Terça-feira, Dezembro 3, 2024

É bíblica a missa? Parte I

Há muito tempo eu quis escrever sobre este tema. Resolvi escrever este texto devido o fato de alguns Protestantes Neopentecostais e Pentecostais afirmarem peremptoriamente que Jesus nunca mandara rezar missa! Pasmem! Embasados no dogma do Sola Scriptura criado por Martinho Lutero no seu escrito “A Liberdade de um Cristão” de 1520, negam qualquer interpretação ou aplicação da Sagrada Escritura que não esteja nela mesma prevista. Aqui já há um problema de frente: A premissa Protestante Neopentecostal e Pentecostal para se negar a missa, parte do pressuposto dogma luterano que não está na Bíblia mas, em um escrito de Martinho Lutero. Mas, vamos fazer de conta que aceitamos o erro formal da premisssa protestante e vamos nos perguntar: a missa é bíblica?

 

[Sobre a doutrina da Sola Scriptura ler mais aqui: Link1Link 2Link 3]

 

Levando adiante o pressuposto Protestante Neopentecostal e Pentecostal, nem o dito “culto” ali realizado o poderia ser, pois, Jesus ensinou apenas três formas de orar segundo a Sagrada Escritura: A primeira, pública, utilizando o Pai-Nosso (cf. Mt 6,9-13; Lc 11,2-4). O segundo modo que Jesus ensina orar é em particular, entrando para o quarto (metáfora para coração) e orando ao Pai como está em Mt 6,5-6. Há um terceiro modo que Jesus utiliza para orar: Ele toma o pão, abençoa, dá graças, reparte o pão e o entrega aos seus. A este modo particular a Igreja chamou Eucaristia “porque as palavras Eucharistein e Eulogein (Lc 22,19; 1Cor 11,24 e Mt 26,26; Mc 14,22 respectivamente) lembram as bênçãos judaicas que proclamam […] a criação, a redenção e a santificação” (Catecismo da Igreja Católica, doravante CIC, n. 1328). Os textos bíblicos nos evangelhos sinóticos que demonstram Jesus realizando Eucaristia são: Lc 24,30 (os discípulos de Emaús); Mc 6,41 que acrescenta: “elevou os olhos ao céu” (primeira multiplicação dos pães); Mc 8,6 (segunda multiplicação dos pães); Mc 14,22 (instituição da Eucaristia); Mt 14,19 (primeira multiplicação dos pães); Mt 26,26-29 (instituição da Eucaristia); Lc 22,14-20 (instituição da Eucaristia).

 

Este modo de orar foi ainda chamado de Ceia do Senhor “por se tratar da ceia que o Senhor fez com seus discípulos às vésperas de sua paixão” (CIC, n. 1329). Chama-se ainda “Assembléia Eucarística (gr. Synaxis) porque a Eucaristia é celebrada na Assembléia dos fiéis, expressão visível da Igreja” (CIC, n. 1329).

 

A Igreja ainda deu a este modo particular de orar, ensinado por Jesus, o nome de “Santo Sacrifício, Santo Sacrifício da Missa, Sacrifício de Louvor, Sacrifício espiritual, Sacrifício Puro e Santo, pois realiza e supera todos os sacrifícios da Antiga Aliança” (CIC, n. 1330).

 

Tem ainda, este modo próprio da Igreja orar o nome de Missa, pois, termina com o envio dos fiéis para a vida e a missão de anunciar o Cristo: “Ide…”, como Jesus no enviou a todos, somos por ele enviados ao término daquela ação litúrgica.
Sem me deter mormente no Sacramento Augustíssimo da Eucaristia que por si mesmo já pede outro texto, irei expor ainda que suscintamente a estrutura da Missa, Eucaristia, Ceia do Senhor… Antes, porém, devo responder a uma objeção que se impõe: Se não há na Bíblia mandato explícito para se celebrar a Missa, porque a Igreja o faz? Ela desobedece a Sagrada Escritura?

 

1. Há o mandato explícito de Jesus para os Apóstolos: “Fazei isto em minha memória”. (Lc 22,19; 1Cor 11,24). Tal mandato de Jesus não é para que se lembre, somente. Se assim o fosse, não teria São Paulo escrito: “Todas as vezes, pois, que comeis desse pão e bebeis desse cálice, anunciais a morte do Senhor até que ele venha” (1Cor 11,26). E ainda, se tal celebração fosse apenas para lembrar o que Jesus fez um dia, sem nenhum sentido sacramental, salvífico, São Paulo também não teria escrito: “Eis porque todo aquele que comer do pão ou beber do cálice do Senhor indignamente será réu do corpo e do sangue do Senhor. Que cada um examine a si mesmo antes de comer desse pão e beber desse cálice, pois aquele que come e bebe sem discernir o Corpo, come e bebe a própria condenação.” (1Cor 11,27-28). Ora, se o cálice que tomamos e o pão que partimos fossem meros vinho e pão não teríamos com o que nos preocupar, pois, um pão pode nos condenar? Uma alface pode nos tornar réus do Corpo do Senhor? O arroz que você come precisa ser comido somente depois de ter sido discernido? O suco de uva que você bebe só o poderá ser bebido se você estiver digno para tal? Um condenado à morte não come e bebe como o mais santo dos homens e, no entanto, a comida nada lhe acrescenta ou lhe tira. Se a Eucaristia fosse uma simples lembrança e o pão e o vinho, corpo e sangue do Senhor, meros enfeites e símbolos, então esta página da Sagrada Escritura seria inútil e São Paulo um desentendido das coisas do Senhor e, portanto, indigno de qualquer crédito (cf. 1Cor 11,23).

 

2. A Igreja obedece o que a Tradição e a Sagrada Escritura afirmam, pois, uma complementa a outra.

 

(ops, já vejo um Pentecostal ou Neopentecostal gritar: Mas a Tradição é coisa de homens e não se pode aceitar doutrinas humanas… blá… blá… blá… Cale-se, irmão. É humana a doutrina de Lutero da Sola Scriptura e você a segue sem questionar! Use outro argumento.) Do Catecismo da Igreja Católica, n. 1345

 

Desde o século II temos o testemunho de S. Justino Mártir sobre as grandes linhas do desenrolar da Celebração Eucarística, que permaneceram as mesmas até os nossos dias para todas as grandes famílias litúrgicas. Assim escreve, pelo ano de 155, para explicar ao imperador pagão Antonino Pio (138-161) o que os cristãos fazem:
“No dia ‘do Sol’, como é chamado, reúnem-se num mesmo lugar os habitantes, quer das cidades, quer dos campos. Lêem-se, na medida em que o tempo o permite, ora os comentários dos Apóstolos, ora os escritos dos Profetas. Depois, quando o leitor terminou, o que preside toma a palavra para aconselhar e exortar à imitação de tão sublimes ensinamentos. A seguir, pomo-nos todos de pé e elevamos nossas preces  por nós mesmos (…) e por todos os outros, onde quer que estejam, a fim de sermos de fato justos por nossa vida e por nossas ações, e fiéis aos mandamentos, para assim obtermos a salvação eterna. Quando as orações terminaram, saudamo-nos uns aos outros com um ósculo. Em seguida, leva-se àquele que preside aos irmãos pão e um cálice de água e de vinho misturados. Ele os toma e faz subir louvor e glória ao Pai do universo, no nome do Filho e do Espírito Santo e rende graças (em grego: eucharístia, que significa ‘ação de graças’) longamente pelo fato de termos sido julgados dignos destes dons. Terminadas as orações e as ações de graças, todo o povo presente prorrompe numa aclamação dizendo: Amém. Depois de o presidente ter feito a ação de graças e o povo ter respondido, os que entre nós se chamam diáconos distribuem a todos os que estão presentes pão, vinho e água ‘eucaristizados’ e levam (também) aos ausentes”
 
A seguir, reproduzo quase que textualmente o Cap. I do Livro “O Banquete do Cordeiro. A missa segundo um convertido” de Scott Hahn, professor de teologia e de Escritura na Universidade Franciscana em Steubenville. Neste capítulo, o ex-pastor comenta como foi se convertendo paulatinamente à fé católica justamente indo à missa:

Ao estudar os escritos dos primeiros cristãos, Scott, encontra inúmeras referencias à “liturgia”, à “Eucaristia”, ao “sacrifício”. Foi então a santa missa (logicamente incognito, visto que era um ministro protestante, calvinista), como um execício academico. Como calvinista, foi instruído para acreditar que a missa era o maior sacrilégio que alguém poderia cometer. Pois para eles a missa era um ritual com o propósito de “sacrificar Jesus Cristo outra vez”. Entretando a medida que a missa prosseguia, alguma coisa o tocava. A Bíblia estava diante dele! Nas palavras da missa! Isaías, Salmos, Paulo… Não obstante, manteve sua posição de espectador, à parte, até que ouve o sacerdote pronunciar as palavras da consagração: “Isto é o meu corpo… Este é o cálice do meu sangue”.

Então sentiu todas as suas dúvidas se esvairem. Quando viu o sacerdote elevar a hóstia, percebeu que uma prece subia do seu coração em um sussurro: “Meu Senhor e meu Deus. Sois realmente vós!” Como não foi maior sua emoção ao ouvir toda a igreja orar: “Cordeiro de Deus… Cordeiro de Deus… Cordeiro de Deus” e o sacerdote dizer: “Eis o Cordeiro de Deus…”, enquanto elevava a hóstia. Em menos de 1 minuto a frase “Cordeiro de Deus” ressoou 4 vezes. Graças a longos anos de estudo bíblicos, percebeu imediatamente onde estava. Estava no livro do Apocalípse, no qual Jesus é chamado de Cordeiro nada menos que 28 vezes em 22 capítulos. Estava na festa de núpcias que João descreve no final do último livro da Bíblia. Estava diante do trono do céu, onde Jesus é saudado para sempre como o Cordeiro. Entretanto, não estava preparado para isso – Ele estava na MISSA!

Scott volta à missa por 2 semanas, e a cada dia “descobria” mais passagens das Escrituras consumadas diante de seus olhos. Contudo, naquela capela , nenhum livro lhe era tão visível quanto o da revelação de Jesus Cristo, o Apocalípse, que descreve a adoração dos anjos e santos de céu. Como no livro, ele vê naquela capela, sacerdotes paramentados, um altar, uma assembléia que entoava: “Santo, Santo, Santo”. Viu a fumaça do incenso, ouviu a invocação de anjos e santos… ele mesmo entoava os aleluias, porque se sentia cada vez mais atraído a essa adoração.

A cada dia se desconcertava mais, e não sabia se voltava para o livro ou para a ação no altar, que pareciam cada vez mais ser exatamente a mesma! Mergulhou nos estudos do cristianismo antigo e descobriu que os primeiros bispos, os Padres da Igreja, tinham feito a mesma descoberta que ele fazia a cada manhã. Eles consideravam o livro de Apocalípse a chave da liturgia e a liturgia a chave do livro do Apocalípse. Scott começava descobrir que o livro que ele mais achava desconcertante, agora elucidava as idéias mais fundamentais de sua fé: A idéia da aliança como elo sagrado da família de Deus.

Além disso, a ação que ele considerava a maior das blasfêmias – a missa – agora se revelava como a celebração litúrgica do acontecimento que ratificou a aliança de Deus: “Este é o cálice do meu sangue, o sangue da nova e eterna alinça”. Scott estava aturdido, pois durante anos tentou compreender esse livro como uma espécie de mensagem codificada a respeito do fim do mundo, a respeito do culto no céu distante, algo que os cristãos não poderiam experimentar aqui na terra! Agora , queria gritar a todos dentro daquela capela durante a liturgia: “Ei, pessoal.Quero lhes mostrar onde vocês estão no livro do Apcalípse! Consultem o cap.4, vers. 8… Isso mesmo! Agora mesmo vocês estão no céu!!!

Os padres da igreja mostraram que essa descoberta nao era de Scott! Pregaram a respeito há mais de mil anos. Scott, no entanto, estava convencido de que merecia o crédito pela redescoberta da relação entre missa e o livro do Apocalípse! Então, para sua surpresa, descobre que o Concílio Vaticano II o tinha passado para trás! Reflitam nestas palavras da Constituição sobre a Sagrada Liturgia: “Na liturgia terrena, antegozando, participamos da liturgia celeste, que se celebra na cidade santa de Jerusalém, para a qual, peregrinos, nos encaminhamos. Lá, Cristo está sentado à direita de Deus, ministro do santuário e do tabernáculo verdadeiro; com toda milícia do exército celestial entoamos um hino de Glória ao Senhor e, venerando a memória dos santos, esperamos fazer parte da sociedade deles; suspiramos pelo Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo até que ele, nossa vida, se manifeste e nós apareçamos com Ele na glória”

Espere um pouco.Isso é céu. Não, isso é missa. Não, é o livro do Apocalípse. Espere um pouco: Isso é tudo o que está acima! Scott, se acalma, para não ir rápido demais, para evitar os perigos aos quais os convertidos são susceptíveis! Pois, ele estava rapidamente se convertendo à fé católica! Contudo, essa descoberta não era produto de uma imaginação superexcitada; era o ensinamento solene de uma “Concílio da Igreja Católica”.

Com o tempo, Scott descobre que essa era também a conclusão inevitável dos estudiosos protestantes mais rigorosos e honestos. Um deles, Leonard Thompson, escreveu que “até mesmo uma leitura superficial do livro de Apocalípse mostra a presença da linguagem litúrgica disposta em forma de culto…”. Basta as imagens da liturgia para tornar esse extraordinário livro compreensível. As figuras litúrgicas são essenciais para sua mensagem, escreve Thompson, e revelam “algo mais que visões de ‘coisas que estão por vir'”.

O livro do Apocalípse tratava de Alguém que estava por vir. Tratava de Jesus Cristo e sua “segunda vinda”, a forma como, em geral, os cristãos traduziram a palavra grega parousia. Depois de passar horas e horas naquela capela, Scott aprende que aquele Alguém era o mesmo Jesus Cristo que o sacerdote católico erguia na hóstia. Se os cristãos primitivos estavam certos, ele sabia que, naquele exato momento, o céu tocava a terra: “Meu Senhor e meu Deus. Sois realmente vós!”

Ainda assim, restavam muitas perguntas sérias na mente e no coração de Scott: Quanto à natureza do sacrifício. Quanto aos fundamentos bíblicos da missa. Quanto a continuidade da tradição católica. Quanto a muitos dos pequenos detalhes do culto litúrgico. Essas perguntas definiram suas investigações nos meses que levaram a sua admissão na Igreja Católica. Em certo sentido, elas continuam a definir seu trabalho de hoje.

“Porém, agora ele não faz mais perguntas como acusador ou curioso, mas como filho que se aproxima do pai, pedindo o impossível, pedindo para segurar na palma da mão uma estrela luminosa e distante.” Scott não crê que Nosso Pai nos recuse a sabedoria que buscamos a respeito de sua missa. Ela é afinal de contas, o acontecimento no qual ele confirma sua aliança conosco e nos faz seus filhos. Este livro é mais ou menos o que Scott descobriu enquanto investigava as riquezas de “nossa tradição católica”.

Nossa herança inclui toda a Bíblia, o testemunho ininterrupto da Tradição, os constantes ensinamentos dos santos e do Sagrado Magistério, a pesquisa dos teólogos e estudiosos. Na missa , você e eu temos o céu na terra. As provas são prodigiosas. A experiencia é uma revelação!

Na segunda parte vamos percorrer as partes da missa para explicar cada uma.

 

Para Citar:


Fernando, Padre Luís. É bíblica a missa? Parte I. Disponível em: <http://apologistascatolicos.com.br/index.php/doutrina-e-teologia/sacramentos/518-e-biblica-a-missa-parte-i>. Desde 04/05/2012

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