Sábado, Dezembro 21, 2024

Catolicismo Primitivo (Parte 3) – Santo Inácio de Antioquia

Santo Inácio de Antioquia foi discípulo de São Paulo e de São João, e o segundo sucessor de São Pedro como bispo na Sé de Antioquia. Nasceu entre os anos 30 e 35 d.C. e morreu mártir, devorado pelas feras, em janeiro de 107, durante o reinado do imperador romano Trajano. A caminho de Roma, escreveu sete epístolas dirigidas às igrejas de Éfeso, Magnésia, Trália, Filadélfia, Esmirna, Roma e uma carta a São Policarpo. 

[Conheçamos a sua doutrina:] 

DIVINDADE DE CRISTO 

Graças a Santo Inácio, temos o testemunho de um discípulo direto dos Apóstolos, que nos ajuda a compreender quão clara era, na Igreja Primitiva, a consciência sobre a divinidade de Cristo, o que é bastante útil para nós na hora de combater os ataques de algumas seitas. 

Os Testemunhas de Jeová e outras seitas de orientação ariana[1], por exemplo, negam que os primeiros cristãos acreditavam e aceitavam a divinidade de Jesus Cristo. Para essas seitas, Jesus Cristo não seria verdadeiro Deus, não teria compartilhado a natureza do Pai e do Espírito Santo; seria apenas uma criatura. Nós, católicos, pelo contrário, professamos crer em um só Deus em Três Pessoas divinas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo, os quais compartilham uma mesma natureza divina. 

Essas seitas supõem que a doutrina da divinidade de Cristo foi imposta como resultado das manipulações do imperador Constantino durante o século IV, que quis divinizar Cristo com fins políticos. Nas epístolas de Santo Inácio, no entanto, encontramos um testemunho com vários séculos de antecedência, demonstrando que logo de início já se aceitava a plena divinidade de Jesus Cristo. Sobre isso, escreve Santo Inácio em suas cartas: 

– “Há um só Deus, o qual manifestou a Si mesmo por meio de Jesus Cristo, seu Filho, que é sua Palavra, que procedeu do silêncio e agradou em tudo Aquele que O tinha enviado” (Carta aos Magnésios 8,1). 

– “Inácio, por sobrenome 'Portador de Deus', à abençoada na grandeza plena de Deus; à predestinada desde antes dos séculos a servir para sempre, para glória duradoura e impassível, glória unida e eleita por graça da verdadeira paixão e por vontade de Deus Pai e de Jesus Cristo, nosso Deus; à igreja digna de toda bem-aventurança, que está em Éfeso da Ásia: minha cordialíssima saudação em Jesus Cristo e na alegria imaculada” (Carta aos Efésios 1). 

Admite com palavras simples os pontos chaves da Cristologia católica, inclusive o dogma da encarnação: 

– “No entanto, há um médico que é carnal e também espiritual; gerado e não-gerado; na carne feito Deus, filho de Maria e Filho de Deus; primeiro passível e depois impassível: Jesus Cristo, nosso Senhor” (Carta aos Efésios 7,2). 

– “Desde então restou destruída toda feitiçaria e desapareceu toda iniquidade. Derrotada, restou a ignorância; desfeito o antigo império desde o momento em que Deus se manifestou feito homem” (Carta aos Efésios 19,1). 

– “A verdade é que nosso Deus, Jesus, o Ungido, foi carregado por Maria em seu seio, conforme a dispensação de Deus; com certeza, da linhagem de Davi; entretanto, por obra do Espírito Santo, nasceu e foi batizado, a fim de purificar a água com sua Paixão” (Carta aos Efésios 18,2). 

Ao longo de suas epístolas, continua uma vez e outra reconhecendo Jesus Cristo como seu Deus, ao mesmo tempo que afirma que existe um só Deus: 

– “Inácio, por sobrenome 'Portador de Deus': à Igreja que alcançou misericórdia na magnificência do Pai altíssimo e de Jesus Cristo, seu único Filho; à que é amada e encontra-se iluminada por vontade Daquele que quis que todas as coisas existissem, segundo a fé e a caridade de Jesus Cristo, nosso Deus” (Carta aos Romanos 1). 

– “Permití que eu seja imitador da Paixão do meu Deus” (Carta aos Romanos 4,3). 

– “Eu glorifico a Jesus Cristo, Deus, que é quem vos fez sábios até esse ponto, pois muito bem me dei conta de quão apercebidos estais da fé impassível, como se estivésseis cravados, em carne e espírito, na cruz de Jesus Cristo” (Carta aos Esmirniotas 1,1). 

Diante da heresia dos gnósticos, que sustentava que Cristo não possuía um corpo real mas só aparente e, portanto, havia apenas aparentemente sofrido na cruz, afirma implicitamente a doutrina tradicional católica, explicada posteriormente através do termo “união hipostática”: Cristo é verdadeiro Deus, mas também é verdadeiro homem: 

– “Eu, da minha parte, sei disto muito bem e Nele ponho minha fé: que, depois da sua ressurreição, permaneceu o Senhor em sua carne. E assim, quando se apresentou a Pedro e aos seus companheiros, disse-lhes: "Tocai-me, apalpai-me e vede como eu não sou um espírito incorpóreo". E tocaram e creram, ficando compenetrados com sua carne e com seu espírito. Por isso, desprezaram a própria morte, ou melhor, se mostraram superiores à morte. É ainda mais: depois da sua ressurreição, comeu e bebeu com eles, como homem de carne que era, se bem que espiritualmente fosse uma só coisa com seu Pai” (Carta aos Esmirniotas 3,3). 

Santo Inácio também rejeita um dos elementos que chegaria a ser chave na doutrina do Arianismo: considerar Jesus Cristo como um ser criado ou, o que dá no mesmo, supor que houve um momento no tempo em que Jesus Cristo não existiu. Para ele, pelo contrário, Cristo está acima do tempo e é Intemporal: 

– “…espera Aquele que está acima do tempo, o Intemporal; o Invisível, que por nós se fez visível; o Impalpável, o Impassível, que por nós se fez passível: Aquele que por todos os modos sofreu por nós?” (Carta a Policarpo 3,2). 

EUCARISTIA 

É muito mais explícito que a Didaqué em admitir a presença real de Cristo na Eucaristia, doutrina esta que na Antiguidade foi também rejeitada pelas heresias de origem gnóstica. Para os Docetas, uma seita gnóstica da época, o pão e vinho consagrados não podiam se converter realmente no corpo e sangue de Cristo, já que partiam da concepção acima mencionada, de que Cristo não teria tido um corpo real mas só aparente. Santo Inácio, contrariamente a isto, reafirmou a fé tradicional da Igreja: 

– “Afastam-se [os Docetas] também da Eucaristia e da oração porque não confessam que a Eucaristia é a carne de nosso Salvador Jesus Cristo, a mesma [carne] que padeceu pelos nossos pecados; a mesma [carne] que, por sua bondade, o Pai ressuscitou. Assim, pois, os que contradizem o dom de Deus morrem e perecem nas suas digressões. Quão melhor seria para eles celebrar a Eucaristia, a fim de que ressuscitassem! Convém, portanto, afastar-se dessas pessoas e nem privada nem publicamente falar com elas” (Carta aos Esmirniotas 7,1-2). 

Provavelmente inspirado no capítulo 6 do Evangelho de João, chama a Eucaristia de “remédio da imortalidade” e a sua carne de “pão de Deus”: 

– “…começando de um mesmo pão, que é remédio de imortalidade, antídoto para não morrer, mas viver para sempre em Cristo Jesus” (Carta aos Efésios 20,2). 

– “Não sinto prazer pela comida corruptível, nem me atraem os deleites desta vida. Eu quero o pão de Deus, que é a carne de Jesus Cristo, da linhagem de Davi; eu quero o seu sangue por bebida, que é amor incorruptível” (Carta aos Romanos 7,3). 

– “Colocai, pois, todo empenho em fazer uso de uma única Eucaristia, porque uma única é a carne de Nosso Senhor Jesus Cristo e um só cálice para nos unir com o seu sangue; um só altar assim como não há mais que um só bispo, juntamente com o colégio de anciãos e com todos os diáconos, meus companheiros. Desta forma, tudo quanto fizeres, o fareis segundo Deus” (Carta aos Filadélfios 4). 

Admite por válida somente a Eucaristia celebrada por um bispo que conte com uma legítima sucessão apostólica: 

– “Somente esta Eucaristia pode ser tida por válida: a que se celebra sob o bispo ou sob aquele a quem ele o encarregou (…) Não é lícito, sem o bispo, nem batizar nem celebrar ágapes” (Carta aos Esmirniotas 8,1).

Exorta também os cristãos a celebrarem a Eucaristia frequentemente: 

– “Portanto, empenhai-vos em vos reunir com mais frequência para celebrar a Eucaristia de Deus e tributar-lhe glória” (Carta aos Efésios 13,1). 

A IGREJA CATÓLICA E A SUA CONSTITUIÇÃO HIERÁRQUICA

De Santo Inácio temos o primeiro testemunho que foi conservado onde se chama a Igreja cristã de “Igreja Católica”. Escreve: “onde quer que esteja Jesus Cristo, aí está a Igreja Católica”. Lança também muita luz sobre a organização hierárquica da Igreja de seu tempo, pois dirige as suas cartas a igrejas destinatárias que contavam com uma hierarquia tripartida perfeitamente definida: um bispo que as governava (episcopado monárquico), um colégio de presbíteros subordinado a ele, e um ou mais diáconos: 

– “Seguí todos o bispo, como Jesus Cristo [segue] o Pai; e o colégio de anciãos como os Apóstolos; quanto aos diáconos, reverenciai-os como o mandamento de Deus. Sem contar com o bispo, ninguém faça nada que preocupe a Igreja. Somente tenha-se por válida aquela Eucaristia celebrada pelo bispo ou por quem dele possua autorização. Onde quer que apareça o bispo, aí esteja a multidão, de modo que onde quer que esteja Jesus Cristo, aí está a Igreja Católica. Sem contar com o bispo, não é lícito nem batizar nem celebrar a Eucaristia; mas – melhor – aquilo que ele aprovar, isso é também agradável a Deus, a fim de que tudo o que fizeres seja seguro e válido” (Carta aos Esmirniotas 8,1-2). 

– “Como quiser, pois, que nas pessoas supra citadas contemple na fé toda vossa multidão e a todos vos cobre amor, eu vos exorto a que coloqueis empenho por fazer tudo na concórdia de Deus, presidindo o bispo, que ocupa o lugar de Deus; e os anciãos, que representam o colégio dos Apóstolos; e tendo os diáconos, para mim dulcíssimos, confiado o ministério de Jesus Cristo, aquele que antes dos séculos estava junto do Pai e se manifestou no últimos tempos” (Carta aos Magnésios 6,1). 

– “Segue-se daí que convém para vós correr unidos com o sentir do vosso bispo, que é justamente o que já fazeis. Com efeito, vosso colégio de anciãos, digno do nome que carrega, digno outrossim de Deus, está com efeito harmoniosamente concentrado com o seu bispo, como as cordas de uma lira” (Carta aos Efésios 4,1) 

– “Assim, pois, tive a sorte de ver todos vós na pessoa de Damas, vosso bispo, digno de Deus; e de vossos dignos presbíteros Baixo e Apolônio; assim como do diácono Socião, meu companheiro, de quem oxalá fosse dado a mim me alegrar, pois se submete ao seu bispo como à graça de Deus e ao colégio de anciãos como à lei de Jesus Cristo” (Carta aos Magnésios 2,1). 

O mesmo se observa ao longo das suas epístolas (Carta aos Efésios 1,3; 3,2; 4,1; Carta aos Magnésios 2; 3,1; 6,1; 7,1; 13,1; 15,1; Carta aos Tralianos 1,1; 3,1; 12,2; Carta aos Filadélfios 1; 3,2; 7,1-2; Carta a Policarpo 1; 6,1; Carta aos Esmirniotas 8,1-2; 12,2). 

Algo importante em tudo isto é que Santo Inácio fala para um público que assume com ele conhecer bem esta estrutura hierárquica adotada por todas as igrejas cristãs: 
 

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