Escrever o artigo que se segue foi uma tarefa triste, mas necessária. Como mostra o artigo, um distinto prelado católico tem sido objeto de muita desinformação por um grupo que, embora agora fora da Igreja Católica, afirma defender a tradição católica. Os autores muito se esforçaram para convencer, de forma privada, aqueles que vêm publicando este material que prestem os devidos esclarecimentos. Infelizmente, isso não foi feito. Sentimo-nos, pois, obrigados em trazer a verdade para o domínio público, a fim de que católicos inocentes não possam mais ser enganados sobre este assunto.
Rosalio José Castillo Lara nasceu em 4 de setembro de 1922 em San Casimiro, perto de Maracay, na Venezuela. Ele foi ordenado sacerdote em 1949. Foi consagrado bispo, como Titular Sé de Praecausa, em 1973 e, posteriormente, feito arcebispo em 1982. O Papa João Paulo II o fez Cardeal em 1985. Como Cardeal foi Presidente do Pontifício Conselho para a Interpretação dos Textos Legislativos, de 1985 a 1990. É ainda, desde 1981, Presidente da Comissão Disciplinar da Cúria Romana e é Presidente da Administração do Patrimônio da Sé Apostólica. Cardeal Lara também é Reitor de Nostra Signora di Coromoto e membro da Congregação para a Educação Católica, do Supremo Tribunal da Santa Sé, do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, e da Pontifícia Comissão para o Estado da Cidade do Vaticano.
Em suma, a carreira do cardeal foi a de um eminente canonista romano e diplomata. Sua vida tem sido de serviços leiais à Igreja Católica. No entanto, por mais surpreendente que possa parecer, de acordo com muitos dos assim chamados “católicos tradicionalistas“, pertencentes à Sociedade Lefebvrista de São Pio X, ou apologistas desse grupo, Cardeal Lara seria na realidade algo como um aliado da causa deles. Além disso, é dito por eles, ser o cardeal não apenas um simpatizante discreto, mas um homem que se manifestou como tal publicamente. Foi até dito que ele apoiaria seus argumentos. Como pode ser isso, pode-se muito bem perguntar. A resposta a isto, por desagradável que seja, revela muita sobre a atitude da Fraternidade São Pio X, para com a verdade. No entanto, para entender o caso do Cardeal Lara, é preciso primeiro voltar ao ano de 1988. A história começa em junho daquele ano.
Cisma e excomunhão: os acontecimentos de 1988
A consagração de quatro bispos sem mandato papal pelo arcebispo Marcel Lefebvre em 30 junho de 1988, resultou em uma excomunhão automática para o Arcebispo, para o seu co-consagrador, Dom Antonio Castro de Mayer e para os quatro novos bispos. Além disso, o Santo Padre fez publicar uma Carta Apostólica Ecclesia Dei na qual ele declarou que as consagrações constituíram-se em um ato de cisma e que qualquer pessoa que formalmente aderisse ao cisma também seria culpado de ofensa, estando, assim, automaticamente excomungado. Apesar do fato de que a própria tradição, que a Fraternidade São Pio X diz defender, insistir que os católicos devem obedecer a decisões disciplinares da Sé Apostólica e de que não há recurso de tais decisões (Vaticano I, Constituição Dogmática, Pastor Aeternus, cap. 3), a FSSPX apressou-se para tentar encontrar uma justificação inexistente para as ações do Arcebispo Lefebvre. Entre as muitas e pretensas justificativas, a favorita era jogar com “as cartas do Direito Canônico”. Os canonistas não admitem a existência de um cisma como algo freqüente. Este tipo de pleito é atrativo em um primeiro momento, já que a maioria das pessoas estão acostumadas com um sistema jurídico interno onde os tribunais tem sempre a última palavra e, desta forma, crêem que o mesmo aconteça no tocante à lei da Igreja. O impacto desta forma de pleito é particularmente forte nos Estados Unidos, dado o papel do Supremo Tribunal Federal que é percebido como guardião da Constituição. No entanto, a lei da Igreja não é como o Direito Interno. Que isso esteja claro, parece ser óbvio, à luz do Vaticano I e da Pastor Aeternus, aos quais nos referimos anteriormente. Tendo em vista o grande desconhecimento da doutrina da Igreja, seria útil citar diretamente o documento:
“Ensinamos, pois, e declaramos que a Igreja romana, por disposição divina, tem o primado do poder ordinário sobre todas as outras, e que este poder de jurisdição do Romano Pontífice, que é verdadeiramente episcopal, é imediato; e a ela estão obrigados, por dever de subordinação hierárquica e de verdadeira obediência, os pastores e os fiéis de qualquer rito e dignidade, tanto cada um em particular, como todos em conjunto, não só nas coisas referentes à fé e aos costumes, mas também nas que se referem à disciplina e ao regime da Igreja espalhada por todo o orbe; de tal forma que, guardada a unidade de comunhão e de fé com o Romano Pontífice, a Igreja de Cristo seja um só rebanho sob um só pastor supremo [cf. Jo 10,16]. Esta é a doutrina da verdade católica, da qual ninguém pode se desviar, sem perda da fé e da salvação.”(grifo nosso)
Os Padres do Concílio Vaticano I declararam ainda que: “a ninguém é lícito pôr em questão o juízo desta Santa Sé, e que ninguém pode julgar de seu juízo, visto que não há autoridade acima dela.” Os Padres conciliares, em seguida, continuaram ao formular a inteireza deste ensinamento na forma de um cânone para que um anátema fosse anexado. Todo verdadeiro católico respeita este ensinamento. É a tradição da Igreja. Como prova disso, basta citar apenas o consistório de 10 março de 1418, em que o Papa Martinho V afirmou: “ninguém pode recorrer do juiz supremo, que é a sede apostólica ou o romano Pontífice, Vigário de Jesus Cristo na terra, ou pode diminuir a sua autoridade em matéria de fé. “
Esta doutrina, que obriga todos os católicos, é uma doutrina consagrada pelo Código de Direito Canônico: “O Bispo da Igreja de Roma, … Vigário de Cristo e Pastor da Igreja universal neste mundo; …. goza na Igreja de poder ordinário, supremo, pleno, imediato e universal, que pode exercer sempre livremente. “(Canon 331, grifo do autor). Além disso, “contra uma sentença ou decreto do Romano Pontífice não há apelação nem recurso. “. (cânon 333 [3])
Não há, então, nenhuma Suprema Corte acima do Papa. É o Papa quem possui poderes legislativo, executivo e judicial supremos. Porque ele é o legislador supremo da Igreja, ele não está legalmente respaldado por leis eclesiásticas do passado, mas por direito divino unicamente. Como o juiz supremo da Igreja, ele mesmo não é julgado por ninguém, porque não há maior juiz na terra do que ele. Ele tem o direito de decidir todas as disputas da Igreja, e não há recurso a um tribunal superior contra seu julgamento. Como Santo Agostinho famosamente colocou, “Roma locuta est, causa finita est.” Mas, como já dissemos anteriormente, não é a isso que a pessoa comum está acostumada. Pelo contrário, o que ele ou ela vê todos os dias, especialmente no sistema judiciário americano, são julgamentos aparentemente seguros sendo derrubados por um tribunal superior, até muitas vezes pela Suprema Corte que tem a palavra final. A lei e os advogados dizem o que se passa e, assim, geram a atração de alguns pareces de canonistas eminentes. E eles não são muito mais eminentes do que o Cardeal Rosalio José Castillo Lara.
O Cardeal Lara
Então, o que o cardeal Lara fala a respeito da questão do Arcebispo Lefebvre? E o que os apologistas da SSPX dizem que o Cardeal Lara diz? Bem, no que diz respeito a estes últimos, é fácil de descobrir. Basta para tanto basta dar uma olhada em quase qualquer artigo escrito em defesa da FSSPX (ou qualquer site pró-FSSPX; Nota do Editor), a fim de encontrar a referência inevitável sobre o cardeal, geralmente precedido por um comentário sobre suas grandes habilidades como canonista, algo que ninguém, muito menos os escritores atuais, negaria Após este comentário, o apologista da FSSPX vai continuar dizendo, em termos mais definitivos, que o cardeal Lara acredita que as consagrações episcopais por Dom Lefebvre em 30 de junho de 1988 não constituem um ato de cisma. Poderíamos dar muitos exemplos de tais declarações, mas uma seleção dos mais típicos devem bastar. Vamos começar com o (anterior; Nota Ed) Superior Geral da Fraternidade São Pio X, Pe Franz Schmidberger. Em seu panfleto, The Episcopal Consecrations of 30 June 1988 (London 1989), Pe. Schmidberger afirma que a visão do cardeal Lara é que as consagrações não se constituíram em um ato de cisma (p.47). No tocante aos bispos consagrados pelo Arcebispo Lefebvre basta apenas citar um deles, o Bispo Tissier de Mallerais. Mais uma vez, encontramos a mesma opinião expressa logo após as consagrações em uma carta aos Superiores do Distrito da FSSPX. Cardeal Lara é citado como autoridade para a visão de que “le sacre du Juin 30 n’est pas un acte schismatique [N.T.: a sagração de 30 de junho não é um ato cismático]“ (Lettre circulaire No.50 aux sup. de districts, …, Rickenbach, 15 setembro de 1988).
A mesma abordagem pode ser encontrada quando se passa dos membros de fato da FSSPX para seus apoiadores. Por exemplo, um tal de Frank Denke, escrevendo na edição de The Angelus de julho de 1990, a revista interna da FSSPX, repete a mesma linha partidária. Outro apologista, Teodoro Dominguez, novamente no Angelus, desta vez em março de 1993, segue a mesma versão, apenas para o caso dos leitores não terem ainda entendido a mensagem. O primeiro cita a sua fonte, o que não constitui uma surpresa por ser o Panfleto do Pe. Schmidberger anteriormente mencionado. O segundo não faz qualquer menção.
Michael Davies
Inevitavelmente sobre uma questão deste tipo, como acontece com qualquer pergunta, de qualquer espécie sobre a SSPX, o decano dos apologistas da FSSPX, Michael Davies, teve que se manifestar. Isto se deu na forma de um artigo, “Who is Schismatic? [N.T.: Quem é cismático?]”. A Parte II que foi publicada (a parte relevante neste contexto) na edição de dezembro de 1990 do The Angelus (mais um artigo sobre cisma, pode-se perguntar: Será que FSSPX nada mais tem para escrever?!). Curiosamente, e ao contrário da maioria dos outros escritores, Davies cita integralmente o Cardeal Lara. Tratamento que Davies dispensa a este assunto vale a pena ser considerado com certo detalhe, pois é muito esclarecedor sobre todo o assunto da apologética da FSSPX e sua metodologia.
Após a genuflexão de praxe à grande capacidade do Cardeal Lara como um canonista (“Seria difícil imaginar uma opinião mais autorizada” [p.201]), Davies faz uma citação direta da edição de 10 de julho de 1988, do jornal italiano, La Repubblica, no qual é dito que o Cardeal Lara teria tecido comentários sobre as consagrações episcopais Aqui está o que o Cardeal Lara supostamente teria dito, de acordo com a citação no artigo de Davies.:
“O ato de consagrar um bispo (sem mandato papal) não é em si um ato cismático. Na verdade, o código que lida com crimes é dividido em duas seções. Lida com crimes contra a religião e a unidade da Igreja, e estes são a apostasia, o cisma e a heresia. Consagrar um bispo com [sic] um mandato papal é, pelo contrário, uma ofensa contra o exercício de um ministério específico. Por exemplo, no caso das consagrações realizadas pelo Arcebispo vietnamita Ngo Dinh Thuc em 1976 e 1983, embora o arcebispo tenha sido excomungado, ele não foi considerado como tendo cometido um ato cismático, porque não havia qualquer intenção de uma ruptura com a Igreja “.
Esta citação tornou-se algo como que um texto sagrado nos meios da SSPX. Ela é frequentemente citada, quando a questão do cisma e a FSSPX vem a baila e aparece em escritos posteriores, particularmente no artigo do Pe. David Belland sobre cisma (sim, mais um!) na edição de Maio de 1993 no The Angelus (p.23).
Mas, voltemos ao artigo de Michael Davies. A justificativa para o uso da citação das palavras do Cardeal Lara é bem patente. A tese central do artigo de Davies é, claro, que o Arcebispo Lefebvre não é um cismático. Davies começa nesta seção do artigo, afirmando: “Os canonistas sem o mínimo resquício de simpatia por Monsenhor Lefebvre repudiaram a acusação de cisma feitas contra ele como totalmente insustentável.” (Op cit, p.20). Ele, então, faz referência ao Cardeal Lara, um canonista, claro, em relação a vários assuntos relacionados com a questão do cisma. Davies então conclui dizendo que não há qualquer fundamento no Direito Canônico para acusar o Arcebispo Lefebvre do delito de cisma. Portanto, é inevitável que, em vista do que Davies tem escrito até o momento, que seus leitores só possam inferir que o cardeal Lara seja também da opinião de que não há cisma no caso Lefebvre.
Então, qual é a verdade sobre o cardeal Lara? É ele, de fato, um discreto apologista de Lefebvre, talvez uma dessas pessoas em altos postos eclesiásticos que sempre ouvimos falar que a FSSPX tem a seu favor? Os leitores devem se lembrar dos eternos relatos sobre isto. Estes homens, dizia-se, eram simpatizantes do Arcebispo Lefebvre privadamente, mas não estariam preparados, ou não seriam capazes, de agir em público, de acordo com o que estariam convencidos. Sobre se o Cardeal Lara era um lefebvrista encoberto, que agora estaria pronto para sair publicamente em defesa da SSPX, os atuais escritores seriam naturalmente céticos, embora um pouco curiosos. É claro que, como vimos anteriormente, uma vez que se entende a verdadeira doutrina católica sobre o primado papal, e vê a falsidade da versão divulgada pela FSSPX, em que todas as decisões papais são objecto de avaliação, percebe-se que as opiniões de um cardeal, por mais eminente que seja, não pode ficar contra uma decisão clara por parte do Vigário de Cristo, Sucessor de São Pedro. No entanto, como também vimos anteriormente, uma vez que as pessoas não possuem uma verdadeira compreensão do papel que a lei desempenha na vida da Igreja, pareceres jurídicos individuais assumem uma vida própria e são susceptíveis de ser usadas como um suposta justificativa para desobedecer as autoridades da Igreja. E com base nisso, o que o Cardeal Lara parecia dizer, passou a fornecer algum incentivo para essas pessoas. No entanto, poderia isto realmente ser o caso de um homem prestes a ocupar a posição de Presidente do Pontifício Conselho para a Interpretação dos Textos Legislativos, fosse da opinião de que o texto principal, no caso de Lefebvre, a Carta Apostólica emitida pelo Papa João Paul II, sob o nome de Ecclesia Dei, estar errado em suas principais conclusões Certamente que não. Há, no entanto, o que parece ser uma maneira óbvia para se descobrir. Por que não perguntar ao próprio cardeal? Ele estava certamente na melhor posição para se conhecer o que ele disse, se alguma coisa na ocasião em questão foi dita. O outro passo óbvio para se tomar era descobrir se o relato dos comentários do cardeal contidos no La Repubblica constavam com mesmos termos que no artigo Michael Davies. Então decidimos fazer algumas perguntas. O resultado ao fazê-los foi interessante – para dizer o mínimo.
O verdadeiro cardeal Lara corrige o erro
A primeira coisa que fizemos foi escrever ao Cardeal Lara, explicando-lhe que ele estava sendo citado em artigos, em que ele – Cardeal Lara – teria dito que o Arcebispo Lefebvre não estava em cisma, e pedindo-lhe para esclarecer exatamente o que ele havia afirmado na ocasião em questão. A resposta do Cardeal Lara foi a seguinte:
“O senhor traz a minha atenção um assunto de importância ao perguntar se eu poderia reportar-lhe exatamente o que eu disse na entrevista de 10 de julho de 1988. A substância do que eu disse é o seguinte:.’No caso de Lefebvre e os quatro sacerdotes consagrados bispos por ele, há dois delitos, canonicamente falando, que cometeram. O delito fundamental é aquele de cisma, isto é, a recusa de submissão ao Romano Pontífice e ruptura de comunhão com a Igreja. Este delito eles já tinham cometido anteriormente. Só que agora, o segundo delito, aquele da consagração de bispos, formaliza e, em certo sentido, concretiza o primeiro, e torna-o explícito. O cisma é um delito que pode ser pessoal. Não necessita ter um número de pessoas. Os indivíduos podem cometê-lo por conta própria. Lefebvre e seus seguidores, na medida em que eles se recusaram submeter-se ao Papa, já estavam, por este ato em si, em cisma. A intenção do ato de consagrar bispos já é a criação de uma igreja com sua própria hierarquia. Neste sentido, a consagração de bispos se torna um ato de cisma. Deve-se ter em mente, no entanto, que o ato de consagrar bispos não é em si um ato cismático. De fato, no Código, em sua parte em que trata das penas, estes dois são tratados em duas vertentes distintas. Há delitos contra a religião e a unidade da Igreja. E estes são apostasia (ou seja, renunciar à fé), cisma e heresia. Consagrar um bispo sem mandato pontifício é, por outro lado, um delito contra o bom exercício do ministério. Por exemplo, houve uma excomunhão do arcebispo vietnamita, Ngo Dinh Thuc em ’76 e ’83 devido a uma consagração episcopal, mas não foi considerado um ato cismático, porque não houve intenção de romper com a Igreja. Ngo Dinh Thuc representa uma situação lamentável, já em que há algum tipo de desequilíbrio mental.
Com relação à Econe, Lefebvre e os quatro sacerdotes estão sob duas excomunhões: uma pelo delito de cisma e a outra, reservada à Sé Apostólica, pelo delito de consagrar um bispo sem mandato pontifício.’ Espero que isto lhe seja útil.” (Carta a John Beaumont, de 26 de maio de 1993).
Em seguida, obtivemos uma cópia do relato no La Repubblica. Descobrimos que a declaração do Cardeal Lara a nós enviada era virtualmente palavra por palavra do que ele teria dito pelo La Repubblica (neste último o Cardeal em seguida passou a responder a outras perguntas que lhe foram colocadas por um jornalista sobre o caso Lefebvre).
Agora compare afirmação do Cardeal Lara com suas palavras como relatado por Michael Davies, tendo em conta que, como vimos, o propósito expresso do artigo de Davies é estabelecer que o Arcebispo Lefebvre não estava em cisma. O que aconteceu é que na versão Davies, duas passagens vitais foram omitidas, aquela que vem antes da passagem que ele cita e aquela que vem depois. Surpreendentemente, ou talvez não, em ambas dessas outras passagens o Cardeal Lara afirma sem quaisquer reservas que o Arcebispo Lefebvre cometeu o delito de cisma. Assim, a declaração do Cardeal que é usada para levar a uma conclusão obrigatória de que não há cisma, resulta exatamente em seu oposto.
Michael Davies é confuso
O que será, pode-se perguntar, que Michael Davies tem a dizer sobre este assunto? Nós escrevemos para ele para descobrir e recebemos uma resposta muito interessante. Ao avaliá-la devemos declarar, em primeiro lugar, que não temos nenhuma razão para duvidar de sua declaração para nós de que a citação que ele usou foi tomada a partir de “um jornal francês”, onde ela foi publicada igualmente de forma resumida. O que é preocupante, porém, é sua afirmação de que: “Observo, primeiramente, que ele [o Cardeal Lara] não nega a declaração que eu atribuí a ele no The Angelus” (carta a John Beaumont, de 11 junho de 1993). Posteriormente, ele acrescenta: “Como o Cardeal reiterou seu testemunho em sua carta a você, eu gostaria de saber exatamente qual é a falsa impressão dada como resultado do uso dessa citação no meu artigo” (Ibid).
Esta expressão de perplexidade por Michael Davies é surpreendente. Certamente é óbvio que existe uma falsa impressão dada e que ela é causada pela omissão das passagens vitais que ocorrem antes e depois da passagem citada por Davies. O “antes” e “depois” define o que o Cardeal Lara diz em seu verdadeiro contexto. Atente para o que o Cardeal de fato diz. Ele começa afirmando que, no caso Lefebvre há dois delitos, o fundamental é aquele de cisma (isso por si só é o diametralmente oposto à tese do artigo de Davies). Em seguida, ele explica exatamente o que é um cisma e discute vários aspectos desse delito. Ele, então, conclui com uma afirmação final categórica de que o Arcebispo Lefebvre e os quatro bispos cometeram o delito de cisma. Davies, portanto, omite duas declarações absolutamente explícitas do Cardeal Lara completamente contrárias à sua tese e ainda, apesar de tudo isso, alega estar perplexo que alguém possa alegar que ele tinha dado uma falsa impressão em seu artigo.
De acordo com Michael Davies, então, é legítimo tirar de uma citação aquelas palavras que, quando citadas isoladamente, superficialmente parecem apoiar a sua tese, e ignorando o texto circundante. Será que isso significa, então, que a polícia, quando no depoimento de um suspeito investigado por assassinato diz: “Eu o atingi sim, mas foi em legítima defesa“, têm o direito de omitir a segunda sentença e colocar deliberadamente a primeira como uma confissão completa de culpa? Claro que não. Ao ler a abordagem de Michael Davies a esta questão os atuais autores são lembrados de Alice no País dos Espelhos de Lewis Carroll. Para Davies não só é “Quando eu uso uma palavra ela significa exatamente aquilo que eu quero que signifique“, mas “Quando você usa uma outra palavra, eu posso simplesmente ignorá-la ao meu bel-prazer.” (ver Alice no País dos Espelhos, Cap. 6).
A defesa de Michael Davies foi a alegação de que a declaração que ele usou do Cardeal Lara era “para reforçar o argumento que eu defendia de que consagrar um bispo sem mandato papal não é em si um ato cismático” e que este era o “tema preciso” que ele estava discutindo em seu artigo. Mas, mais uma vez, isso é enganoso. Citamos novamente o que Davies escreve no parágrafo imediatamente antes daquele relacionado ao Cardeal Lara: “Canonistas sem o mínimo traço de simpatia por Monsenhor Lefebvre repudiaram a acusação de cisma feitas contra ele como totalmente insustentável.“. (op cit, p 20).
Além disso, como vimos, a tese fundamental do artigo não era se consagrar um bispo sem mandato papal seria um ato intrinsecamente cismático, mas se Arcebispo Lefebvre estava em cisma; e sobre esta questão Cardeal Lara tem algo importante a dizer, que o leitor pode não conhecer.
Michael Davies sobre o cisma
A abordagem de Michael Davies sobre a questão do cisma é bem estranha. Davies parece estar obcecado com a questão da distinção entre cisma e consagração de um bispo sem mandato papal, argumentando, ao que parece, que os dois jamais poderiam guardar uma correspondência.
Em um dado ponto de nossa correspondência, ele afirmou que consagrar um bispo sem mandato papal “não é um ato cismático“. Em outra ocasião, ele escreveu que “não é em si mesmo um ato cismático”, nem ”um ato intrinsecamente cismático”. A primeira afirmação não é nada do que foi dito pelo Cardeal Lara. Também é incorreto como uma proposição geral. A segunda e terceira afirmações são verdadeiras, mas Davies cai em erro ao concluir que o que se entende por elas é que tal consagração nunca pode ser considerada como um ato cismática. Este definitivamente não é o caso.
O Cardeal Lara não está dizendo (e nem a Igreja) que consagrar um bispo sem mandato papal nunca possa ser um ato de cisma. Tudo o que ele está dizendo é que tal consagração não é sempre automaticamente um ato cismático. Como é claro, o cisma é, inter alia, a recusa de submissão ao Papa em uma questão relativa à unidade da Igreja. Teólogos têm mostrado que consagrações sem mandato papal podem ser realizadas em certas emergências muito bem definidas, sem atacar a unidade da Igreja (esta tentativa foi proposta por defensores da FSSPX em 1988, ao usar esses casos, até que se tornou claro que nenhuma delas se aplicavam).
No entanto, como o Santo Padre destacou na Ecclesia Dei a consagração de bispos em que a sucessão apostólica é sacramentalmente, perpetuada, é uma questão de importância capital para a unidade da Igreja. Como resultado, portanto, a consagração sem mandato papal normalmente equivale a um ato cismático. Tal ação é uma prova de cisma, e é especialmente forte a evidência de que, como no caso do Arcebispo Lefebvre, as consagrações não estavam apenas na ausência de um mandato papal, mas também contra a vontade expressa do Papa transmitida ao Arcebispo Lefebvre nos termos mais formais e sérios.
Em um ponto de sua correspondência com a gente, Michael Davies fez uma espécie de correção. Ele reconheceu que, se tivesse acesso à declaração completa do Cardeal Lara na época em que escreveu seu artigo, ele teria precedido a citação com algo nos seguintes termos: “embora ele sustente que Monsenhor Lefebvre já fosse cismático antes das consagrações, o Cardeal Lara aceita que o ato de consagrar.. etc “.
Infelizmente, isso é mais uma vez ilusório. Em primeiro lugar, a referência a um possível cisma antes de 30 de junho de 1988, desvia-se da clara afirmação do Cardeal que no dia 30 de junho “a consagração de bispos torna-se um ato de cisma.” Em segundo lugar, a idéia toda do cisma como algo que sempre se liga e se desliga em um determinado instante no tempo é um erro, embora seja algo que os “tradicionalistas” estejam curiosamente propensos. O cisma é algo que cresce. Pode impregnar uma pessoa ou uma organização e desenvolver-se ao longo de um período de tempo. Que este seja, de fato, o caso que pode ser mostrado, ironicamente, por uma leitura dos próprios escritos de Michael Davies. Que o Arcebispo Lefebvre e sua organização foram tratados por Roma como tendo tendências cismáticas desde remota data pode ser visto a partir das seguintes citações, todas tomadas dos Volumes 1 e 2 da Apologia Pro Marcel Lefebvre de Davies:
“O que realmente está em causa é a questão – que deve realmente ser considerada fundamental em vossa recusa claramente proclamada de reconhecer, no seu todo, a autoridade do Concílio Vaticano II e do Papa. Esta recusa é acompanhada por uma ação que está orientada para propagar e organizar o que deve, de fato, infelizmente, ser chamado de rebelião.” (carta do Papa Paulo VI ao Arcebispo Lefebvre, 11 de outubro de 1976).
“Não podemos, portanto, levar vossos pedidos em consideração, pois é uma questão de fatos que já foram cometidos em rebelião contra a única verdadeira Igreja de Deus.” (Ibid).
“Ore para o Espírito Santo, querido irmão. Ele mostrar-vos-á as renúncias necessárias para ajudá-lo a entrar novamente no caminho de uma plena comunhão com a Igreja e com o sucessor de Pedro”.(carta do Papa Paulo VI ao Arcebispo Lefebvre, 08 de setembro de 1975).
“É tão doloroso tomar conhecimento disto, mas não podemos deixar de ver em tal atitude seja qual for as intenções dessas pessoas o colocar-se fora da obediência e da comunhão com o Sucessor de Pedro e, portanto, fora da Igreja.” (Alocução durante o Consistório Público pelo Papa Paulo VI, 24 de maio de 1976).
“Nós vos admoestamos com todas as nossas forças: não agraveis o mau exemplo dado por vossa atitude, não torne a vossa ruptura irreparável com a unidade e a caridade da comunhão católica.” (carta do Papa Paulo VI ao Arcebispo Lefebvre, 20 jun 1977).
“Se vossas palavras são tomadas em seu sentido pleno, não há justificação para dizer que vós vos recusais, ou estais prontos para recusar a comunhão com os membros da Igreja sujeitos ao Papa?” (anexo à carta do Cardeal Seper ao Arcebispo Lefebvre, 28 de janeiro de 1978).
“[A] Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé considera que, por vossas declarações sobre a submissão ao Concílio e às reformas pós-conciliares de Paulo VI – declarações com as quais todo o vosso comportamento e, especialmente, vossa ordenação ilícita de sacerdotes estão de acordo – vós caístes em grave desobediência, e que todas essas declarações e atos, pela própria lógica deles, levam ao cisma”. (Ibid)
Qual é, então, o verdadeira quadro? Ele pode ser expresso da seguinte forma: a) A Sé Apostólica reconheceu no Arcebispo Lefebvre e na FSSPX, a partir de meados da década de 1970, um espírito cismático; b) Mesmo manifestando essa mentalidade e prática cismáticas, no primeiro momento o Arcebispo Lefebvre não chegou ao ponto de romper formalmente a unidade com a Igreja. De fato, em seu livro, Carta Aberta aos Católicos Perplexos, escrito em 1986, Lefebvre deliberadamente indicou uma outra via e não a da consagração sem mandato papal; c) em 1988, o Arcebispo Lefebvre procedeu à “ruptura definitiva”, como colocado pelo Cardeal Ratzinger em uma carta para ele um ano antes. O que as consagrações de 1988 contra a vontade expressa do Papa fez foi, por assim dizer, concretizar e tornar explícito o que antes estava implícito, a saber, que a FSSPX, enquanto reconhecia da boca para fora a autoridade do Papa, recusava a submissão a ele, o que é exigido dos fiéis católicos. O Cardeal Lara expressa isso em sua carta para nós. O cisma, portanto, não é um simples conceito jurídico – ausente um dia e presente no outro dia – mas é uma realidade factual que se desenvolve até que, finalmente, tornar-se formalizado em um ataque em especifico contra a unidade da Igreja.
A Sociedade de São Pio X se recusa a contar a verdade
A correspondência com Michael Davies, em seguida, apresentou uma declaração por ele feita sobre a verdadeira posição a respeito Cardeal Lara não diferente. Outras tentativas por parte do escritor para contar a verdade não obtiveram maior sucesso. O editor do The Angelus acolheu a nossa carta (e a posterior reiteração) com um silêncio sepulcral; nem mesmo a cortesia de uma resposta. Bispo Richard Williamson, a partir de sua base de poder em Winona, mostrou-se um pouco mais próximo, mas não muito. O bispo agradeceu a nossa carta e disse apenas que “foi dada a devida atenção antes de ser arquivada para referência futura”. Bem, pelo menos ele respondeu e vamos continuar a vasculhar as páginas do The Angelus por qualquer evidência de que a nossa carta foi “dada a devida atenção” (desde de dezembro de 1993, não há nada para se relatar).
O Bispo Tissier de Mallerais tomou uma linha um pouco diferente. Sua resposta foi a seguinte: “De acordo com o Cardeal Castillo Lara, as consagrações episcopais sem mandatum de Roma não é um ato cismático em si mesmo: isto é o que disse o cardeal em La Repubblica Esta declaração é suficiente para nós…”. (carta a John Beaumont, de 30 de Dezembro de 1993).
Que “esta declaração é suficiente” para ele não é de surpreender, uma vez que distorce completamente a importância do que o Cardeal Lara está tentando dizer. O Bispo Tissier de Mallerais está pronto para citar o Cardeal Lara quando este lhe serve de argumento a favor do caso da FSSPX. Quando, no entanto, o Cardeal expõe seus pontos de vista autênticos, o Bispo Tissier de Mallerais se recusa a se convencer. A atitude da FSSPX parece ser de acolher com boas-vindas as testemunhas que parecem apoiá-los. No entanto, essas mesmas testemunhas são tratados como não-pessoas, quando sua verdadeira posição – quando contra a FSSPX – emerge. As observações que fizemos sobre Michael Davies aplicam-se com a mesma clareza aqui também.
Finalmente sobre a questão de corrigir os erros e apresentar a verdade, chegamos a Teodoro Dominguez, que se empenhou na obtenção de uma calorosa homenagem de Michael Davies ao lado do seu artigo no The Angelus, em que Davies se referiu à “abordagem destemida do Advogado Dominguez em defesa da fé “. E a resposta deste destemido defensor da fé às nossas perguntas? Silêncio. Nem uma palavra. Esperemos que pelo menos Michael Davies o tenha por ele respondido com a versão Davies de uma retratação. Isso seria melhor do que nada, embora não muito melhor.
Cardeal Lara aparece na Irlanda
O caso do Cardeal Lara até o momento parece não ter acabado. Acreditávamos que, mesmo que não tivéssemos sido favorecidos com uma resposta da Fraternidade São Pio X e seus vários apologistas, a mensagem obrigatoriamente deveria ter sido enviada para esses círculos que não obtiveram maiores benefícios com o caso Lara.
Como fomos ingênuos. Deveríamos ter percebido que, se uma mentira é repetida muitas vezes ela pode ter mais influência sobre as pessoas do que a verdade. A realização final disto surgiu de onde menos esperávamos: da Irlanda. Um padre da FSSPX que trabalhava na Irlanda, enviou uma carta a um amigo nosso. Juntamente com a carta estava um livreto contendo a propaganda habitual da SSPX em defesa de suas ações. Isso teria sido nada fora do comum, exceto pelo notável fato de que, de acordo com o sacerdote, o livreto tinha sido tido “a aprovação do (adivinhe quem?) Cardinal Lara!“
Por incrível que pareça, o sacerdote acrescentou que o livreto foi escrito por “um homem da Opus Dei.” No que diz respeito a este último, não temos nenhuma evidência real, mas parece mais provável que o falecido aiatolá Khomeini apoiaria a SSPX do que um membro da Opus Dei. Podemos, no entanto, comentar com algum grau de confiança sobre a questão de saber se o Cardeal Lara emprestou seu nome a uma cartilha da SSPX, porque lhe escrevemos e lhe perguntamos. Recebemos outra carta em resposta. Desta vez, o Cardeal, sem dúvida cansado de ter seu nome tomado em vão por um grupo cismático, respondeu por meio de seu assistente pessoal, Pe. Joseph Fox, OP. A mensagem foi bem clara: “Como o senhor já tem conhecimento por meio da última correspondência com Sua Eminência, ele não é um defensor das atividades divisionistas do falecido e excomungado Arcebispo Lefebvre ou seus seguidores …. Ele gostaria que o senhor soubesse que ele nunca deu sua aprovação para as publicações daqueles associados com o movimento de Lefebvre e nem tem qualquer intenção de fazê-lo no futuro “. (carta a John Beaumont, datada de 18 de novembro de 1993)
Nós não temos nenhuma dúvida de que os leitores não vão se surpreender com a reação da SSPX a esta mais recente tentativa do Cardeal Lara em contar a verdade. É claro que não sabemos se a FSSPX na Irlanda publicou alguma correção sobre a informação estampada no livreto. Não temos acesso à sua literatura na Irlanda. Tudo o que podemos dizer é que, quando escrevemos ao padre em questão, anexando a carta do escritório do Cardeal Lara, recebemos a mesma resposta que sempre recebemos desses valentes defensores da “tradição”. Sim, o silêncio.
Vale a pena refletir um pouco mais sobre este caso. Em certo sentido, pode ser visto como um desenvolvimento no processo de desinformação empregado pela FSSPX. No primeiro caso envolvendo o uso de seu nome, o Cardeal Lara diz algo sobre um assunto e é citado erroneamente. Há, então, um mal-entendimento sobre o que ele diz. No segundo caso, no entanto, o Cardeal não diz absolutamente nada e a FSSPX inventa algo como se ele tivesse dito. Só se pode perguntar, onde isso vai acabar? Será que vai ser dito por Clemente Dominguez, o denominado o Papa Gregório XVII em Palmar de Troya, que o Cardeal Lara reconhece como Papa? Certamente, onde quer que o “tradicionalismo” esteja envolvido, nada nos surpreende mais. O Tradicionalismo no mínimo se igualou, se não tiver superado, o protestantismo na produção de bizarrices.
Um outro canonista deturpado
Os leitores que examinaram detalhadamente a literatura da SSPX deve ter notado que quando a FSSPX joga a carta Direito Canônico muitas vezes joga-o no plural, no sentido de que a referência habitual ao Cardeal Lara é muitas vezes complementado por nomes de outros canonistas. Apesar de não ser naturalmente desconfiado, aprendemos que “gato escaldado tem medo de água fria”, por isso, decidimos escrever a um deles para investigar as suas credenciais lefebvrianas. Foi o caso do Professor de Direito Canônico na Universidade de Munique, Professor Geringer. A autoridade deste último é reconhecida pelo Pe. Schmidberger no folheto referido anteriormente. O professor foi citado como tendo dito em uma entrevista de rádio em 30 de junho de 1988, que “com as consagrações episcopais o Arcebispo Lefebvre não estava de forma alguma criando um cisma, a menos que ele, de fato, estivesse com a intenção de fundar sua própria igreja” (op cit, p. 47). O Professor Geringer também recebe o aceno de aprovação da trindade Davies, Dominguez (Teodoro, e não o Clemente de Palmar de Troya) e Denke, embora apenas o segundo e o terceiro refiram-se a ele expressamente, recorde-se que o artigo do Sr. Dominguez recebeu o imprimatur de Michael Davies. De acordo com Frank Denke, Professor Geringer não tem quaisquer dúvidas sobre a questão do cisma. Ele é citado como tendo dito que “com as consagrações episcopais o Arcebispo Lefebvre não estava de forma alguma criando um cisma” (op cit. p. 9, ênfase como no original). A versão de Teodoro Dominguez simplesmente lista o professor, juntamente com o Cardeal Lara como apoiando a visão de que o Arcebispo Lefebvre não é cismático.
Tal como acontece com o caso do cardeal Lara, no entanto, a versão dada pelo Professor Geringer foi muito diferente. Em sua carta para nós, ele expressou sua posição como se segue: “Eu gostaria de dizer que na época em uma entrevista à rádio eu explicitamente declarei que através da consagração dos quatro bispos por Lefebvre o cisma tornou-se definitivo e que Lefebvre e seus adeptos haviam perdido todos os seus direitos dentro da Igreja.” (carta a John Beaumont datado 17 de agosto de 1993).
Professor Geringer passou a esclarecer que na entrevista em questão, ele também tinha se ocupado da necessidade do erro moral antes de incorrer em uma pena e a questão de uma atenuação da pena, onde as ações são feitas com base na convicção pessoal. Ele conclui sua carta, no entanto, com a afirmação de que “não pode haver dúvida de que Lefebvre e seus seguidores são de fato cismático”.
Pois bem, e a resposta da Fraternidade São Pio X? Bom, tendo escrito duas vezes ao editor do The Angelus sobre a liberalidade no uso de Lara sem qualquer resposta, decidimos deixar passar essas e otimizar a correspondência. A resposta um tanto breve do Bispo Williamson à questão Lara era evidentemente também para aquela de Geringer, uma vez que a ele fora enviado os dois conjuntos de correspondências. Não houve nada de Dominguez, nem de Michael Davies desta vez (exceto um muito obrigado). No entanto, o bispo Tissier de Mallerais surgiu com uma nova tática. Citamos a seção relevante de sua carta:
“Para Professor Geringer, em 1988, sobre as consagrações episcopais de Mons. Lefebvre,’não há a igreja de Lefebvre.’ E, por essa razão, segundo ele, os fiéis ao aderir a ele ainda são católicos.” Ele acrescenta: “‘Se, um dia, Lefebvre vier a fundar uma igreja independente de Roma, e se aqueles que quiserem aderir a ele, aí seria outra coisa‘” (carta a John Beaumont, de 30 de Dezembro de 1993).
O Bispo Tissier de Mallerais coloca sua fé na versão de 1988 do Geringer. Ora, nós não temos acesso a uma gravação ou transcrição da entrevista do rádio. Não sabemos o que o Professor Geringer disse naquela ocasião. Sabemos, no entanto, o que professor afirma agora de ter dito então. Talvez seja verdade, talvez não. Há um conflito. Mas o que está claro é que a declaração do professor é uma peça de evidência que o investigador deve ter o direito de levar em conta. A tática do Bispo Tissier de Mallerais de divulgar apenas uma versão impede que isso aconteça.
Mas, vamos considerar o argumento de que o Professor Geringer tenha mudado de idéia sobre estas questões, entre 1988 e hoje. Isso significa que não se deva dar qualquer credibilidade aos seus pontos de vista atuais? Antes afirma-se que este é o caso, a SSPX deve andar com muito cuidado. Alguém deveria lembrar-lhes que em 05 de maio de 1988, o Arcebispo Lefebvre aceitou e assinou um determinado protocolo com o Cardeal Ratzinger. Muito pouco tempo depois, o Arcebispo renegou este acordo. Os defensores da SSPX, sem dúvida, afirmariam que o Arcebispo estava certo em sua ação posterior. Mas, sobre a abordagem do Bispo Tissier de Mallerais, não temos de dizer que a decisão original de Dom Lefebvre era o caminho correto e que sua ação posterior deveria ser rejeitada? Esperemos que o Bispo Tissier de Mallerais venha a aceitar a lógica de seu próprio raciocínio, porque isso poderá capacitá-lo a voltar para a Igreja Católica. O ponto chave aqui com certeza é que a Fraternidade São Pio X e seus apologistas continuam a afirmar que o Professor Geringer acredita que não há cisma quando claramente não é verdade.
Conclusão
O que os fatos que nós trouxemos neste artigo dizem sobre a FSSPX? Primeiro de tudo, eles mostram claramente que a FSSPX e seus defensores têm interpretado mal e destorcido as palavras do Cardeal Lara (nos concentramos no mais eminente desses canonistas). Em segundo lugar, quando isso foi evidenciado para essas pessoas, que não conseguiram retratar seus erros ou corrigi-los. Em terceiro lugar, todo este caso ilustra até que ponto a FSSPX está comprometida com a verdade.
Somos forçados a concluir que ela está mais interessada em propaganda do que nos fatos. A FSSPX jamais em um milhão de anos apelaria a uma Comissão Romana como o Concelho para a Interpretação de Textos Legislativos. Mas, quando se acredita que o presidente desse Conselho disse algo que apoia o seu caso, ele é citado várias vezes por partidários da FSSPX. No entanto, quando a verdade é conhecida, a mesma falsa propaganda é divulgada independentemente, ou o Cardeal Lara é posto de lado como se ele nunca tivesse existido. Há tons de stalinismo aqui, onde as figuras, que uma vez eram vistas como parte de um movimento e que são posteriormente tratadas como não-pessoas. É evidente que o Cardeal Lara só é importante na medida em que ele apoia a FSSPX neste caso. O grupo de Lefebvre, e a sua sobrevivência, são os critérios agora. A verdade fica em um segundo plano muito apagado.
Toda a abordagem da FSSPX é resumida por Michael Davies em seu artigo no The Angelus, quando escreveu que “seria difícil imaginar uma opinião mais autorizada” do que a do Cardeal Lara. O triste de Michael Davies e de outros tradicionalistas não é apenas que eles interpretam mal o bom cardeal, mas que eles não conseguem saber o que todo católico sabe. Isto é, o fato de que não é difícil imaginar uma voz mais autoritário do que o cardeal Lara. Como católicos nós conhecemos e temos a voz de Pedro, Vigário de Cristo, e em todo esse episódio trágico ele falou. Isto evidencia a condição a qual o tradicionalismo chegou em que vê o seu dever como sendo o desobedecer e se opor ao ensino papal. A ironia aqui é que a FSSPX acabou repudiando a própria tradição que afirma querer mais zelosamente manter.
John Beaumont é o Conferencista Principal em Direito pela Universidade Metropolitana de Leeds.
John Walsh é graduado em história pela Universidade de Leeds e concluiu recentemente mestrado em Teologia.
FONTE
John Beaumont and John Walsh. The Story of the Vanishing Schism: The Strange Case of Cardinal Lara (From the March 1994 issue of Fidelity magazine) – Disponível em: http://www.culturewars.com/CultureWars/Archives/Fidelity_archives/SSPX9.htm
PARA CITAR
BEAUMONT, John.; WALSH, John. A História do Cisma Desaparecido: O estranho caso do Cardeal Lara – Disponível em: <http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/concilio-vaticano-ii/diversos/726-a-historia-do-cisma-desaparecido-o-estranho-caso-do-cardeal-lara>. Desde: 20/09/2014. Tradução: JBF.