver, enquanto outros pensam que se necessitará talvez muito tempo e uma intervenção quase prodigiosa da graça de Deus''.

Depois desta premissa, o Papa ajuntou que não eram estas as dificuldades de que queria falar, mas chamar a atenção ''sobre uma tentação, que facilmente pode surgir nas almas boas e originar uma atitude não boa''. Esta tentação consiste – continua Paulo VI – em separar os pontos de controvérsia, em esconder, debilitar, modificar, tornar vãos e negar se for preciso, aqueles ensinamentos da Igreja Católica que não são aceites atualmente pelos irmãos separados. Dizemos que é tentação fácil – insistia Sua Santidade – porque pode parecer coisa sem importância minimizar, deixar em meio certas verdades, certos dogmas que são objeto de controvérsia, para alcançar assim comodamente a união tão desejada, enquanto o cristianismo é verdade divina que não podemos modificar, mas aceitar para nossa salvação''.

O plano é bom, o método não. Com efeito, a transcendência das palavras do Papa, sobressai, sobretudo quando seguidamente adverte que este cálculo não engana só aos profanos em questões teológicas, mas insinua-se também nos que são peritos e que buscam a miúdo com boa fé algum meio racional para aplanar o caminho do encontro com os irmãos separados. O plano é bom – afirma o Papa – o método não.

 Aprofundando mais, a sua admoestação contra um ecumenismo mal entendido, Sua Santidade Paulo VI afirmava em seguida, está bem que se deseje reconhecer pelo lado católico o que de bom conserva o patrimônio das Igrejas e das confissões cristãs separadas da nossa Igreja. Está bem que se queira igualmente apresentar a doutrina católica nos seus aspectos autênticos e essenciais, e que se procure apresentar os pontos de controvérsia em termos que os façam mais exatos e compreensíveis. Esta é a paciência fraterna, esta é a boa apologia, esta é a caridade ao serviço da verdade''.

 Não é um bom serviço.''Contudo – continua Sua Santidade Paulo VI, com evidente alusão a essas correntes católicas que percorrem às cegas o caminho do ecumenismo – pretender suprimir as dificuldades doutrinais desautorizando, desprezando ou esquecendo afirmações que o magistério da Igreja declara firmes e definitivas, não é um bom serviço. Não é um bom serviço à causa da união porque cria nos irmãos separados a ''desconfiança, a dúvida de ser enganados ou então gera a opinião de possibilidades falazes e porque introduz na Igreja o temor, de que se busque a união ao preço de verdades que não são discutíveis e levante suspeitas de que o diálogo redunde em prejuízo da sinceridade, da fidelidade e da verdade''.

O Papa terminava o seu discurso, expondo o desejo de que os ''católicos sejam mais idôneos para sustentar o diálogo da fraternidade, mediante a sinceridade mais completa e humilde, mediante a paixão e a alegria que devem nutrir pela luz da verdade, duma fé íntegra e vivida, mediante a gradação didática da exposição dos nossos ensinamentos e mediante um respeito, uma estima e uma caridade para com os seus interlocutores… Que eles vejam que não é dogmatismo apriorístico nem imperialismo espiritual o nosso, mas acatamento absoluto à verdade total que procede de Cristo''.[38]

''É preciso evitar – dizia a instrução do Santo Ofício em 1950 – que com o chamado espírito, ''irenico'', a doutrina católica, ao tratar do Dogma ou de verdades conexas com ele, se conforme de tal modo ou se acomode em certa maneira às doutrinas dos dissidentes, com o estudo comparativo, ou com o vão desejo duma assimilação progressiva dos vários credos, e sofra detrimento a pureza da doutrina católica e se obscureça o seu autêntico e certo sentido''[39]

Contudo não há inconveniente, em explicar e expor a doutrina católica, com as palavras e com o modo, que pode ser bem compreendido pelos irmãos separados.

 

Guardar a hierarquia das verdades (n. 11 b)


 

11b. Finalmente, no diálogo ecumênico, os teólogos católicos, sempre fiéis à doutrina da Igreja, ao investigar com os irmãos separados os divinos mistérios, devem proceder com amor da verdade, com caridade e humildade. Na comparação das doutrinas não esqueçam que há uma ordem ou ''jerarquia'' das verdades na doutrina católica, uma vez que o seu nexo com o fundamento da fé cristã é diferente. Deste modo se abre o caminho, em que por meio desta fraterna emulação, todos se sintam incitados a um conhecimento mais profundo e a uma mais clara manifestação das investigáveis riquezas de Cristo[40].

 

O Decreto assinala outra vez, as condições que deve reunir o ''diálogo ecumênico'' por parte dos teólogos católicos. Supõe-se, contudo, que estes teólogos devem estar firmemente ligados à doutrina da Igreja e expô-la com fidelidade. Já se falou anteriormente das condições que se requerem nestes ''peritos''. Insiste-se agora, que na investigação dos mistérios divinos com os irmãos separados procedam com amor sincero à verdade sem o qual o diálogo seria inútil. Além disso deve-se proceder com caridade (já afirmamos antes, que a verdade seja proclamada com amor) e com humildade, para estar dispostos a apreender alguma das novas facetas que se descubram e para estabelecer um diálogo cordial e frutuoso.

Há contudo no Decreto, uma frase ajuntada à última hora, proveniente duma emenda. Pedia-se para ajuntar um novo pensamento, a saber, ''que ao comparar as doutrinas se lembrem que existe uma ordem ou ''jerarquia'' de verdades na doutrina católica, porque é diverso o nexo destas verdades com a fé cristã''. O Secretariado admitiu este aditamento, que depois foi votado e aceite pelos Padres. E com efeito é de grande importância para o diálogo ecumênico que as verdades em que concordam ou diferem os cristãos, mais que numerá-las se pesem segundo a sua importância. Já sabemos, que todas as verdades reveladas, têm o mesmo valor, por isso devem ser acreditadas com a mesma fé divina, variam contudo, na importância e peso segundo o nexo com o mistério de Cristo e a história da salvação[41]. No diálogo, em que se busca uma aproximação, parece prudente recalcar estas verdades mais importantes (no discurso acima citado, duma ''gradação didática na exposição dos nossos ensinamentos'', que não deve esquecer e pode ser muito oportuna.

Por meio deste diálogo preparar-se-á o caminho para um conhecimento mais profundo e mais claro das insondáveis riquezas de Cristo (Ef 3,8). Com fraterna emulação todas as confissões poderão contribuir para este conhecimento. Dizia a este propósito Paulo VI num discurso (17 de outubro de 1963) aos ''observadores'', que se trata da verdade divina que devemos esforçar-nos sempre em aprofundar, para melhor possuí-la e vivê-la mais plenamente. ''Buscar para encontrar e encontrar para buscar''. Esta frase de Santo Agostinho diz respeito a todos, e um verdadeiro cristão  não conhece o imobilismo''[42].

 

O complemento dos dogmas e das verdades


 

Nas condições apontadas pelo diálogo, o caminho aplana-se para encontrar a fé. Não quer dizer que existam compromissos acerca da fé, nem que se trate de desbastar todas as arestas que podem ferir, se realmente se tem por dogma de fé. Evidentemente que a Igreja não irá mudar, ou sequer rever as verdades definidas pelos Concílios anteriores, ou por decisões dogmáticas dos Sumos Pontífices. Porque o característico duma definição dogmática é precisamente um juízo definitivo, irrevogável e infalível.

No entanto, uma definição dogmática não exaure a exposição dum tema teológico. A definição dogmática considera ordinariamente um aspecto só, da questão. Assim na definição dogmática da Assunção corporal de Maria aos céus prescindiu-se doutros pontos relacionados com este, prescindiu-se pois, e não se quis definir o fato da morte da Santíssima Virgem. No estudo dogmático e definição do Primado de Pedro e do Sumo Pontífice e da sua infalibilidade quando fala ex cathedra como Pastor Supremo da Igreja, dos quais tratou o Concílio Vaticano I, não se estudou com todo o desenvolvimento conveniente  como assim dizer, o reverso da medalha, a saber: qual é a parte que corresponde ao Episcopado, o qual como colégio dos sucessores dos Apóstolos juntamente com o sucessor de Pedro exerce também o poder supremo da Igreja e obtém igualmente a infalibilidade em matéria de fé e costumes, quer reunido em Concílio quer disperso pelo orbe, quando todos concordam e propõem uma verdade como revelada por Deus. Os dogmas católicos são suscetíveis dos seus complementos teóricos e práticos. E assim o que à primeira vista pode talvez ofender ou ferir, considerado à luz da sua parte complementar ou do seu significado prático autêntico perderá a virulência que a alguns molesta.

Se o poder de governo que há no sucessor de Pedro, se olha, não à luz das condições e circunstâncias históricas com que se exerceu muitas vezes, isto é, se se considera como não ligado necessariamente ao fausto e esplendor das Cortes da Idade Média e Renascimento; se simultâneamente o poder de um dilatado estado temporal como o exerceu durante muito tempo; se se admite que há outras condições e qualidades do seu ofício que são mais essenciais e evangélicas que as anteriores; que aquelas podem faltar porém estas não devem faltar como são as que recomenda S. Pedro a todos os pastores; “que desempenhem o seu ofício não por um vil interesse, mas de coração, não tiranizando as Igrejas mas fazendo-se modelo para a grei” (Pedro 1, 5,3); então a dificuldade que podem sentir aqueles, a quem em algum tempo ofendeu o fausto e a mundanidade da Corte Pontifícia perderá a sua acuidade.

Com efeito o mandato e o governo na Igreja deve ser um serviço uma diconia como se expressou um venerando Padre Conciliar do Oriente, um serviço a exemplo do Filho do homem, que veio para servir e não para ser servido… (Mt. 20, 28). Com razão pois, entre os títulos mais apreciados do Vigário de Jesus Cristo está o “servo dos servos de Deus”.

Evidentemente há muitos elementos da organização hierárquica e administrativa da Igreja dos quais não é nem será fácil prescindir. Uma grande máquina e um poderoso instrumento necessitam duma multidão de mecanismos e ordem entre eles e num organismo social é preciso disciplina e hierarquia. Porém, tudo isto no organismo social não deve afogar o principal, nem suplantar o espírito, nem ser causa de que o espírito evangélico que Cristo quis na sua Igreja apareça com menos relevo e brilho.

De forma alguma se deve confundir o Primado Romano querido por Jesus Cristo com os aspectos administrativos da sua Cúria e do seu governo através dos tempos, e que em certas ocasiões ofenderam ou distanciaram os seguidores doutras confissões. Na Igreja não está proibido pensar que dentro do comum amor ao Pai universal, que está acima de toda a nacionalidade, de gregos e latinos, de orientais e ocidentais, de nórdicos e meridionais, talvez se possam obter melhor certos frutos de unidade se na administração central da Cúria Romana todas as nações e missões estiverem convenientemente representadas. Esta internacionalização da Cúria iniciada vigorosamente no Pontificado de Pio XII é o desejo que muito manifestaram, não só para a competente informação e prudente decisão nos variadíssimos negócios dos diversos continentes, mas também para representar melhor a catolicidade da Igreja.

 

Colaboração com os irmãos separados (nº. 12)


 

12. Todos os cristãos professem diante do mundo inteiro a fé em Deus uno e trino, no Filho de Deus encarnado, nosso Redentor e Salvador. Por um esforço comum e em estima mútua dêem testemunho da nossa esperança, que não confunde. Visto que nos nossos tempos largamente se estabelece a cooperação no campo social, todos os homens são chamados a uma obra comum, mas com maior razão os que crêem em Deus, sobretudo todos os cristãos assinalados com o nome de Cristo. A cooperação de todos os cristãos exprime vivamente aquelas relações pelas quais já estão unidos entre si e apresenta o rosto de Cristo Servo numa luz mais radiante. Esta cooperação, que já se realiza em não poucas nações, deve ser aperfeiçoada sempre mais, principalmente nas regiões onde se verifica a evolução social ou técnica. Vai ela contribuir para apreciar devidamente a dignidade da pessoa humana, promover o bem da paz, aplicar ainda mais o Evangelho na vida social, incentivar o espírito cristão nas ciências e nas artes e aplicar toda a espécie de remédios aos males da nossa época, tais como a fome e as calamidades, o analfabetismo e a pobreza, a falta de habitações e a inadequada distribuição dos bens. Por essa cooperação, todos os que crêem em Cristo podem mais facilmente aprender como devem entender-se melhor e estimar-se mais uns aos outros, e assim se abre o caminho que leva à unidade dos cristãos.

 

Se até agora em não poucas ocasiões houve desconhecimento, indiferença e até antipatia entre os cristãos de diversas confissões, na atualidade não se poderá afirmar o mesmo, dado o clima de compreensão e diálogo que criou o ambiente ecumênico. Sobre a ação deste autêntico sopro do Espírito Santo não se pode dizer que os cristãos se olham com odiosidade e antipatia. Se antes se guardavam mais as distâncias, agora todos recordam as visitas dos altos dignitários das Igrejas ao Papa e a outros chefes das várias confissões. Toda essa aproximação suscita no teólogo a pergunta da licitude e oportunidade da ação conjunta entre os que professam um credo diverso. E também porque hoje se olha com bons olhos o que antes se olhava com receio.

 

Licitude da ação comum


 

É obvio que se deseje entre os cristãos a unidade e a colaboração. Porém enquanto se chega a esta unidade, põe-se o problema da sua mútua colaboração. Será lícita essa colaboração? E em que circunstâncias e medidas?

Se o fim que se pretende com essa mútua colaboração é bom, se os meios são bons, e se as circunstâncias são boas, nada há que se oponha esta ação conjunta entre os cristãos de diferentes confissões, pois será uma ação moralmente boa. Compreende-se que por isso mesmo, os cristãos possam orar juntamente e rezar as orações, como o Pai Nosso e os salmos que nos ensina a mesma Escritura.[43] Do mesmo modo poderão todos em conjunto, professar o mesmo símbolo dos Apóstolos. Poderão igualmente realizar, tudo o que seja fim comum digno da religião, da fé e amor comum que tem em Jesus Cristo sempre que não exista qualquer impedimento que se oponha por razão dos meios que empregam. O fato de se empregar esses meios em colaboração com outras confissões, poderia levantar o perigo acima aludido do indiferentismo religioso produzido em grande escala e não se sentir com vigor, os erros específicos de algumas confissões… Podia ser que tal acontecesse, porém este efeito não deve acontecer necessariamente.

Olhando o problema sob outro aspecto bastante diferente, nem sempre o trato com pessoas de índole moral ligeira e leviana, fazendo-se com as devidas cautelas, produz a indiferença moral ao tratar com elas problemas de caráter ascético ou meramente cultural e humano. Muito menos se há de temer semelhante deformação moral, desde que o trato e a conversação se façam com espírito autêntico apostólico e com a devida preparação e formação conveniente. E com maior razão se deve temer tal deformação, se a colaboração se efetuar com os irmãos separados, com autêntico espírito religioso e para fins comuns religiosos.

Pode parecer mais difícil o problema da ação comum com os membros das várias confissões cristãs, quando se pretende determinar quais os pontos em que esta ação é meio lícito e conveniente.

 

Manifestar a fé comum  


A colaboração entre os irmãos consistirá em primeiro lugar, na proclamação diante de todos os povos, da fé comum que os une. Pois todos acreditam em Deus uno e trino, no filho de Deus encarnado, Redentor e Senhor nosso e todos têm a esperança da vida eterna que é também fundamento duma estima recíproca que deve ser manifestada.

Insistindo-se assim em tudo o que une, mais no que divide, a fé fundamental dos cristãos será um testemunho poderoso diante do mundo inteiro.

A união e a colaboração para fins religiosos comuns, entre aqueles que professam a fé em Cristo Nosso Senhor e o reconhecem como Salvador tropeçará com menos dificuldades que a união entre cristãos e batizados.

É bom que se deseje a colaboração entre todos os cristãos por muitas razões. Em primeiro lugar devem-se unificar todos os esforços, em ordem a conseguir a evangelização do mundo para que todos conheçam a Jesus Cristo pois “não há outro homem no qual podemos ser salvos” (Act. 4,12). Se os cristãos perante os gentios se apresentam divididos em diferentes confissões ou seitas, estes dirão primeiramente – como indicamos acima–“ponde-vos de acordo entre vós mesmos e depois vinde pregar”. Esta impressão de desunião, entre os pregadores não é a maneira mais apta, de anunciar a “boa nova”, nem o modo concreto de a realizar.

Por outro lado, se os 900 milhões de homens que conhecem a Cristo, todos unidos, conquistassem o resto da humanidade para a fé com pouco esforço (considerando as coisas duma forma simples e à base de números) e relativamente com pouco trabalho tocaria conquistar a cada cristão, dois homens, para assim chegar a cristianizar os 2.500 milhões de habitantes do nosso globo.

Mas esta união entre os cristãos tem contudo, outra razão mais profunda. É o próprio Cristo que a desejou como sinal distintivo entre os discípulos “para que o mundo conheça que foi enviado pelo Pai” (Jn. 17,21).

 

Cooperação no serviço


 

O mundo de hoje caracteriza-se pela associação de todos, num serviço comum. Busca-se a união e a associação sem distinção de religião nem raça, etc.

Se esta cooperação, para fins bons e com meios moralmente bons, e tendo presente as convenientes circunstâncias é uma cooperação moralmente boa, sê-lo-á a fortiori, se for com os que acreditam em Deus e ainda mais se crêem em Cristo.

A cooperação entre os cristãos, manifesta a união que têm entre si, pela fé comum em Cristo Salvador e pelo batismo. E se além disso é uma cooperação para servir aos outros, manifesta a mentalidade de serviço que deve ser própria dos discípulos, d’Aquele que “veio para servir e não para ser servido” (Mt. 20,28). Esta atitude de serviço ao próximo, forçosamente, torna simpática aos outros a religião.

Pode-se porém conceber uma colaboração variada. Colocar no seu verdadeiro lugar a dignidade da pessoa humana, sobretudo onde o exige a evolução social e técnica. Em promover igualmente a paz, pois hoje a maioria das nações estão desenganadas da guerra e sabem que causa mais danos que bens. De igual modo, empenhar-se na promoção dos que têm menos recursos e aplicar o evangelho em todos os estratos da sociedade.

O cultivo das artes e ciências, levado a cabo, não com espírito pagão, mas com espírito cristão, é outro objetivo, fim comum de todos os que confessam a Cristo.

Com efeito, o mundo entenderá sobretudo, o testemunho dos que praticam as obras de misericórdia, corporais e espirituais. Aquelas entram mais pelos olhos e são uma exigência urgente da caridade cristã.

Remediar a fome de tantos que não têm que comer; 70% da população mundial passa fome ou vive na miséria. Atalhar essa miséria seria um cristianismo autêntico. Quando se considera a enorme carência habitacional, que sofrem tantos seres humanos, as doenças que invadem os povos, a mendicidade envergonhada de outros, a miséria e a escassez na injusta distribuição dos bens, vê-se então campo aberto, muito amplo, para o exercício da beneficência e da caridade. É o campo propício para os cristãos, qualquer que seja a sua confissão.

Para isso contribui a cooperação dos cristãos entre si. Desta forma pratica-se o espírito de Cristo, e tende-se a uma aproximação cada vez maior uns dos outros.

Já em 1950, a Instrução do Santo Ofício sobre o movimento ecumênico notava expressamente, que “se permitam as reuniões com acatólicos, quando se trata do modo, como se hão-de defender, unidas as forças, os princípios fundamentais do direito natural ou da religião cristã contra os inimigos agrupados atuais de Deus, e quando se trata de restaurar a ordem social e outros assuntos desta classe”[44].

 

Falso ecumenismo


 

Como dizia o Cardeal Bea, se o ecumenismo é praticado por pessoas imprudentes e mal preparadas, pode-se correr o risco de criar o indiferentismo e o interconfissionalismo. Incumbe aos Ordinários vigiar sobre os que se dedicam à ação ecumênica e sobre a sua preparação doutrinal. O Diretório geral que se há-de fazer, não pode ter em conta a diversidade de todos os países e regiões, é pois missão dos bispos, dar as normas oportunas e evitar que se desenvolva um falso ecumenismo que se desviaria para compromissos doutrinais, em vez de levar à unidade. Os não católicos desejam conhecer a verdadeira doutrina católica e não uma doutrina arranjada para eles. Nada mais longe do ecumenismo autêntico, como o falso irenismo. A Instrução do Santo Ofício de 1949 conserva o seu valor[45].

 

Ecumenismo sim, confucionismo não[46]


 

“Muitos dos nossos males provêm da confusão de ideias, da confusão de não saber o que temos de fazer”.

Assim afirmou Paulo VI na breve alocução dominical de 13 de dezembro de 1964.

E a 24 de dezembro ajuntou no discurso ao sacro Colégio e à Prelatura Romana: “Podemos deixar em silêncio, a nossa preocupação por certa facilidade que por parte de alguns, ainda que bons católicos, se atêm a um relativismo ideológico e prático e pretende resolver os problemas próprios do viver cristão, com o consentimento ao caminho fácil do conformismo, com as opiniões profanas do momento?”[47].

Existe confusão e instabilidade. Explicável em toda a evolução rápida de ideologias e no afã iniludível de se adaptar ao mundo de hoje, ainda que não sempre com igual critério. É difícil conseguir logo de começo, uma visão equitativa dos problemas, sobretudo quando são muitos os fatores que hão-de contribuir para as decisões na prática.

Hoje, não há como sempre tem havido "velha vaga" e "nova vaga". Existe mas é, agitação sucessiva de gerações precipitadas que se amontoam. Isto porém no campo profano, e no religioso? A complexidade de tendências díspares não pode ser mais encontrada. Não existe igualdade para julgar acerca de arte, música ou poesia; a literatura abarca uma gama muito ampla de gostos e pareceres e o mesmo acontece com estilos arquitetônicos, na escultura, no desenho… A técnica oferece uma avalanche de mil sugestões diversas, assim também a proximidade de homens de elevada e baixa cultura, do extremo Oriente e do Ocidente, de toda a variedade de cores, todas as mentalidades, as mais diferentes línguas e maneiras de expressão… Tudo converge para este ponto central do século XX, através do qual deslizamos. Às vezes sente-se a sensação de se avançar à deriva, para onde vamos? Quem nos conduz? Qual o critério que prevalece?

Não é pois estranho, que no campo religioso surja algo desse temendo desnorteamento ideológico que aflora duma forma mais palpitante no ano de 1965. Porém, no nosso tempo não caminhamos à deriva, nem podemos caminhar graças a Deus. A bússola segue fixa. O que é preciso fazer é olhá-la com mais atenção e seguir o seu rumo.

Impõe-se hoje, mais que nunca, uma firma adesão a tudo o que é imutável e uma fiel atenção para suprir com exatidão as mudanças que convêm adotar. “Sentir com a Igreja” não é sentir com qualquer espírito superior com direito a julgar, nem sentir com a maioria, mas sentir com a verdade. E a verdade orientadora –livre de subjetivismos– para um católico é o que lhe oferece a Suprema Autoridade: o Romano Pontífice e as decisões conciliares já promulgadas, e como norma prática para cada lugar, as diretrizes pastorais dos Prelados respectivos. Qualquer outra norma, poderá oferecer-se como aconselhável, não porém como preceptiva. Afirmar categoricamente que essa é a voz da Igreja sem outras restrições, é faltar à verdade e induzir à confusão.

O Ecumenismo, agora já imprescindível, é um dos caminhos que mais necessita da voz orientadora, autorizada, afim de conduzir os seus passos como prescreve o Decreto conciliar suficientemente conhecido neste particular. “A autoridade episcopal local determinará prudentemente o modo de trabalhar em concreto tendo em conta as circunstâncias de tempo, lugar e pessoas, a não ser que a Conferência Episcopal ou a Santa Sé provejam de outro modo” (n.8).

“Este Sagrado Concílio exorta os fiéis, a que se abstenham de toda a leviandade ou zelo imprudente que poderia prejudicar o progresso da Unidade. A sua ação ecumênica há-de ser plena e sinceramente católica, isto é, fiel à verdade recebida dos Apóstolos e dos Padres e conforme à fé que sempre professou a Igreja Católica”(n.24).

Falando o Papa, é o Concílio que fala. Afim de evitar riscos e assegurar a nossa ação ecumênica, ouçamos atentamente a voz dos respectivos pastores. O ecumenismo é antes de tudo “diálogo”, porém, um diálogo que exige como todo o bom diálogo olhar o interlocutor, ter em conta as várias circunstâncias, a sua cultura, idade, estado psicológico. Seria falta de bom senso introduzir na Espanha, o diálogo ecumênico empregado na Europa Central ou então pretender implantar aí o nosso sistema de troca de ideias. Assim como não é prudente abordar o tema ecumênico ante um público não formado, com a mesma à vontade que se faria numa reunião de teólogos, ou por outro lado informar apressadamente, por meio da rádio, imprensa etc., o que pode originar facilmente conclusões erradas. A verdade é sempre a mesma, porém, a sua dosagem e a linguagem que a há-de transmitir deve ser controlada com prudência pastoral. Supor a maturidade como qualidade inata de qualquer classe de coletividade não é proposição admissível.

Sem pecar de extremistas, nem de intransigentes, o mínimo de prudência que se deve exigir para um são ecumenismo é não romper o que já está unido, para se dar logo a satisfação de se voltar a unir (a ideia é de Mons. Tarancón). E notemos que a terminologia que às vezes se usa induz com facilidade a essa dispersão ideológica.

O diálogo ecumênico, estende-se a todos segundo a Ecclesiam Suam; a voz amiga da Igreja deve-se estender aos católicos, aos cristãos em geral, aos que acreditam em Deus… e aos homens de boa vontade. Com aquele que vem expressamente lançar o laço, com esse, é impossível o diálogo.

Contudo, nem todos são chamados a iniciar o diálogo. O termo ad quem é mais amplo que o sujeito a quo. Há contudo restrições nos iniciadores do diálogo “ideológico”, e este é para os teólogos peritos versados na matéria. O dialoga que chamaríamos “cordial” não admite exceções. E o diálogo da oração e do sacrifício, o diálogo de Deus (ecumenismo espiritual) é um imperativo, a que nenhum batizado se deve eximir. Todo o que reza o “Pai Nosso”, o grito da sua voz estende-se até aos irmãos mais longínquos, para obter através do fio da graça uma resposta de aproximação.

É melhor prevenir que remediar. É preferível desfazer equívocos a tempo, que se fazer valer de mil razões esclarecedoras. No diálogo ecumênico – talvez mais que em nenhuma outra forma de entendimento – convém usar de clareza, sem disfarces, sem termos ambíguos, nem esperanças que se não podem manter. “Os nossos próprios irmãos querem escutar a verdade inteira, ainda quando à primeira vista possa parecer dura e amarga” (Cardeal Bea, Madrid, 16 de maio 1964).

Empenhar-se na caridade, fazer sobressair o que nos une com os irmãos separados, humildade, e sinceridade nas nossas expressões, estas são as exigências do diálogo. Porém não de tal maneira que se ostente uma falta estima manifesta, e até a traição camuflada à autoridade do Papa ou à hierarquia. Acreditamos no Magistério da Igreja e no depósito perene da fé e por amor à verdade, à caridade e à união com os irmãos separados, não nos podemos eximir a apontar com o dedo os muitos caminhos abertos que longe de levar à unidade conduzem ao indiferentismo.

A Fé foi sempre mais cuidada que a própria moral. Que prudência não se aconselha, para iniciar as crianças nos mistérios da fé! Seria prudente admitir jovens de 14 anos a uma exposição de ginecologia? O que parece ou devia parecer evidente no “sexto” (mandamento), esquece-se às vezes em matéria de fé.

Deve-se pois olhar mais o público e as circunstâncias particulares, antes de iniciar descontraidamente o “diálogo”. Não deturpemos este incomparável documento conciliar sobre o Ecumenismo, que o Espírito Santo por uma especial providência cumulou a Igreja sedenta de unidade.

Porém dialoguemos com nobreza, sem imprudentes audácias, com serenidade e correção, sem anfibologias, com orientações claras, sem tirar as frases do contexto (má exegese) e instruir incansavelmente “oportune et importune”. Dialoguemos com sincero espírito de caridade e de respeito, para com tudo o que de bom há nos outros, mais dispostos a salvar a proposição do próximo que a condená-la, e sem escândalos farisaicos nem posições inamovíveis e condenadas a priori.

Olhemos mais a Jerarquia, para dela receber conselho e sobretudo dialoguemos com um entranhado amor à Igreja, à qual desejamos unir e não dividir. Não se deve amar tanto a Igreja, como quando se trata de falar do defeito dos seus membros! A Igreja é “santa”, porém, os homens que a compõem, nasceram no pecado original.

Para ser ecumenistas é preciso implorar de Deus um coração sacerdotal semelhante ao de Cristo de “quinta-feira santa”. Assim as palavras da mensagem pontifícia do Natal (22 de dezembro de 1964), brotarão dos nossos lábios feitas realidades:

“Hoje a fraternidade impõe-se, a amizade é o princípio de toda a convivência humana. Em lugar de ver no nosso semelhante, o estranho, o rival, o antipático, o adversário, o inimigo devemo-nos acostumar a ver o homem que significa um ser igual a nós, digno de respeito, de estima, de assistência e amor como nós mesmos. Acodem ao nosso espírito as palavras admiráveis do Santo Doutor Africano: dilatentur patia caritatis, “que os limites da caridade se dilatem”[48].

Afim da treva dar lugar à luz e reinar por cima do egoísmo a caridade, voltemos a ouvir Paulo VI na sua alocução de 13 de dezembro (1964):

“A luz de Cristo pode clarificar esta confusão, e Ele pede a todos, que nos voltemos para sua Mãe, a Virgem Maria, lâmpada da luz de Cristo.

Neste viver atual tão necessitado sem dúvida, dum Pentecostes, que Ela ocupe o centro e renovar-se-ão os espíritos à luz de Deus”.

 

Maria esperança da unidade


 

O Rev, P. Kleiner, Abade Geral dos Cisterciences, herdeiros do espírito mariano de S. Bernardo pronunciou na Aula Conciliar, palavras a este propósito que merecem cuidada atenção. Enquanto que o esquema Ut unumsit, examinado no ano de 1962, recomendava a oração a Maria entre os meios para buscar a unidade, o último esquema não menciona este meio (não é sem dúvida que o Concílio não o tenha como apto, porém por outras razões, certamente para tornar o Decreto menos dificultoso aos outros). O Rev. Abade ponderava que Maria é a Mãe de todos os cristãos, também dos separados. Maria é a Mãe da Igreja. Pertence também a Ela, levar a Igreja à perfeita unidade. Maria –afirmava – é a porta que dá acesso a Cristo. A unidade far-se-á por intercessão de Maria[49].

 

 


O Pe. José Sánchez somente é autor da primeira parte do capítulo terceiro, o qual trata das Igrejas Orientais.

[1]Modi I, p. 18, nº. 14.

[2] Modi II (De oecumenismi exercitio), p. 5, nº 3.

[3]Conciliorumoecumenicorum decreta, Herder 1962, na palavra do índice Reformatio Ecclesiae; Modi II, p. 6, nº 6.

[4]Ad Petri cathedram, AAS 51 (1959) 511.

[5]Sermo VI in ConcilioLateranensihabitus, ML 216, 824.

[6]“…perenneriforma, dicuilaChiesastessa, in quanto instituzioneumana e terrena, ha perpetuo bisogno”. Alocução à Cúria Romana, 21 de Setembro de 1963, AAS 55 (1963) 797.

[7] JOÃO XXIII, Alocução inaugural do Concílio Vaticano II, AAS 54 (1962) 792.

[8] DENZINGER, Ench. Symbolorum, º 2311-2312.

[9] É sem dúvida, o que pretendiam dizer os 111 Padres a quem pareciam “perigosa” a distinção entre depósito da fé e modo de enunciar a fé, sem ulterior explicação. Cfr. Modi II, p. 6, nº 8.

[10] Recorde-se o pensamento de Sto. Agostinho que também citamos noutra altura “Para que o homem tivesse maneira digna de louvar a Deus, Deus louvou-se a si mesmo; e porque Deus se louvou a si, encontrou o homem maneira de O louvar”. In Os. 144, nº 1; ML, 1869.

[11] Cfr. Ef. 4, 23.

[12] Alocução de 29 de Setembro de 1963, AAS 55 (1963) 853.

[13] Cfr. L’Osservatore Romano, 19 de Outubro de 1963.

[14] 133 Padres pediram que se omitisse este pedido de perdão e 25 que se expressasse com cautela. Mas eram muitos mais os que desejavam uma petição, explícita e clara, de perdão. Cfr. Modi II, p. 7, nº 14-15.

[15] Publicado em InformationsCatholiquesInternationales 15 de Maio de 1961.

[16]Note-se cautela e prudência do texto conciliar, como se advertiu na Resposta a uma emenda que pedia esta cautela. Cfr. Modi II, p.8, nº23.

[17]Cfr. Modi II, p. 8, n° 27, respondendo a sete Padres que pediram uma definição mais clara da ''communicatio in sacris''.

[18]Estas palavras lembram a cautela com que se deve proceder para que os fiéis não sejam escandalizados, caiam no indiferentismo ou relativismo. Assim respondeu o Secretariado à petição de 112 Padres que exigiam se juntassem prevenções e avisos para evitar estes perigos. Cfr. Modi II, p. 9, n° 32.

[19]Modi II, p. 9, nº 30.

[20] Cfr. Modi II, p. 8, nº 29.

[21] Esta doutrina é também válida nas Igrejas separadas.

[22] S. Basílio Magno, Epístulacanonica ad Amphilosbium, PG, 32, 669 B.

[23] Considera-se como fundamento da mitigação 1) a validade dos sacramentos; 2) a boa fé e disposição; 3) a necessidade da salvação eterna; 4) ausência do próprio sacerdote; 5) a exclusão dos perigos que se devem evitar e a formal adesão ao erro.

[24] Trata-se da chamada ''communicatio in sacris extra sacramentalis''. É o Concílio que concede esta mitigação, servatisservandis.

[25] Cultual tem um sentido ainda mais amplo que litúrgico. Cfr. Modi II, p. 10, nº 34.

[26] Encíclica Sempiternus Rex (8 de Setembro de 1951), AAS 43 (1951) 64 Sempiternus Rex (8 de Setembro de 1951), AAS 43 (1951) 642.

[27] Esta meditação pode ler-se também em Informatismo Internationales, no fim do número de 15 de dezembro de 1962.

[28] Cfr., v. gr., H. NADAL, Dialogi de Instituto S.J., sobretudo Dialog. I, N?64-65, 109-113 (publicado em Monuments Historica, S.J.,vol.90: H. NADAL, Commentarii de Instituto S.J., Roma 1962, 574 ss. e 597ss.). Os irmãos separados, a propósito destas aproximações de que falamos apreciam na Igreja, segundo se expressava na Aula Conciliar Dom Reetz, presidente da Congregação beneditina de Beuron: a Liturgia, o manaquismo, a virgindade, a confissão, a unidade no sacrifício, na fé, na autoridade. Cfr. La Documentation Catholique, 61 (1964) 129

[29] Em La Croix, 27 de Novembro de 1963; La Documentation Catholique, 61 (1964), 34.

[30] 'Par cum pari''. Cfr. Instruç. Do S. Ofício, De motione ****, AAS 42 (1950) 145

[31] Segundo a Instrução do Santo Ofício “aos colóquios entre teólogos católicos e acatólicos, mandem-se apenas sacerdotes que pela ciência teológica e pela firme adesão aos princípios e normas estabelecidas a este respeito, pela Igreja, sejam verdadeiramente aptos para eles”; De motione oecumenica, AAS 42 (1950) 145.

[32] La Documentation Catholique, 61 (1964) 49.

[33] Ibid…, Col, 60.

[34] Veja-se, SÁNCHEZ VAQUERO, La formación ecuménica del sacerdote, em ''Unitas'' (Revista internacional de ecumenismo) 9 (1964) 69-82. 

[35] Publicado em Église vivante, n°2, 1964, p 111 (''Promouvoir l'unité''), cfr. ª Rios, Ecumenismo y missiones: ''El siglo de las misiones'', Janeiro 1965, pp 3-9. Há outro proselitismo pernicioso, contrário à maneira anterior de o considerar, denunciado pelo Cardeal Bueno Monreal, na  Aula Conciliar (25 de novembro de 1963), pregando-se diversos evangelhos em nome dum só Cristo, procedendo-se sem sinceridade e sem elevação de espírito, insultando as crenças como as da Eucaristia, da Virgem Maria, do Primado Romano… Surgem então a aspereza e a contenda que perturba. Cfr. La Documentation Catholique, 61 (1964) 117.

[36] C.BOYER, escreveu sobre este problema, El ecumenismo y la conversión, son incompatibles?, ''Cristo al mundo'' 9 (1964) 393: El siglo de las misiones, Janeiro 1965, pp. 5-6. Que as conversões individuais não se oponham a o ecumenismo notou na Aula Conciliar o M.R.P. Aniceto Fernández O.P., na Congregação 74 (25 de novembro de 1963), La Documentation Catholique, 61 (1964) 64.

 

[37] Já antes mencionamos também este princípio tão fecundo e por vezes tão esquecido. Cfr., n° 4g.

[38] Tirado de Ya (Madrid) 21 de janeiro de 1965, p.12.

[39] De motione oecumenica, AAS 42 (1950) 144. ''Não há motivo para afirmar que os irmãos separados não possuem a unidade desejada por Cristo e que esta fraqueza se opõe ao diálogo. Pois em tudo é preciso saber para onde se vai''. Sua Beatitude Pedro XVI Batanian, Patriarca de Cilícia dos Armênios, na Congregação 70 (19 de novembro de 1963), La Documentation Catholique, 61 (1964) 41.

[40] Cfr. Ef. 3,8.

[41] Modi II, p.12, n°49. Existe uma ordem hierárquica de verdades; umas dizem respeito aos fins como é o conhecimento da Trindade, e outras referem-se aos meios como é a estrutura jerárquica da Igreja. A divisão entre os cristãos refere-se muitas vezes a estas verdades que tocam não nos fins mas nos meios. Mons. Pangrazio, Bispo de Gorizia, na Congregação 74 (25 de novembro de 1963), La Documentation Catholique, 61 (1964) 64. Cfr. Mons. Canestri, ibid.,col. 64-65.

[42] L'Osservatore Romano,19 de outubro de 1963.

[43] Para a oração em comum existe o Pai Nosso; há também textos aprovados pela Igreja, e uma instrução do Santo Ofício permite tal oração comum sempre segundo o juízo da autoridade diocesana. Cardeal Bea na Congregação 74 (25 de novembro de 1963), La DocumentationCatholique, 61 (1964) 62.

[44] De motione oecumenica, AAS42 (1950) 145.

 

[45] Na Congregação geral 74 do Concílio Vaticano II (25 de novembro de 1963), La Documentation Catholique, 61 (1964) 62.

[46]  Os seguintes parágrafos foram tomados do artigo de F. ALBARRACIN, Ecumenismo, sí; confusinismo, no, publicado em <Re-Unión> (Madrid) 10 (1965) 1-3.

[47] AAS 57 (1965) 171.

[48]Sermo 69 I (ML 38, 440); AAS 57 (1965) 178.

[49] Na Congregação geral 74(25 de novembro de 1963), La Documentation Catholique, 6r (1964) 126,  Cfr., também Mons. Mingo, Bispo de Monreale (Itália), ibid., col. 126.

  

FONTE


DECRETO DO ECUMENISMO DO CONCÍLIO VATICANO II – Texto e comentário teológico e pastoral. Livraria Apostolado da Imprensa, 1966.

 

PARA CITAR 


NICOLAU, Pe. Miguel. Comentário teológico e pastoral ao Decreto sobre o Ecumenismo (parte 2) – Disponível em: <http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/concilio-vaticano-ii/ecumenismo/746-comentario-teologico-e-pastoral-ao-decreto-sobre-o-ecumenismo-parte-3 >. Desde: 05/12/2014.

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