Recentemente um de nossos leitores nos enviou uma acusação que o amigo protestante seu fez em um grupo no facebook, a acusação diz que:
“A Igreja Romana Fez Milhares De Fieis Católicos Acreditarem Na Existência Do Limbo Durante Séculos Para Depois Decretarem Definitivamente A Extinção Do Conceito De Limbo”
Logo depois, o protestante completa:
“Os católicos, em suma maioria, defendiam o limbo com unhas e dentes nos debates com evangélicos até poucos anos atrás. No famoso site católico “Montfort”, você pode ver uma defesa enérgica da existência do limbo feita por eles, com várias citações de papas e de documentos da Igreja papal ao longo da história. Pois bem. Para o desespero dos católicos montfortianos, o Vaticano decretou o fim do limbo, notícia esta que saiu no mundo todo. É isso mesmo. “Galera, não existe mais, beleza?Acabou, gente!”. Simplíssimo. E não se fala mais nisso. Dane-se os “dois mil anos de tradição”, os documentos oficiais da Igreja que falavam do limbo, os vários papas que assinalaram a sua existência e a multidão de idiotas úteis que defendiam este lugar nos debates contra os evangélicos. Agora não existe mais, e “nunca existiu”, vejam só! [http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL24736-5602,00.html]”
Será mesmo que a igreja “decretou” (como se isso fosse possível) a inexistência do limbo? É o que veremos.
REFUTAÇÃO
O mais engraçado disso tudo é que o protestante cita um site[1] católico para dizer que os católicos defendiam o limbo com “unhas e dentes” (sic!), mas para dizer que a Igreja disse que o limbo não mais existia, usa o que? Usou o site do Vaticano? Usou algum site católico? Usou algum discurso do papa? Usou algum documento da Igreja? Não! Usou o G1 como fonte. Sensacional! Agora o G1 é a fonte onde aprendemos as doutrinas da Igreja! Parabéns ao grande pesquisador do catolicismo que usa o G1 como fonte de conhecimento sobre as doutrinas católicas.
Em nenhum lugar o Vaticano disse que “o Limbo não existe mais” não tem nada do Vaticano, do Papa, ou de qualquer bispo sobre isto. Se o autor desta peripécia lesse a matéria que ele mesmo cita, em nenhum lugar da matéria citada existe alguma citação do papa ou da comissão bíblica internacional dizendo que o limbo não existe mais.
Se soubesse alguma coisa sobre teologia católica, saberia que o limbo é uma teoria, nunca foi aceita como doutrina e nunca foi posta em debate pelo magistério, era apenas aceita como explicação sobre as crianças que morriam sem batismo, e esta teoria é aceita até hoje, nunca foi descartada, então mesmo que algum papa ou o Vaticano dissesse que o Limbo não existia, isso não implicaria em nada, porque nunca foi doutrina católica, apenas teoria formulada e aceita desde a idade média para explicar o destino de crianças sem batismo. O que a meu ver é bem plausível e sensata, embora seja apenas uma teoria.
Nem no catecismo de São Pio X, nem no Catecismo de 1951, nem no atual catecismo da Igreja católica o limbo é mencionado, então como é que poderia o limbo ser uma doutrina católica e com Bento XVI deixar de existir, se os catecismos onde existem a compilação de toda a doutrina católica, o limbo das crianças sequer é mencionado?
ENTÃO, DE QUE FALA O G1?
O que o G1 e por conseguinte o protestante inteligente estão tendo como “o vaticano decreta o fim do limbo” é apenas uma frase da Comissão Teológica Internacional que foi assinada por Bento XVI, e que está no Site de Vaticano e diz:
“É conhecido que o ensinamento tradicional recorria à teoria do limbo, entendido como estado no qual as almas das crianças que morrem sem Batismo não mereciam o prêmio da visão beatífica, por causa do pecado original, mas não sofriam nenhuma punição, dado que não tinham cometido pecados pessoais. Essa teoria, elaborada por teólogos a partir da Idade Média, nunca entrou nas definições dogmáticas do Magistério, mesmo que o próprio Magistério a mencionasse no seu ensinamento até o Concílio Vaticano II. Esta permanece, portanto, uma hipótese teológica possível.Contudo, no Catecismo da Igreja Católica (1992) a teoria do limbo não é mencionada e, ao contrário, tem ensinado que, quanto às crianças mortas sem o Batismo, a Igreja só pode confiá-las à misericórdia de Deus, como, exatamente, faz no rito específico dos funerais para elas. O princípio de que Deus quer a salvação de todos os seres humanos permite esperar que exista uma via de salvação para as crianças mortas sem Batismo (cf. Catecismo, 1261). Tal afirmação convida a reflexão teológica a encontrar uma conexão teológica e coerente entre os diversos enunciados da fé católica: a vontade salvífica universal de Deus, a unicidade da mediação de Cristo, a necessidade do Batismo para a salvação, a ação universal da graça em relação aos sacramentos, a relação entre pecado original e privação da visão beatífica e a criação do ser humano “em Cristo”.” [http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_con_cfaith_doc_20070419_un-baptised-infants_po.html]
Onde é que o Vaticano, o papa ou a Comissão Teológica internacional disseram que o Limbo não existe mais? Gostaria de pedir, por favor, que me mostrem em qual documento, livro, texto, discurso do Vaticano, papa ou porta voz do Vaticano é dito que “O limbo não existe mais”? Por favor, estou curioso, porque mesmo depois de ter frequentado cursos e mais cursos de teologia, inclusive a faculdade católica de Salvador, ainda não descobri onde é que o limbo foi retirado do ensinamento católico ou que dito não existir mais. A frase “Esta permanece, portanto, uma hipótese teológica possível.” Por si só já refuta toda a alegação protestantes sem noção.
O QUE É O LIMBO?
Limbo vem do latim”limbus” que quer dizer orla, borda ou margem. Na teologia católica é usado para significar a um local ou estado onde os patriarcas do Antigo testamento de encontravam antes de Cristo, e depois de Cristo o local onde crianças sem batismo se encontram após a morte.
O limbo dos patriarcas ou limbus patrum na teologia católica era um lugar provisório para onde iam os justos do Antigo Testamento antes de Jesus vir a terra. Este local também é chamado “sheol”, “Hades” ou “Seio de Abraão”. Depois da sua morte redentora,Jesus Cristo, desceu à “mansão dos mortos”, ou seja, ao “limbo dos patriarcas”, para conceder às almas que o habitavam, mortas antes de Jesus morrer na cruz, “os benefícios do seu sacrifício expiatório; estas almas foram, então, alcançadas pelo sangue do Cordeiro”(Romanos 3,25), podendo assim serem salvos.
A prova clara vemos em Efésios:
“Mas a cada um de nós foi dada a graça, segundo a medida do dom de Cristo, pelo que diz: Quando subiu ao alto, levou muitos cativos[ou cativeiro], cumulou de dons os homens (Sl 67,19). Ora, que quer dizer ele subiu, senão que antes havia descido a esta terra?Aquele que desceu é também o que subiu acima de todos os céus, para encher todas as coisas.” (Efésios 4, 7-10)
O limbo infantil ou limbus puerorum, ao contrário do limbo dos patriarcas, não é uma doutrina, é uma mera hipótese teológica. A teoria tradicional do limbo infantil ensina que as crianças que morrem sem o batismo, vivem neste lugar, ou seja, na “borda do céu”, mas privadas da visão beatífica de Deus, já que sem o batismo não podem entrar no céu, e também não podem ir para o inferno já que não tem pecados pessoais. Quem primeiro teorizou isto foi Santo Agostinho de Hipona, e na idade média os teólogos tentando explicar como se daria a salvação das crianças que morrem sem batismo, adotaram a teoria Agostiniana.
PADRES DA IGREJA SOBRE O LIMBO
Em sua Obra sobre o pecado original e o Batismo infantil Santo Agostinho diz basicamente que:
“Pode, portanto, está corretamente afirmado, que tais crianças quando deixam seu corpo sem serem batizadas serão envolvidas em uma condenação mais suave de que todos. A pessoa, por isso, engana muito a si mesmo e os outros, que ensinam que elas não vão estar envoltas na condenação; Considerando que o apóstolo diz: “a falta de um só teve por consequência um veredicto de condenação” (Romanos 5,16) e novamente um pouco depois: “pelo pecado de um só a condenação se estendeu a todos os homens.” (Romanos 5, 18) Quando, na verdade, Adão pecou por não obedecer a Deus, em seguida, seu corpo-embora fosse um corpo-natural e mortal, perdeu a graça pelo qual ele é utilizado em cada parte dela para ser obediente à alma.” (Sobre o Mérito do Perdão dos Pecados e do Batismo Infantil, Livro I, capítulo 21)
A teoria de Santo Agostinho é que uma criança sem batismo não pode entrar no céu, e receberá uma ‘condenação’ só que mais branda do que o resto das pessoas condenadas por seus pecados. Essas crianças receberão a condenação pelo pecado de Adão que trouxe a morte ao mundo.
Em sua carta contra Juliano novamente ele fala sobre a questão do destino das crianças mortas sem o batismo:
“Os pais atribuíram o desejo de ter filhos, eles ignoram o mal que pode acontecer a eles um dia. Eu não estou dizendo que as crianças que morrem sem o batismo de Cristo são punidas com uma pena de tal ordem que seria melhor não terem nascido; porque o Senhor não disse essas palavras a qualquer pecador, mas ao próprio criminoso e perverso. Se a sentença pronunciada sobre Sodoma não foi entendida apenas aos sodomitas, pois, no dia do juízo devem ser punidos mais severamente do que outros, quem pode duvidar que as crianças não batizadas que morrem sem pecado pessoal, apenas com o original, tem que sofrer menor dor de que todos?
Eu não sei qual a natureza e magnitude dessa pena. No entanto, não me atrevo a dizer que era melhor para eles não nasceram do que viverem no estado em que se encontram. Mas você que os consideram livres de culpa não querem pensar sobre o tipo de punição as que os condenam privando da vida e do reino de Deus a tantas de suas imagens e separando-os dos seus pais tementes a Deus, aos que tão claramente exortam a procriar. É injusto que as crianças sofram punição se não tem pecado; mas se a sua punição é justa, devemos reconhecer neles a existência do pecado original.”. (Contra Juliano, Livro 5, 44)
Antes de Santo Agostinho também São Gregório de Nazianzo ensinava a mesma coisa:
“Isso vai acontecer, eu acredito… que esses últimos mencionados[crianças que morrem sem batismo] não serão nem admitidos pelo justo julgamento a glória do Céu, nem condenados a sofrer punição, uma vez que, embora não sejam selados [pelo batismo], eles não são maus…. Pois do fato de que não merecem punição não se seguem que são digno de serem honrados, mais do que se segue que aquele que não é digno de uma certa honra merece por conta disso que ser punido.”(Oração 40, 23)
CONCLUSÃO
Tudo isso serve para mostrar quão grande é a ignorância de protestantes que querem se meter a falar de catolicismo. O sujeito sequer leu algum livro, catecismo, ou manual de teologia dogmática católicos na vida, mas acha que sabe tudo sobre catolicismo, a ponto de tecer comentários estúpidos sobre algo que ele não faz ideia do que seja.
O problema, como sempre, digo, costuma aumentar, quando outros incautos leem estas bobagens e as propagam sem fazer qualquer filtro, tentando fazer um amontado de textos sem o menor critério, tal qual um atirador cego (parafraseando são Jerônimo), atirando para todos os lados, dizendo asneiras com sua língua barulhenta e terminando sem ferir ninguém, a não ser a si próprio.
NOTAS
[1]O próprio site que o “estudioso” do catolicismo cita como defensor do limbo, também já havia comentado a questão, mas como ao ilustre conhecedor do catolicismo só importa o que ele que quer ler, é claro que passou ao largo disso. O link do site da Montfort pode ser visto aqui [http://www.montfort.org.br/old/index.php?secao=cartas&subsecao=doutrina&artigo=20070502115547&lang=bra]
PARA CITAR
RODRIGUES, Rafael. A Igreja decretou o fim do Limbo? Disponível em: <http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/doutrina-teologia/escatologia/786-a-igreja-disse-que-o-limbo-nao-existia> Desde: 01/04/2015