Domingo, Dezembro 22, 2024

Os primeiros desenvolvimentos da Igreja – A. D. Sertillanges

Quando se aborda a delicada questão do desenvolvimento religioso, tal como ele deve revelar-se e efetivamente se revela na Igreja, fica-se em presença de três tendências intelectuais – para não dizer três sistemas – dos quais dois representam extremos, deixando lugar, como sempre à via média, por onde atenta e tranquilamente se comprar em caminhar a sabedoria.

A primeira concepção: a Igreja, nos seus primórdios, era ou devia ser o que é hoje, salvo a amplitude.

Segunda concepção, situada no outro extremo: nos seus primórdios a Igreja não era e não devia ser nada do que é hoje; veio a sê-lo por força dos homens e das circunstâncias, por acidente, diria um filósofo, semelhante à bola de neve que engrossa rolando, corre para a direita e para a esquerda, e agrega a si os calhaus da estrada.

Terceira concepção, que se vai reconhecer, pois não podíamos deixar de explorá-la antes de defini-la – e sem ela tudo não teria passado de dispersão e acaso nos pensamentos que, pelo contrário, nos pareceram ligar tão fortemente os fatos da história; – a Igreja, nos seus primórdios, era um germe definido, e a este título, sob este aspecto, perfeitamente idêntica ao que é hoje. Como se eu dissesse: o frango é o ovo; o carvalho é a glande; porquanto, do ponto de vista da espécie, de um ou de outro só sai aquilo que deve sair, aquilo que portanto nele se achava contido de antemão. De que maneira ou de que outra? Decidi-lo-emos dentro em pouco; mas isso aí se acha em todo caso, certa e mui determinadamente; as circunstâncias exteriores não farão senão dar à ideia vital ensejo de se revelar o que é; as direções particulares, assim tomadas, darão ao produto último uma fisionomia em relação às circunstâncias atravessadas e as influências que elas comportam, mas sempre sob o governo da ideia vital, que detém todo o essencial.

Por aí se pode ver que, quanto à opção há pouco proposta, procedemos à maneira de Platão, que dizia com boa graça: “Quando me pedem optar entre duas coisas, faço como as crianças, tomo-as ambas”. Tomamos, com efeito, as duas opiniões precipitadas, completando-as e corrigindo-as uma pela outra.

Nos seus primórdios, a Igreja era o que é hoje? Exatamente, mas no estado envolvido, como que um germe. Nos seus primórdios, a Igreja não era nada, ou quase nada, do que ela  é hoje? Realmente! Absolutamente não o era no estado desenvolvido, no estado de fenômeno histórico manifestado, evoluído; era-o, todavia, da outra maneira.

Esta decisão, ousarei dizer, aclara o debate tanto quanto ele pode aclarar-se, o que não significa completamente. Porquanto restaria definir o que é essa existência em germe com que queremos mimosear a Igreja. Confessarei, mesmo, que este o fundo do debate; porque ninguém estaria disposto a negar, em princípio, que, em relação à nossa, a Igreja de S. Paulo seja uma espécie de germe. Somente quando se quer precisar, diverge-se e, ao olhar bem a coisa, a divergência parece porvir de uma diferente concepção filosófica daquilo que se entende por germe.

Há quem imagine que um germe é propriamente a coisa a obter, salvo a estatura. Era a ideia de Anaxágoras, com suas partes similares, ou mínimas, pretenso ponto de partida das gerações. É o que a imaginação popular concebe, quando de bom grado imagina, num ovo um franguinho invisível, numa bolota num carvalho minúsculo com galhos dobrados, como um guarda-chuva em repouso na sua capa.

Mas isso é uma ideia de criança. Não é de admirar que, aplicada à Igreja por um subentendido inconsciente, ela pareça colocar-nos em má postura para com a história. Com efeito, ela nos obriga a achar na Igreja primitiva o que nela não se acha: um organismo diferenciado, munido de tudo o que hoje chamamos essencial, senão mesmo do acessório a que estamos acostumados. Como se devêssemos achar nessa igreja inicial, desempenhando o papel das partes mínimas de Anaxágoras, um pequeno cardinalato ou uma pequena congregação do Índex.

Felizmente, esta concepção a ninguém se impõe. Não é assim que Deus cria. Na natureza, ele nos mostra como procede isso. Analisai um grão, mesmo que seja ao microscópio, e nele não achareis uma arvorezinha. Não há nele nem galhos, nem folhas nem flores, nem, com maioria de razão, frutos; se os houvesse, sendo esses próprios frutos embriões de árvores, forçoso seria contivessem outros frutos, que por sua vez conteriam outros, e assim sem fim.

Mas num germe não há nada de tudo isso. O que há, mormente logo no início, é uma virtude preformativa, que se apoia em condições materiais definidas, mas definidas sobretudo como poder*, e não como realização obtida. Um ímpeto orgânico não é um desdobramento.

E que é então, com precisão? Grato ficaríamos a quem o dissesse. A esse pensador, a ciência poderia votar uma coroa mural: ele teria sido o primeiro a escalar a fortaleza de um grande mistério. Toda a natureza repousa nesse poder de desabrochamento, que se revela ocultando-se, como a própria Divindade.

Resignemo-nos. Mas é bastante dizer: a Igreja desenvolve-se através dos tempos como esses objetos de natureza que conhecemos, aos quais não opomos objeções, dos quais somos – entendo: os viventes.

E isso significa duas coisas que, dizia eu, corrigem uma pela outra as opiniões extremas. Isso significa que a Igreja é caracterizada, desde o início, segundo todos os caracteres íntimos que nela se revelarão mais tarde na forma histórica: assim o ovo ou o grão de uma certa espécie contém em si as características completas dessa espécie. E, por outra parte, isso significa que a Igreja, no início, não possui, nem precisa possuir, as formas históricas com que a agraciará o futuro: assim o ovo não contém nem bico, nem patas, nem penas.

Mister se fará, pois, que no curso da sua longa vida, se introduza constantemente na igreja o novo. Mister nunca se fará, porém, que nela se introduzam novidades. Esta distinção absolutamente não é verbal. É capital em toda a medida do possível. A nossa Igreja sempre viu um abismo entre essas duas coisas.

A novidade é o elemento estranho que permanece estranho, que se justapõe e não se assimila, porque é incapaz disto, ou porque a questão nem sequer se apresenta, de vez que o todo não passa de um magma sem ideia vital. Se a Igreja crescesse assim, seria a bola de neve de inda há pouco, a qual na partida quase nada absolutamente tem daquilo que terá mais tarde.

O novo é o elemento estranho que se assimila, porque é assimilável, porque era chamado ou aceito antecipadamente por propriedades concordantes com as suas, e porque lá estava, pois, contido em oco, se assim posso dizer, antes de fornecer o cheio. Assim os elementos cedidos à planta pelo ar, pela água e pela terra a ela se incorporam, e entram sob a sua lei de vida, deixando-a, pois, à sua essência.

A esta luz, abordaremos o exame dos fatos.

Eis os Doze agrupados em torno de Pedro, que, como a crítica cada vez mais reconhece, é mui verdadeiramente o personagem principal (princeps) da primitiva Igreja.

Como consequência da sua designação e como inicio da sua missão, Pedro foi o primeiro a ver Jesus ressuscitado, o primeiro a crer e a comunicar a sua fé aos outros. É por proposta dele que Judas é substituído, para que o número das testemunhas esteja completo, em acordo com o simbolismo universalista observado quando falávamos do estabelecimento da Igreja (At I, 13). Ele é que será o porta-voz de todos perante o Grande Conselho (At IV, 8). Relatando este último episódio (V, 29), dizem os Atos: “Pedro e os apóstolos”, fórmula evidentemente intencional. Até o fim continuar-se-á a dizer: Pedro, o Rochedo, nome simbólico, como se sabe, ao passo que os outros sobrenomes dados pelo próprio Jesus não sobrevivem, e embora esse nome absolutamente não esteja em uso nos meios hebraicos ou helênicos.

O grupo apostólico, com o das mulheres galileias, de que Maria, mãe de Jesus, é o vínculo, reuni-se num hyperôon, câmara alta que dá para um terraço, à moda oriental.

Em volta desse primeiro círculo, um segundo se estabelece, composto dos convertidos de Jerusalém: cerca de cento e vinte pessoas, no momento da morte de Jesus. Pela sua primeira pregação, Pedro agrega três mil (At II, 41). E em volta deles um terceiro grupo vai logo constituir-se: os Helenistas, cujo caráter particular muito contribuirá para o desenvolvimento ulterior da Igreja, ao mesmo tempo que para o seu êxito exterior. Estes dois efeitos condicionam-se um ao outro. Conquistando o que lhe é assimilável, o cristianismo toma consciência de si, como o vivente se desperta a si mesmo reagindo sobre o que seu meio lhe traz. A vida é um círculo.

O grupo de que eu falo difere muito, pelo espírito, dos Judeus de Jerusalém. Os Helenistas são Judeus, porém Judeus transplantados, que vivem ou viveram em t

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