Domingo, Dezembro 22, 2024

Os infiéis adoram o Deus verdadeiro? A resposta de Francisco Suárez

NOTA DO EDITOR: Os tradicionalistas e sedevacantistas tendem a negar que os judeus e muçulmanos crêem ou adoram o Deus verdadeiro. Argumentam que a negação da Trindade implica na crença num deus falso. Como demonstramos em outro artigo, o célebre teólogo Francisco Suárez defendia que eles adoravam, sim (clique aqui). Nesse outro trecho de sua autoria, Francisco Suárez explica o porquê a negação de um atributo divino ou mesmo da Trindade não implica no desconhecimento de Deus verdadeiro ou na crença de um simulacro. Distingue também a crença pelo conhecimento natural da crença pela fé sobrenatural.

3. Objeção. – Solução. – “O erro inculpável de alguém, sobre Deus, pode estar junto com a fé infusa do mesmo. – Pode-se, porém, objetar, porque se segue naquele que erra acerca de um atributo de Deus que não pode ter a fé necessária para a salvação, que parece falsa. Prova-se a consequência; pois quem assim erra não conhece o verdadeiro Deus. Por isso, disse Hilário, Salmo 1, que os infiéis imaginam um Deus que não existe. E Agostinho, no Enquirid. C. 5, que os heréticos creem somente no nome de Cristo, porque erram no seu conhecimento. E mesmo Santo Tomás (2.2, q. 2, art.2, ad 3), disse que os filósofos não conheceram o verdadeiro Deus, porque não o conheceram naquelas condições que a fé determina. E cita Aristóteles, 9 Metafis., a dizer que as coisas simples, ou se ignoram inteiramente ou são inteiramente conhecidas.

 Respondo negando a consequência e advirto que uma coisa é conhecer, outra é crer com fé infusa, de que estamos falando; pois, com efeito, aquele é mais geral; pode, portanto, de algum modo, Deus ser conhecido, mesmo que se erre sobre algum de seus atributos; assim quem conhece que Deus é um ser por si necessário e infinito, criador de tudo etc, conhece o Deus verdadeiro, ainda que erre crendo ou julgando que ele age por necessidade da natureza, por exemplo, ou por algo semelhante; e a razão está nisto que, mesmo que Deus sendo simples em si mesmo, ele nos é conhecido por vários conceitos, como fazemos com as coisas corpóreas, e por isso uma afirmação sobre Deus pode ser verdadeira, enquanto outra é falsa, as quais não incluem nem a própria contradição entre si (entre elas) nem se unem entre si para imaginar um deus falso. Daí dizermos mais que pela fé se pode crer no verdadeiro Deus, mesmo que, por ignorância inculpável, se pense dele algo de falso. Assim como na lei natural os fiéis acreditavam no verdadeiro Deus, mesmo se talvez pensassem que ele é um na pessoa assim como é um na essência; o que poderia acontecer com qualquer outro de seus atributos, como também hoje pode se dar.

Digo, porém, que aquele erro deve ser inculpável (sem culpa), pois, se se trata de heresia ou por culpa de infidelidade, mesmo que o conhecimento possa permanecer verdadeiro, pelos dados da ciência ou por fé humana, contudo não pela fé infusa, que é eliminada completamente, por tal infidelidade.

Assim, concedemos à objeção que é necessária tal fé em Deus que exclua qualquer culpa de infidelidade, não, porém, qualquer erro inculpável, assim como não é necessário que exclua toda ignorância inculpável, sobre a qual dá-se a mesma razão. (Francisco Suárez, De fide, disp. 12, sect 3)

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