Sábado, Dezembro 21, 2024

A “Inconveniente História” da Bíblia Original do Rei Tiago (KJV)

Rei Tiago I na Conferência da Corte de Hampton

Dr. Reynolds … insistiu corajosamente em vários pontos; mas quando ele chegou à demanda para o desuso dos apócrifos no serviço da Igreja, Tiago não pode aguentar mais. Ele pediu uma Bíblia, e leu um capítulo de Eclesiástico. e expôs de acordo com seus próprios pontos de vista; em seguida, voltando-se para os senhores de seu concílio, ele disse: “Que pensamento faz estes homens ficarem tão zangados com Eclesiástico? Por minha alma, eu acho que Eclesiástico era um bispo, ou eles nunca iriam usá-lo assim.”

(John Cassell’s Illustrated History of England, text by William Howitt, (W. Kent & Co.:London), 1859, vol. 3p. 15)

Em 1604, a Igreja da Inglaterra encomendou uma nova tradução inglesa das Escrituras, que mais tarde ficou conhecido como o King JamesVersion (KJV) ou Versão do Rei Tiago. Segundo essa dedicação ao rei, a esperança era de que esta nova versão iria “neutralizar” as farpas dos católicos e evitar o “auto-convencimento” protestante “que correm por seus próprios caminhos, e que não dão em nada somente no que está enquadrado por eles mesmo, martelaram na sua própria bigorna…” (Prefácio e dedicação ao Rei, 1611 Bíblia King James), ou seja, dissidentes religiosos, como os batistas e outros. Ironicamente, a Igreja da Inglaterra se voltou para outras traduções, e a King James (KJV) se tornou, pelo menos por um tempo, a tradução para aqueles grupos que eram considerados dissidentes. Hoje, a Nova Versão Internacional tornou-se a tradução best-seller entre os protestantes, mas a King James ainda é amplamente usada e venerada pelos não-católicos.

Traduções da Bíblia são interessantes na medida em que pode fornecer umas informações instantâneas das crenças de seus tradutores na época. A Vulgata Latina, por exemplo, pode nos mostrar como certas palavras foram compreendidas no século IV, quando foi traduzida por São Jerônimo. A Bíblia King James não é excepção. Quando se compara a edição original de 1611 com edições posteriores, pode-se discernir algumas mudanças muito importantes nos pontos de vista.

Se você possuir uma Bíblia King James, a primeira mudança maior que você vai notar é que a edição de 1611 original continha vários livros extras em um apêndice entre o Antigo e Novo Testamento rotulados como “Os livros apócrifos.” O apêndice inclui vários livros, que são encontradas no Antigo Testamento Católico, como os livros da Sabedoria, Eclesiástico, Baruc, 1º e 2º Macabeus e outros.

Tabela de conteúdo KJV 1611

Alguns podem tentar descartar a omissão desses livros da versão do Rei Tiago como “adição” supérfula  para a tradução e que a sua omissão realmente não muda nada importante sobre a Bíblia deles. Pelo contrário, os chamados “apócrifos” fazem parte integrante do texto, tanto que o estudioso protestante E.G. Goodspeed escreveu certa vez:

“Qualquer que seja nossas opiniões pessoais dos Apócrifos, é um fato histórico de que eles formam uma parte integrante da versão do Rei Tiago, e uma Bíblia que afirmam representar esta versão deve ou incluir os livros apócrifos, ou relatar que  estão omitindo-os. Caso contrário, uma falsa impressão é criada”. [História do Apocrypha (Chicago: University of Chicago Press, 1939, p 7.].

Se você pegar uma cópia moderna da King James Version e abrir a página do título, as chances são que você não vai ver qualquer menção à omissão deliberada destes livros (por exemplo, “A Versão do Rei James, sem os Apócrifos”). Afinal, quem gostaria de colocar uma indicação negativa sobre um produto na página de título? No entanto, talvez para evitar propaganda enganosa, os editores vão notificá-lo que os livros estão em falta indicando habilmente os conteúdos de uma forma positiva, como “A Versão do Rei Tiago contendo o Antigo e Novo Testamento”. Se você não sabia que os “apócrifos” foram omitidos, você provavelmente vai assumir que ali é a completa Bíblia do Rei Tiago, pois a maioria modernas Bíblias protestantes contém apenas os Antigo e Novo Testamento de qualquer maneira. Por isso, como adverte Goodspeed , é “uma falsa impressão é criada.”

As Referências do Novo Testamento aos deuterocanônicos

Os apócrifos da versão do Rei Tiago tinham um papel mais integral, em suas primeiras edições do que simplesmente ser um apêndice alheio aos dois Testamentos. Em vez disso, a versão de 1611 da Bíblia King James incluía (como a Bíblia de Genebra) referências dos Antigo e Novo Testamentos aos chamados “apócrifos”. Como modernas referências, estes foram feitas para remeter o leitor de volta ao texto citado a fim de proporcionar mais claridade sobre o que tinha acabado de ser lido. Havia 11 referências no Novo Testamento e 102 do Antigo Testamento que se levavam os leitores protestantes de volta aos deuterocanônicos. As referências do Novo Testamento aos deuterocanônicos eram:

Mat 6, 7 Eclo. 7,14
Mat 27, 43 Sab 2, 15-16
Lucas 6:31 Tobias 4, 15
Lucas 14, 13 Tobias 4, 7
João 10, 22 I Macabeus 4, 59
Rom 9, 21 Sabedoria 15, 7
Rom 11, 34 Sabedoria 9, 13
2 Cor 9, 7 Eclo. 35:9
Heb 1, 3 Sabedoria 7, 26
Heb 11,35 II Macabeus 7, 7
1611 KJV Heb. 11, 35 – II Mac. 7, 7 1611 KJV Mat. 27, 43 – Sab 2, 15-16
  1611 KJV Heb. 11, 3 – Sabedoria. 7, 26 1611 KJV Lc 14, 13 – Tobias 4,7

Assim como as primeiras edições da Bíblia de Genebra, os editores da Versão Autorizada acreditavam que os leitores não-católicas deveriam estar cientes de que os “apócrifos” tinha coisas a dizer em relação a estas passagem. Enquanto alguns são meras correspondências de pensamento, outros apontam para uma consciência ou até mesmo uma dependência dos “apócrifos” pelos inspirados escritores do Novo Testamento. Eu detalho estas passagens importantes em Why Catholic Bibles Are Bigger: The Untold Story of the Lost Books of the Protestant Bible (Grotto Press, 2007).

Além das onze referências no Novo Testamento, a King James de 1611 também ostentou 102 referência no Antigo Testamento, assim totalizando até 113 referências aos e dos  “apócrifos” no geral. Não é de se maravilhar que  Goodspeed tenha dito que os  “apócrifos” eram parte integrante da Bíblia  do Rei Tiago!

A Bíblia do Rei Tiago não foi a única Bíblia antiga protestante a conter os deyterocanônicos, com as  referências no novo testamento. Como vimos no artigo anterior (A Bíblia de Genebra e os deuterocanônnicos), o “apócrifos”, também desempenharam um papel integral em outras Bíblias protestantes também.

Como mencionei anteriormente, traduções servem como informações históricas instantâneas das crenças dos tradutores e leitores. A presença destas referências cruzadas mostra que os tradutores acreditaram que os “apócrifos” estavam no trabalho dentro dos escritos do Novo Testamento e que os leitores da Bíblia protestante se beneficiariam em ler e estudar o Novo Testamento e Antigo à luz desses livros. Infelizmente, hoje essa herança nobre foi perdida.

Agora você lê eles, Agora você não lê…

Aqueles que viram os deuterocanônicos como algo sendo o último vestígio do “papado” pressionaram para o apêndice dos deuterocanônicos e suas referências serem removidas completamente da sua bíblia. Em 1615, George Abbott, o arcebispo anglicano de Canterbury, foi tão longe que chegou a utilizar o poder da lei para censurar qualquer editora que não produziu a Bíblia em sua totalidade (incluindo os “apócrifos”), conforme prescrito pelos Trinta e nove artigos. No entanto, o ódio anti-católico e as vantagens óbvias financeiras de impressão de menores Bíblias protestantes começaram a ganhar contra os tradicionalistas que queriam a Bíblia na forma em que foram dadas em todas as traduções protestantes anteriores até aquele momento (na forma da Bíblia de Lutero – com os deuterocanônicos entre o Antigo e o Novo Testamento). Os deuterocanônicos permaneceram na Bíblia do rei Tiago nas edições dos anos 1626, 1629, 1630 e 1633. Por volta de 1632, a opinião pública começou a se voltar decididamente contra as Bíblias protestantes “maiores”. Das 227 edições da Bíblia entre 1632 e 1826, cerca de 40% das Bíblias protestantes continha os deuterocanônicos. A controvérsia dos deuterocanônicos do início dos anos de 1800, habilitou as Sociedades Bíblicas Inglesas a inundar o mercado de compra da Bíblia, com Bíblias cada vez mais sem os deuterocanônicos e em 1885 os deuterocanônicos foram oficialmente removidos com o advento da Versão Padrão Revisada (Revised Standard Version), que substituiu a versão do Rei Tiago.

É difícil fixar o ponto da data exata em que a  Bíblia do Rei Tiago deixou de conter os deuterocanônicos. É claro que edições posteriores da KJV removeu os deuterocanônicos do apêndice, mas elas continuaram a incluir referências a eles, até que eles também (como a Bíblia de Genebra) foram removidos. Por que eles foram removidos? Foi por superlotarem as margens? O erudito anglicano William H. Daubney aponta o óbvio:

Estas omissões censuráveis [das referências] foram feitas após que o costume de publicar Bíblias sem os livros apócrifos surgiu. Estes aparentemente professam ser o que não são, cópias inteiras da Versão Autorizada […] Claramente, as referências à apócrifos conta uma inconveniente história do uso que a Igreja entendia que deveria ser feito; então, quer a partir de influência dissidente sem, ou de preconceitos dentro da Igreja, estas referências desapareceram das margens [O uso do Apocrypha na Igreja cristã (London: CJ Clay e Sons, 1900), 17].

Qual foi a história inconveniente que estas referências contaram? Elas mostraram que os chamados “apócrifos” realmente desempenham um papel muito maior que os protestantes modernos estão dispostos a admitir. Além disso, as referências mostraram que os protetsantes mais antigos acreditavam que o conhecimento dos chamados “apócrifos” e seu uso no Novo Testamento beneficiava os cristãos que queriam entender a Bíblia. Infelizmente hoje, muitos protestantes usam a Bíblia  do Rei Tiago tem manuseado uma forma alterada e sem compromisso desta versão. A realidade é que  o conteúdo da bíblia integral já  tinha sofrido várias alterações substanciais que começam com Martinho Lutero que reuniu os deuterocanônicos e coloco-os no apêndice “apócrifo” e mais tarde depois das versões do Rei Tiago, tanto o apêndice (e suas referências) foram removidos completamente das Bíblias protestantes.

PARA CITAR


MICHUTA, Gary. Apologistas Católicos. A “Inconveniente História” da Bíblia Original do Rei Tiago (KJV). Disponível em: <http://apologistascatolicos.com.br/index.php/apologetica/deuterocanonicos/534-a-qinconveniente-historiaq-da-biblia-original-do-rei-tiago-kjv>. Desde:  12/08/2012. Tradutor: Rafael Rodrigues.

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