Sexta-feira, Novembro 15, 2024

A virgindade perpétua de Maria nos cinco primeiros séculos (parte 3)

CONCLUSÃO

Chegamos ao final deste longo e trabalhoso estudo. É importante criarmos uma tabela para melhor avaliar as visões dos Padres da Igreja e outros cristãos da época. A intenção dessa comparação é mostrar que o católico está fundamentado ao professar a virgindade perpétua de Nossa Senhora, através da opinião de especialistas sobre esta crença na história da Igreja até o século V. É claro que nem toda menção que se verá aos Padres da Igreja e escritores antigos se deve considerar no mesmo peso de probabilidade. Algumas vezes a questão é debatida entre os especialistas sobre se um ou outro Padre da Igreja ou escritor antigo acreditou ou não na virgindade de Maria no parto ou após o parto. Por exemplo, não resta dúvida que Santo Agostinho cria na virgindade de Maria no parto, mas quanto a opinião de São Jerônimo os estudiosos divergem. Outro exemplo: Se Orígenes negou ou aceitou a virgindade no parto é disputado pelos estudiosos, mas não se duvida que Santo Ambrósio aceitou. Por último: Que Orígenes aceitou a virgindade de Maria pós parto é muito claro, mas se há evidência que São Justino a aceitou disputa-se, inclusive sobre se um documento atribuído a ele é autêntico. As divergências estiveram indicadas nas partes antecedentes deste estudo, inclusive com obras de uma e outra opinião. Não nos cabe aqui, e nem teríamos competência para tanto, desdizer um ou outro especialista. Basta que tenhamos presente que a lista a seguir é segura na medida em que será possível se fiar em verdadeiros especialistas em patrística (mesmo protestantes) e mariologia para sua aceitação, ainda que sobre a crença de um Padre da Igreja em particular outros possam divergir. Por outro lado, a maioria dos testemunhos apresentados não apresentam controvérsias.

Ademais, é claro que a autoridade dos testemunhos varia. A visão de um Padre da Igreja e bispo tem muito mais peso do que a visão de um ariano, por exemplo. A visão do Proto-Evangelho, por conta de sua ortodoxia e influência na cristandade, tem mais peso que um apócrifo docetista.

 

Crença na virgindade  de Maria no parto

Negação da virgindade de Maria no parto

Crença na virgindade de Maria após o parto

Negação da virgindade de Maria após o parto

1. Proto-Evangelho de Tiago

1. Tertuliano

1. Hegésipo

1. Tertuliano

2. Ascensão de Isaías

2. Joviniano

2. Proto-Evangelho de Tiago

2. Helvídeo

3. Odes de Salomão

3. Muitos no Egito[1] (séc. II)

3. Evangelho da Infância segundo Tomé

3. Eunomio (ariano)

4. Oracula sibylline

 

4. Evangelho segundo Pedro

4. Apolinário(?)[2]

5. Santo Inácio de Antioquia

 

5. Santo Inácio de Antioquia

5. Bonoso

6. Santo Irineu de Lião

 

6. Santo Irineu de Lião

6. Joviniano

7. São Clemente de Alexandria

 

7. São Clemente de Alexandria

 

8. Orígenes

 

8. São Justino

 

9. São Gregório de Neocesareia

 

9. Santo Hipólito de Roma

 

10. Eusébio de Cesareia

 

10. Orígenes

 

11. Santo Atanásio

 

11. São Gregório de Neocesareia

 

12. Santo Hilário

 

12. Eusébio de Cesareia

 

13. São Zenão de Verona

 

13. Santo Atanásio

 

14. Santo Efrém

 

14. Santo Hilário

 

15. Santo Epifânio

 

15. São Zenão de Verona

 

16. Rufino de Aquileia

 

16. Santo Efrém

 

17. Rufino o Syro

 

17. Santo Epifânio

 

18. Didimo o Cego

 

18. Didimo o Cego

 

19. São Gregório Nazianceno                                    

 

19. São Gregório Nazianceno

 

20. São Basílio Magno

 

20. São Basílio Magno

 

21. Santo Ambrósio

 

21. Santo Ambrósio

 

22. São Gregório de Nissa

 

22. São Gregório de Nissa

 

23. São Anfiloquio de Iconio

 

23. São Anfiloquio de Iconio

 

24. São João Crisóstomo

 

24. Rufino de Aquileia

 

25. São Jerônimo

 

25. São João Crisóstomo

 

26. Santo Agostinho

 

26. São Jerônimo

 

27. São Gregório de Elvira

 

27. Santo Agostinho

 

28. Teodoreto de Ciro

 

28. Teodoreto de Ciro

 

29. São Nilo do Sinai

 

29. São Nilo do Sinai

 

30. São Cirilo de Alexandria

 

30. São Cirilo de Alexandria

 

31. São Teodoro de Ancira

 

31. São Pedro Crisólogo

 

32. São Pedro Crisólogo

 

32. Sedulio

 

33. Sedulio

 

33. Hesiquio de Jerusalém

 

34. Severiano de Gábala

 

34. Proclo de Constantinopla

 

35. Hesiquio de Jerusalém

 

35. Papa Leão Magno

 

36. Proclo de Constantinopla

 

36. Sâo Máximo de Turím

 

37. Papa Leão Magno

 

37. Leporio

 

38. São Gaudencio de Bréscia

 

38. Papa Siricio

 

39. São Máximo de Turím

 

39. Opus imperfectum

 

40. 80 Bispos, Sínodo de Roma.

 

40. FIlostorgio

 

41. Sínodo de Milão

 

41. Anísio, bispo de Tessalônica, e outros bispos de Ilíria

 

42. 520 a 630 bispos, Concílio de Calcedônia

 

42. Carmen Laudibus-Domini

 

43. Consultationes Zacchaei et Apolloni

 

43. Acácio de Melitene

 

44. São Vicente de Lérins

 

44. Chrysippus Hierosolymitanus

 

45. Antipater Bostrenus

 

45. Apponius

 

46. Chrysippus Hierosolymitanus

 

46. Praedestinatus seu praedestinatorum haeresius

 

47. Paulus Emesenus

 

47. Arnobius Iunior

 

48. Apponius

 

48. Bachiarius Monachus

 

49. Arnobius Iunior

 

49. São Paulino de Nola

 

50. Papa Celestino I

 

50. Pelágio da Bretanha

 

51. Fausto de Riez

 

 

 

52. Aurélio Clemente Prudêncio

 

 

 

53. Quodvultdeus

 

 

 

 

O consenso

Segundo o Pe. Philip, já antes do Concílio de Éfeso (ano 431), tanto por parte do Ocidente, quanto por parte do Oriente, chegou-se a um consenso sobre a virgindade perpétua de Nossa Senhora, in verbis:

“Temos fundamentos para crer que já antes de Éfeso se havia alcançado unânime assentimento à doutrina da virgindade de Nossa Senhora, pois terminado o concílio, encontramos a mesma crença tão profundamente enraizada nas mentes dos dissidentes como nas dos católicos”. (pp. 679 – 680)

Segundo o professor de mariologia Jaime Colomina houve no século IV “perfeita unanimidade entre as igrejas do Oriente e Ocidente acerca da perpétua virgindade de Maria”[3].

Para o lado do Oriente no séc. IV: vimos que São Basílio Magno parece referir que a virgindade após o parto de Nossa Senhora é uma opinião comum dos fiéis. No mesmo século, Santo Epifânio aponta a negação da virgindade após o parto como ‘heresia’ (levando-se em conta o sentido amplo da palavra naquele tempo), considerando, portanto, posição heterodoxa. Este Santo Padre em sua obra “Exposição da fé” refere-se à virgindade de Maria no parto. Anísio, bispo Tessalônica e outros bispos de Ilíria, no final do século IV, condenaram Bonoso por sua negação à virgindade de Maria após o nascimento de Cristo.

Em relação ao Ocidente cristão no século IV: Santo Ambrósio, presidindo o Sínodo de Milão, junto com outros bispos, condena Joviniano que negava o nascimento virginal de Jesus. O Papa Sirício confirma esta condenação. Ao que parece, pouco antes ou ao mesmo tempo, um Sínodo de Roma condena Joviniano pela mesma doutrina. Santo Agostinho classificará tanto a negação da virgindade do parto quanto a negação da virgindade pós parto como heresias em sentido estrito. Este mesmo Doutor da Igreja em carta a Pelágio dirá que a doutrina da virgindade de Maria no parto era de fé e que era a posição oficial da Igreja universal. Rufino de Aquileia em seu Comentário ao Credo dos apóstolos refere à virgindade perpétua de Maria.

Por tudo o que foi dito parece possível afirmar que a crença virgindade perpétua de Maria virou consenso ainda no século IV e tida como de fé no final do mesmo século. Mas outros autores, no que se refere ao Oriente, dizem que esse consenso e essa certeza teológica apenas chegaram após o Concílio de Éfeso. Seja como for, é evidente que no século V a virgindade perpétua de Maria passou a ser tida como uma doutrina de fé na Igreja universal. Nas palavras do Pe. Philip:

“Portanto, desde o tempo de Santo Agostinho, no Ocidente, e desde a época do concílio de Éfeso, no Oriente, o dogma da virgindade perpétua de Nossa Senhora ante partum, in partu e post partum foi universalmente reconhecido como tal e não foi nunca questionado pelos católicos”. (p. 681)

 

Os Padres da Igreja

Usamos aqui a expressão “Padre da Igreja” no sentido estrito. Segundo São Vicente de Lérins (+ 450) seria aquele que “santamente, sabiamente e com constância viveu, ensinou e permaneceu firme na fé e na comunhão católica, e morreram fiéis a Cristo ou mereceram a alegria de dar sua vida por Ele” (Commonitorium, 28). Assim, em tal definição não poderia caber Joviniano, Bonoso, Helvídio, Eunomio e Pelágio. Ao depararmos com a abundante cifra que chegamos tanto em relação ao parto virginal, quanto em relação à virgindade após o parto de Nossa Senhora, é fácil presumir que há um consenso entre os Padres da Igreja verificados em relação à virgindade de Nossa Senhora. É possível, portanto, afirmar junto com o Padre Luigi Gambero que “questionamentos foram levantados sobre a perpétua virgindade de Maria, e a realidade de sua virgindade perpétua foi rapidamente afirmada pelos Padres, com exceção de Tertuliano”. (Mariology: A Guide for Priests, Deacons, Seminarians, and Consecrated Persons: Mary and the Fathers of the Church)

Reparemos que ainda que concedêssemos, em vista do argumento, que um ou outro Padre da Igreja negou algum ponto da virgindade de Nossa Senhora, não seria suficiente para destruir a unanimidade moral que encontramos. Ainda mais levando em consideração que encerramos nosso estudo até o século V, faltando ainda muitos outros Padres da Igreja que falaram sobre o assunto, evidentemente, a favor da virgindade perpétua de Nossa Senhora.  

É de se lamentar, no entanto, que os cristãos protestantes não utilizem o consenso dos Santos Padres e nem mesmo o “consensus fidelium” como critérios para conhecer a verdade revelada.

 


[1] Como nos informa São Clemente de Alexandria, Stromata 7,16

[2] Santo Epifânio não acredita que Apolinário negava a virgindade pós parto, cf. Panarion, haer. 77, 36, e haer. 78, 1.

[3] Santuarios marianos de Castilla La Mancha, p. 27.

PARA CITAR

SARMENTO, Nelson. A virgindade perpétua de Maria nos cinco primeiros séculos (parte 3). Disponível em <http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/apologetica/virgem-maria/953-a-virgindade-perpetua-de-maria-nos-cinco-primeiros-seculos-parte-3> Desde 10/03/2017.

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