Num artigo publicado no L’Osservatore Romano do dia 12 de Abril de 1968, intitulado “Concílio sim, Concílio não”, o cardeal Pericle FELICI, presidente da Comissão pontifical para a interpretação dos decretos do Concílio, comenta nestes termos uma resposta desta Comissão sobre o assunto do modo diferente da veneração devida à Santa Escritura e à Santa Eucaristia:
[…] Na Constituição dogmática Dei Verbum, sobre a Revelação, afirma-se no nº 21: “A Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, não deixando jamais, sobretudo na sagrada Liturgia, de tomar e distribuir aos fiéis o pão da vida, quer da mesa da palavra de Deus quer da do Corpo de Cristo”. Ora, alguns pensaram que poderia-se concluir que uma veneração igual era devida à Santa Escritura e à Santa Eucaristia. Fiquei informado de que numa igreja tinha-se oferecido à veneração dos fiéis, no sacrário o livro da Santa Escritura ao invés da hóstia santa. Cada um pode ver com facilidade que este gesto exprime alguma confusão nas ideias e uma desobediência à lei da Igreja, é o mínimo que se pode dizer.
Mas o que quis dizer o Concílio? Durante a preparação deste texto alguns Padres tinham temido deixar abertura para conclusões deste gênero e tinham dado a conhecer à Comissão conciliar competente. Esta por sua vez, tomou nota e pensou que se poderia prevenir contra esta eventual interpretação errônea, simplesmente modificando ou atenuando o advérbio de comparação. Foi, no entanto, necessário depois do Concilio, à pedido de uma pessoa com autoridade, que a Comissão para a interpretação dos decretos conciliares interviesse. Esta, por sua vez, depois de ter atenciosamente examinado as diversas fases pelas quais é passada a formulação da passagem em questão, assim como os documentos conciliares e pós-conciliares sobre esta matéria, respondeu durante a reunião do dia 23 de Janeiro último dizendo que a veneração é devida tanta à Santa Escritura como à Santa Eucaristia, mas de uma maneira diferente, como se deduz a partir da Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a liturgia, nº 7 da encíclica Mysterium fidei, e da instrução Eucharisticum Mysterium da S. Congregação dos Ritos, nº 9.
Na realidade, na Santa Escritura está contido o Verbum salutatis (palavra da salvação), para iluminar a nossa inteligência; enquanto que nas espécies eucarísticas está escondido “verdadeiramente, realmente e substancialmente” o Verbo encarnado que continua o sacrifício da cruz e alimenta as nossas almas. Tal é o sentido da dupla mesa da qual se refere a Constituição Dei Verbum, que aplica esta expressão à imitação de Jesus Cristo, em conformidade com toda a tradição católica.
Thomas Kempis diz com efeito neste pequeno livro de ouro: “Sem estas duas coisas não poderia bem viver; porque a palavra de Deus é a luz da minha alma e vosso Sacramento o pão da vida. Podem ser chamadas duas mesas, colocadas de um e outro lado do tesouro da Santa Igreja. Uma é a mesa do santo altar, onde está o pão sagrado, isto é, o corpo de Cristo. A outra é a mesa da lei divina, que contém a doutrina santa, nos ensina a verdadeira fé e nos conduz com segurança atrás do véu do santuário, onde está o Santo dos santos.” (Livro IV, cap. XI, nº 4). […]
FONTE: La Documenta Catholica, ano 1968, v. II, p. 1134.
APÊNDICE
Respostas às duvidas sobre a interpretação do texto do Concílio
As Acta Apostolicae Sedis (28 de Junho de 1968, p. 360 ct s.) publicam as respostas a partir daqui às duvidas concernentes a interpretação dos diferentes textos do Concilio. As duas primeiras “dúvidas” emanam da “Comissão central para a coordenação dos trabalhos pós-conciliares e para a interpretação dos decretos do Concilio” e estão assinadas pelo cardeal Cicogmani, presidente da Comissão. As outras emanam da “Comissão pontifical para a interpretação dos decretos do Concilio”, que sucedeu a esta, e estão assinadas pelo cardeal Felici, seu presidente.
[…]
Q.- Diz-se na constituição dogmática “Dei Verbum” sobre a Revelação divina: “A Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, não deixando jamais, sobretudo na sagrada Liturgia, de tomar e distribuir aos fiéis o pão da vida, quer da mesa da palavra de Deus quer da do Corpo de Cristo”. O advérbio “como” significa que a mesma veneração, ou uma veneração, é devida à Santa Escritura e à Santa Eucaristia?
R. – Deve-se venerar a Santa Escritura e o Corpo do Senhor, mas de maneira diferente, como precisa a constituição Sacrosanctum concilium sobre a liturgia, nº 7 ; da encíclica Mysterium fidei, do dia 3 de Setembro de 1965 (A. A. S. LVII, 1965, p. 764); da instrução Eucharisticum mysterium publicado pela S. C. Des Rites, le 25 mai 1967, nº 9 (A. A. S. LIX, 1967, p. 547).
S. S. Paulo VI ratificou e aprovou as decisões acima mencionadas durante a audiência que ele concedeu e estabeleceu que sejam publicadas.
P., card. FELICI, presidente.
FONTE: La Documenta Catholica, ano 1968, v. II, pp. 1863 – 1864.
PARA CITAR
Comissão para a interpretação dos decretos conciliares. A veneração devida às Escrituras e à Eucaristia. <http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/concilio-vaticano-ii/revelacao/796-a-veneracao-devidas-as-escrituras-e-a-eucaristia> Desde 27/05/2015. Tradutor: Faustino Sassoma Muhongo.