por M.-R. Gagnebet O. P.
Extraído da revista Rotas 92, abril 1965
O Padre M. R. Gagnebet, mestre em teologia, especialista do Concílio, publicou em 25 de dezembro de 1964 um estudo sobre a colegialidade que quisemos imediatamente partilhar com os nossos leitores. Graças a sua móvel autorização e da direção da “La France catholique“, aos quais somos muito gratos, podemos reproduzir integralmente o texto. Os sub-títulos pertencem ao original.
O foco da Constituição dogmática sobre a Igreja, aprovada pelo Concílio, se refere à colegialidade do episcopado. Causa-me admiração aqueles que não conseguem contemplar a ação invisível do ES – que preside os Concílios – expressa na unanimidade finalmente alcançada, a tal ponto de suscitar tamanha oposição dentro e fora do Concílio. Desde o primeiro anúncio da convocação por João XXIII, a colegialidade do episcopado foi apresentada como aspecto fundamental da doutrina sobre os Bispos e que teria de ser elaborada no Vaticano II. Infelizmente, muitos dos que propagam esta doutrina pela imprensa tem dela uma idéia um tanto imprecisa.
Ela não só complementaria o disposto no Vaticano I, mas seria capaz de corrigir a sua doutrina unilateral sobre o primado e a infalibilidade do Romano Pontífice. Essas prerrogativas pessoais do Vigário de Jesus Cristo, Pastor da Igreja universal, foram ainda apresentadas por alguns como pertencentes ao Colégio, sujeito primeiro e único do poder na Igreja, e que pode as exercer seja por si só seja pelo seu chefe, que nunca está separado de seus membros. Promete-se diversas vantagens práticas e benefícios desta nova eclesiologia ecumênica, mais bíblica e mais completa, disseram eles.
Esta apresentação da colegialidade fez emergir preocupações sobre o dogma fundamental da primazia do sucessor de Pedro e sua infalibilidade pessoal sobre aqueles que repousa “a força e a solidez da Igreja”, diz o Vaticano I. No ano passado, no La France Catholique de 15 de novembro de 1963, tentamos expor a verdadeira noção de colegialidade e mostrar a sua total concordância com a Constituição “Pastor Aeternus”. Hoje, gostaríamos de trazer o ensino sobre este ponto da admirável Constituição Dogmática “Lumen Gentium” (Cap. III, nº 22).
Para definir a natureza do colégio, seu poder colegial e as condições do seu exercício teremos na maior conta a “nota explicativa” que acompanha o texto da Constituição nas Atas do Concilio. Esta nota indica a direção em que os Padres foram convidados a votar neste capítulo, tanto na Congregação Geral de 19 de novembro quanto na sessão pública do dia 21 de novembro. É esta interpretação da doutrina que os Padres aprovaram por 2151 votos contra cinco. O Santo Padre disse que não hesitou em promulgar esta doutrina, tendo em conta as explicações dadas nesta nota sobre o significado dos termos. Isto significa que a nota é a autêntica interpretação da doutrina da colegialidade proposta pelo Concílio Vaticano II.
A Natureza do Colégio episcopal
Uma primeira dificuldade que fez hesitar numeroso padres provem da própria palavra. Em seu sentido mais estrito, “colégio” significa uma sociedade de colegas iguais em dignidade e poder. O chefe do colégio não é apenas o mandatário de seus pares e não se trata das competências que a ele foram delegadas. Mas a palavra também pode se referir a uma sociedade hierarquizada, composta por membros desiguais e cujo líder tem poderes pessoais que seus pares não detém.
Para deixar claro que o corpo episcopal é chamado de “colégio” em seu sentido mais amplo, a Constituição alterna nossa palavra com seus sinônimos: “corpo episcopal” ou “ordem episcopal”. Ele precisa a sua intenção ao designar por esta palavra um grupo estável “cœtus stabilis”, que se encontra sua unidade no Papa, sucessor de São Pedro, e os Bispos, sucessores dos Apóstolos. Nosso Senhor não queria que os líderes de sua Igreja fossem isolados uns dos outros, mas os reuniu na unidade de um corpo moral ao qual Ele confiou a missão de ensinar a todas as nações, de governá-las e santificá-las. (Mateus. XXVIII 20). E, desta forma, será melhor assegurada a unidade de suas ações em toda a Igreja.
Mas, para salvaguardar a unidade do corpo de Pastores, e por ela aquela de toda a Igreja, Ele estabeleceu à sua cabeça o seu próprio Vigário a quem comunicou Seus próprios poderes e lhe delegou a direção universal de Seu rebanho, bem como dos pastores de ovelhas (João XXI, 15-18). O Papa não é apenas a cabeça do colégio episcopal, mas aquele que possui os poderes do colégio, e não depende de seus membros para exercê-los. Este é o dogma do Concílio Vaticano I e este é também o ensino das Escrituras, como foi recentemente mostrado nos estudos admiráveis de R.P. Benoît, professor na Escola Bíblica de Jerusalém (Exégèse et théologie, éd. du Cerf, 1961, II, pp. 251-308).
Pedro, pastor universal (João XXI, 15-17) é também a rocha na qual os fundamentos estão cravados, e sobre a qual repousa toda a solidez do edifício (Mat. XVI, 18) de acordo com a parábola (Lucas VI 48). A ele o Senhor confia o papel de administrador simbolizado pelo dom das chaves da casa de Deus na Terra. Por fim, ele pessoalmente desfruta do poder de “ligar e desligar”, o que implica não só no poder de perdoar os pecados, mas também de governar.
Ora, tal como observado por este conhecido exegeta (p. 280), estes títulos significam nas Escrituras as prerrogativas do próprio Cristo. Em sentido único, Ele se denomina de o Bom Pastor (João x, 11, Mateus XXV, XXVI 32;. 31). O papel da liderança suprema do povo messiânico lhe ainda são atribuídos (Heb, XIII, 20;. Ped I, II, 25;. Apoc., VII, 17;. XII, 5). O Antigo Testamento concedeu-lhe o título de Messias-Rei (Ez, XXXIV, 11-16, Mic., V, 3;. Cf. Mateus, II, 6) Representante de Deus, pastor de Israel (Is, . XI, 11; Jeremias XXXI, 10; Ez, XXXIV, 11-16; Sl, LXXIV, 1; LXXVIII, 2, etc). “Em suma, a responsabilidade do Pastor – no sentido superior e universal – tarefa de liderar o povo de Deus, responsabilidade que é prerrogativa do próprio Deus e de Seu Cristo, mas que aqui é delegada a São Pedro”.
É o mesmo para o “poder das chaves” e a função de “Rocha” – Estes são também atributos messiânicos. De acordo com Apocalipse III, 7 retomando o oráculo de Isaías XXII, 22, Cristo é ” aquele que tem a chave de Davi – que abre e ninguém pode fechar; que fecha e ninguém pode abrir.” Por outro lado, ele é designado, em muitos aspectos, como Pedro e Rocha: pedra de tropeço (Romanos, IX, 33;. I Ped II, 8), mas também pedra fundamental (I Ped II, 6) rejeitada pelos construtores, mas escolhida por Deus como uma pedra angular (Mat, xxi, 42; I Ped II, 7) finalmente a Rocha que conduz o povo eleito no deserto (I Coríntios X, 4). Assim, ao conceder esses títulos para Pedro, Ele quer dizer com clareza para continuar a sua missão de governar o povo messiânico (op. Cit., pp. 283). Pedro tinha que morrer. Mas esta missão única deve durar “enquanto há um rebanho a dirigir, uma casa para se manter firme em sua fundação e administração” (ibid). Se a Igreja deve existir até o fim dos tempos (Mateus XXVIII, 20), é preciso sempre de “um líder que a dirija e a guarde na unidade, assegurando-lhe, de forma visível, a presença contínua do Cristo, Rocha, portador das chaves e Pastor” (op. cit., p. 283).
O chefe do Colégio Apostólico não é apenas o detentor dos poderes do colégio. Ele é o Vigário de Nosso Senhor Jesus Cristo, a cabeça invisível da Igreja: “A una e única Igreja, portanto,” – ensina a bula Unam Sanctam – “tem um só corpo, uma só cabeça – não duas, como um monstro –, a saber: Cristo e o vigário de Cristo, que é Pedro” (Denz. Sch. 871). Ao Vigário de Cristo coincidem os poderes próprios de Cristo, cabeça invisível da Igreja, que a ele representa visivelmente.
Eco fiel do ensinamento bíblico, o Vaticano II, como o Vaticano I, reconhece ao Papa as prerrogativas pessoais que lhe convém apenas como Vigário de Cristo e Pastor da Igreja universal. A ele pessoalmente pertence a plenitude do poder supremo sobre toda a Igreja. Esta jurisdição plena e universal, ele pode exercer livremente e por si só por meio de seus atos que se impõem em virtude sua própria autoridade, como fizeram todos os sucessores de São Pedro, ao longo dos séculos. Também lhe pertence o dom da infalibilidade pessoal que lhe foi obtido pela oração sempre eficaz de Cristo ao confirmar na fé seus irmãos bispos e, por meio deles toda a Igreja (Lucas XXI, 32; Constituição dogmática. No. 25).
O Papa Paulo VI em seu discurso elogiou este reconhecimento explícito e repetido muitas vezes pelo nosso texto dessas prerrogativas pessoais do Sucessor de Pedro. Este reconhecimento, acrescenta, honra a palavra de Cristo, garante a consistência do ensinamento do Concílio Vaticano II com o de toda a tradição e dá ao governo da Igreja a garantia da unidade e da eficácia. Ele foi oportuno quando o Concílio abordou a questão dos poderes episcopais. Assim, eles aparecem não em contraste, mas em plena harmonia com os poderes próprios do Vigário de Cristo e chefe do colégio, segundo a Constituição da Igreja.
O poder colegiado
Ao corpo dos Bispos unidos ao Papa, jamais sem ele, também lhe é atribuído o poder soberano sobre a Igreja universal. Pois o Senhor que deu a Pedro, “o poder de ligar e desligar” (Mt. XVI, 16-19) também o concedeu a todo o corpo dos apóstolos unidos a Pedro (Mt. XVIII, 18). A todo este corpo unido à sua cabeça, ele confiou a missão de ensinar, governar e santificar todas as nações (Mateus XVIII., 20). Ele prometeu a sua assistência até o fim dos tempos na realização dessa tarefa (ibid.).
O corpo apostólico persevera no corpo episcopal, que o sucede na missão, não para fundar a Igreja, mas para ensinar e governar. Também herda, não poderes excepcionais confiados aos Apóstolos para fundar a Igreja, mas poderes ordinários destinados para ensinar a Igreja e para governá-la. O corpo episcopal é ele também “o sujeito do poder supremo e pleno sobre a Igreja.”
Muitos dos Padres hesitaram ainda diante desta afirmação. Como tal poder concedido apenas ao sucessor de Pedro poderia se adequar ao corpo dos Bispos, sem limitar, pelo menos em seu exercício, o poder pessoal do sucessor de Pedro? Essa hesitação foi reforçada por interpretações divulgadas em torno do Concílio. Assim, a “nota explicativa” era necessária para evitar esses erros de interpretação e dissipar estas dúvidas. Ela trouxe a luz que permitiu que a unanimidade se realizasse em poucos horas.
“Diz-se que o Colégio, que não pode existir sem cabeça, «é também sujeito do supremo e pleno poder sobre toda a Igreja». Isto tem de se admitir necessariamente, para que a plenitude do poder do Romano Pontífice não seja posta em questão. O Colégio, com efeito, entende-se sempre e necessariamente com a sua Cabeça, a qual, no Colégio, conserva integralmente o seu cargo de Vigário de Cristo e Pastor da Igreja Universal.
Por outras palavras, a distinção não se faz entre o Romano Pontífice e os Bispos, tomados coletivamente, mas entre o Romano Pontífice só, e o Romano Pontífice juntamente com os Bispos.”
Na Igreja, não há senão apenas um poder supremo, e este poder é prerrogativa própria do sucessor de Pedro, mas, em virtude de sua união com ele, aos sucessores dos Apóstolos esta sua autoridade suprema lhes é transmitida para que possam, em conjunto com ele, exercer atos da jurisdição soberana sobre toda a Igreja.
Monsenhor Journet, perante o Concílio, já havia manifestado essa doutrina perfeitamente tradicional: “O poder de dirigir a Igreja universal reside primeiro no Soberano Pontífice, depois no colégio episcopal unido a ele; e este poder pode ser exercido ou pelo Soberano Pontífice exclusivamente, ou por ele e o colégio episcopal solidariamente. O poder do Soberano Pontífice sozinho e o poder do Soberano Pontífice unido ao colégio apostólico constituem não dois poderes distintos, mas um só poder supremo considerado, sob um aspecto, como a cabeça da Igreja docente onde ele reside integralmente como em sua própria fonte; sob outro aspecto, concomitantemente como a cabeça e o corpo da Igreja docente…” (A Igreja do Verbo Encarnado, 3 ed., p. 531)
O poder supremo, único na Igreja, existe tanto no Papa como no colégio unido ao Papa. Mas a sua existência não se dá do mesmo modo no Romano Pontífice e no Corpo Episcopal unido ao Papa. No primeiro, existe enquanto sua origem e no episcopado, a ele unido, se dá enquanto de forma mandatário. Assim que este poder supremo pertence ao Papa unicamente e sem qualquer dependência do episcopado, enquanto o episcopado só o tem coletivamente em dependência de sua cabeça, o Romano Pontífice. O Senhor quis na realidade, escreveu São Leão, que fosse prioridade de todos os apóstolos anunciar a verdade, mas “de tal forma que Ele depositou sobre o Bem aventurado Pedro, o primeiro dentre eles, a principal responsabilidade; desejou que de Pedro, como sendo sua cabeça, seus dons fluam para todo o corpo.”(Epist. I, PL LIV, c. 629)
Esta é a explicação tradicional que os maiores teólogos da Idade Média até os dias atuais têm oferecido sobre o poder colegiado. Esta explicação, decorrente da teologia, não está disponível no texto da nossa Constituição. Mas está plenamente de acordo com suas afirmações dogmáticas. Portanto, não é sem surpresa que temos lido nos escritos de comentaristas muito ávidos de ver eus próprios pontos de vista sancionados pelo Concílio, que não se harmonizam com o nosso documento.
Na opinião deles, representada por alguns teólogos secundários e isolados nos últimos séculos, cada bispo receberia pela consagração episcopal este poder colegiado sobre a Igreja universal concebido como distinto do poder pessoal de Pedro. A “Lumen Gentium“, afirma de forma clara que a consagração episcopal confere, com o múnus de santificar, a autoridade de governar e de ensinar. Mas a “nota explicativa” precisa que se evite intencionalmente a palavra “potestas”, que significa um poder apto para o exercício. Esses teólogos poderão continuar a defender seus pontos de vista. Mas eles deverão nos explicar como podem existir dentro da Igreja dois poderes soberanos sem se limitarem mutuamente.
Por que o Papa não será jamais obrigado a exercer por meio do Corpo episcopal uma jurisdição universal que cada um de seus membros teria diretamente de Deus dada a sua consagração episcopal?
Condições do exercício do poder colegiado
A originalidade própria da ação colegiada no sentido estrito desta palavra, é de ser uma ação coletiva do corpo episcopal unido a sua cabeça “Paulus, episcopus, servus servorum Dei una cum Sacrosanctii Concilii patribus” que lemos no topo da nossa Constituição. “Actiones sunt suppositorum“, ensina o velho adágio escolástico. Aqui, o caso é uma pessoa moral que congrega em sua unidade todos os membros do Corpo episcopal unido a sua cabeça. Com o Papa, os bispos exercem as suas funções de doutores da fé e legisladores sobre toda a Igreja.
Mas porque este corpo é um corpo hierarquizado, é na ação colegiada, certos atos pertencem exclusivamente à cabeça, e de modo algum dos membros do corpo episcopal. Sem dúvida, com o tempo, poderão variar as modalidades jurídicas segundo as quais se exercerá o poder colegiado. Mas há condições essenciais que dependem da Constituição imutável do Corpo episcopal divinamente instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo. São as únicas mencionadas em a nossa Constituição dogmática: convocar o Colégio, a dirigir, aprovar as normas da sua ação, e tornar obrigatória para Igreja universal às suas decisões.
O Colégio existe sempre, mas não exerce a sua autoridade soberana constantemente, como mostra a história da Igreja. O Papa nunca é obrigado a recorrer a este modo de exercício de poder supremo. “Ao juízo do Sumo Pontífice”, – diz a Nota Explicativa – “a quem foi entregue o cuidado de todo o rebanho de Cristo, compete, segundo as necessidades da Igreja, que variam no decurso dos tempos, determinar o modo mais conveniente de atuar esse cuidado, quer essa atuação se faça de modo pessoal quer de modo colegial. Quanto a ordenar, promover e aprovar o exercício colegial, procede o Romano Pontífice segundo a sua própria discrição.”
O Cristo instituiu o Colégio, mas não impôs o exercício do poder colegiado ou determinou as formas de seu exercício, nem prescreveu as condições em que a ele se deveria recorrer. O poder do Colégio unido à Pedro não é superior à plenitude do poder pessoal próprio de Pedro. A infalibilidade do Colégio não adiciona nada à sua infalibilidade pessoal. Além disso, dependendo das circunstâncias, cabe ao Papa, em virtude de sua própria autoridade, escolher um desses modos de exercício que seja mais apropriado para promover o bem da Igreja e o cumprimento de sua missão. A ele somente pertence tal escolha, e ninguém jamais imporá uma ou outra destas formas de ação.
Assim o texto de nossa Constituição afirma claramente que nunca tal poder colegiado pode ser exercido sem o seu consentimento, «quae quidem potestas nonnisi consentiente Romano Pontifice exerceri potest». Quem, de fato, além dele teria autoridade para obrigar os membros do Corpo episcopal a participar de uma ação conjunta? De sua autoridade suprema também advem ainda a fixação das matérias sobre as quais se exercerá este poder colegiado e a determinação das modalidades deste exercício: “Quanto a ordenar, promover e aprovar o exercício colegial” – explica a nota – “procede o Romano Pontífice segundo a sua própria discrição”. Se, em circunstâncias excepcionais, os bispos se unem em uma ação comum, sem o seu consentimento prévio, esta ação só se tornará colegiada pela posterior e livre aprovação que a ela daria o Romano Pontífice.
Por parte dos membros, o exercício do poder colegiado exige que todos os membros do Corpo episcopal possam dele participar. Este poder não pertence aos bispos de forma isolada, ou mesmo a grupos de bispos, pertence a todo o Colégio unido a sua cabeça. Por isso, só pode ser exercido por unanimidade moral dos bispos unidos ao Papa. Em virtude de sua autoridade suprema, o Romano Pontífice poderá convidar os prelados não bispos dele participar, tais como cardeais não bispos ou os superiores religiosos, porém há uma diferença entre os primeiro e os segundos que sendo membros do Colégio participam por direito divino, enquanto outros são admitidos por lei eclesiástica.
Estas condições de exercício do poder colegiado são explicadas pelos teólogos em seus tratados sobre Concílio. Nós aqui explicamos em detalhes no ano passado. Hoje eles recebem a sanção do Magistério Superior do Concílio Vaticano II.
A Constituição “Lumen Gentium” afirma que esse poder é exercido solenemente nos Concílios. Todos concordam com este ponto. Os teólogos concordam que também seja exercido no Magistério ordinário. Eles serão livres para continuar a defender este ponto de vista. O poder colegiado também pode ser exercido de outras formas pelos bispos dispersos por todo o Universo unidos ao Papa. Os teólogos do século passado deram como exemplo de uma definição dogmática que seria pronunciada pelo Papa em nome de todo o colégio depois que ele tivesse se assegurado do consentimento deles a este ato comum.
Conseqüências práticas desta doutrina
O Papa, em seu discurso, declara que as consequências dessa doutrina no futuro da Igreja são no momento imprevisíveis. Mas, no futuro imediato, ele precisa alguns aspectos onde se exercerá esta colaboração do episcopado mundial com o Pastor Supremo. As comissões litúrgicas pós-conciliares e a reforma em Direito Canônico fornecem um primeiro exemplo que pode ser estendido a outras comissões encarregadas de traduzir na vida cotidiana da Igreja as diretrizes gerais do Conselho.
Já, a nomeação dos cardeais Meyer e Lefebvre para o Santo Ofício, e a presença dos Patriarcas Orientais na Congregação Oriental anunciam a presença dos bispos residenciais nos discatérios da Cúria Romana por meio das quais o Papa exerce seu poder sobre toda a Igreja. Quando forem feitas questões de interesse geral, tão freqüentes no mundo de hoje, o Papa escolherá bispos que convocará e consultará em momentos específicos.
Muito tem sido dito do estabelecimento pelo Papa de uma comissão permanente que seria o “símbolo” da cooperação do poder colegiado no governo da Igreja. Seria um símbolo, como dissemos, não uma representação no sentido parlamentarista atual. Ora, grupos específicos de bispos não têm o poder colegial e a eles não lhe serão delegados tal poder.
Por fim, os bispos tomados isoladamente, têm a mais viva consciência da sua responsabilidade em relação à missão universal da Igreja. Eles se esforçarão sempre para fazer frutificar em suas Igrejas particulares as riquezas da Igreja universal: a fé comum, o culto e a santidade. Eles não deixarão de promover as obras destinadas à difusão do Evangelho em todo o mundo.
Conscientes de pertencer a um Corpo encarregado de uma missão comum irão ajudar-se mutuamente no cumprimento de sua obrigação pastoral, partilhando seus recursos humanos meios de toda sorte. Esta ajuda mútua se refletirá nas conferências episcopais que permitirão os bispos da mesma região trabalhar juntos em questões que afetam suas igrejas. Deste revigorado sentido da colegialidade episcopal nascerá uma colaboração mais estreita entre a cabeça e os membros e entre estes membros para o maior bem das almas e para a maior glória de Deus de quem a Igreja é uma humilde serva.
Conclusão
Não há uma “Revolução na Igreja”, apesar das manchetes sensacionalistas da imprensa. O regime da Igreja permanece como Cristo o instituiu e como sempre foi: “monárquica e hierárquica”, como assim afirmou a Sua Santidade o Papa Paulo VI em seu discurso após a promulgação. Ao sucessor de São Pedro, o Vaticano II lhe reconhece todas as prerrogativas que Cristo confiou a ele e que o Vaticano I solenemente lhe atribuído.
O poder conferido ao Colégio unido ao Papa não põe fim ou limita sua autoridade soberana, ou mesmo lhe controla o uso pessoal que dela faça. O poder colegiado é destinado a cooperar com o Soberano Pontífice e, dele dependente, cumprir sua enorme responsabilidade. Este poder não confere aos bispos, tomados coletivamente, o direito de co-governo da Igreja universal, mas é uma habilidade e uma capacidade a ser associada pelo Pastor Supremo ao exercício da sua autoridade soberana, quando ele assim o quiser e como ele quiser.
Diante de um mundo cada dia mais unificado e diversificado, a Igreja tem clara consciência do duplo aspecto que representao Colégio na incumbência conferida por Nosso Senhor de governar. “Este colégio, enquanto composto por muitos, exprime a variedade e universalidade do Povo de Deus e, enquanto reunido sob uma só cabeça, revela a unidade do redil de Cristo”. Uma cooperação mais estreita entre os membros, imagem da diversidade, e a cabeça, símbolo e fonte da unidade, permitirá a Igreja salvaguardar a unidade da fé, do governo e do culto na legítima diversidade dos povos e raças que compõem o povo de Deus.
Assim, a Igreja, sem alterar a sua constituição essencial, se adapta hoje como ontem, às condições do mundo em que ela deve cumprir a sua missão que continuará entre os homens até o fim dos tempos a missão de Cristo Rei, sacerdote e doutor infalível da verdade que não passa.
FONTE
GAGNEBET, Pe. Marie-Rosaire. A colegialidade do episcopado de acordo com a Constituição Dogmática “Lumen Gentium” – Disponível em: https://web.archive.org/web/20041225172118/http://salve-regina.com/Theologie/La_collegialite_Gagnebet.htm
PARA CITAR
GAGNEBET, Pe. Marie-Rosaire. A colegialidade do episcopado de acordo com a Constituição Dogmática “Lumen Gentium” – Disponível em: <http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/concilio-vaticano-ii/colegio-dos-bispos/734-a-colegialidade-do-episcopado-de-acordo-com-a-constituicao-dogmatica-lumen-gentium>. Desde: 17/10/2014. Tradução: JBF.