Domingo, Dezembro 22, 2024

Sábado e Domingo na Igreja primitiva

Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados.(Colossenses 2,16)

 

1-  INTRODUÇÃO


 

Algumas denominações protestantes de origens adventistas sustentam que a Igreja cristã apostatou ao substituir como dia do Senhor o Sábado pelo Domingo. Segundo eles, os primeiros cristãos guardavam o sábado, mas após a conversão do imperador Constantino no século IV, este mudou o dia de repouso do Sábado para o Domingo para fazer o cristianismo mais aceitável para os pagãos, que no dito dia adoravam ao deus sol.

Um exemplo, deste tipo de argumentação, encontramos em vários sites da web tal como no site espanhol “sábado bíblico” em seu artigo “Como foi mudado o sábado para o domingo”. Nele afirmam:

Tanto no Antigo quanto no novo testamento não existe um sombra de variação na doutrina do sábado… Jesus não só foi um exemplo perfeito em observar o sétimo dia de repouso, também todos os seus discípulos seguiram o mesmo padrão depois que Jesus regressou ao céu.”

Posteriormente também afirmam:

Para que fosse mais conveniente faze-los [os pagãos] mudar para a nova religião, Constantino aceitou o seu dia de adoração, o domingo, ao invés de sábado dos cristãos, que havia sido observado por Jesus e seus discípulos… Portanto, é mais fácil entender como a mudança foi imposta sobre o cristianismo através de uma lei civil forte, emitida por Constantino como Imperador de Roma.”

 

2 – A OBSERVÂNCIA DO SÁBADO NO NOVO TESTAMENTO


 

O dia da ressurreição de Cristo (o domingo) foi para os primeiros cristãos o cumprimento da palavra profética do Antigo Testamento, onde o Messias, depois de ser rejeitado por seu próprio povo, se converteu em uma pedra angular da Igreja e nos traria a libertação do pecado e da morte:

A pedra rejeitada pelos arquitetos tornou-se a pedra angular. Isto foi obra do Senhor, é um prodígio aos nossos olhos. Este é o dia que o Senhor fez: seja para nós dia de alegria e de felicidade.” (Salmo 128, 22-24)

A raiz disso vemos como os primeiros cristãos começaram a reunir-se e celebrar a Eucaristia no Domingo, primeiro dia da semana, tal como se observa em Atos 20, 7; I Coríntios 10, 2. Não se menciona uma só vez em todo o Novo Testamento que os primeiros Cristãos logo depois da ressurreição de Cristo guardavam o Sábado.

Outro fato importante é encontrado no capítulo 15 dos Atos dos Apóstolos, que narra o primeiro conflito importante que enfrentou a Igreja primitiva. Isso ocorre quando os crentes judeus chegaram à comunidade de Antioquia, e ficaram chocados ao ver que os membros convertidos não tinham sido circuncidados ou cumpriam outros preceitos da lei judaica. Essas pessoas começaram a pregar que a circuncisão era necessária e a observncia de toda a Torá, causando grande espanto entre os primeiros crentes gregos. Por esta razão, se realizou o que é conhecido como o Concílio de Jerusalém, onde os apóstolos se reuniram para discutir o assunto e, em seguida, tomar a seguinte decisão disciplinar:

Com efeito, pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor outro peso além do seguinte indispensável: que vos abstenhais das carnes sacrificadas aos ídolos, do sangue, da carne sufocada e da impureza. Dessas coisas fareis bem de vos guardar conscienciosamente. Adeus!” (Atos 15, 28-29)

Não houve menção de manter o sábado como um dia de descanso, nem encontramos qualquer outra ordem em todo o Novo Testamento que reitere que é necessário seguir guardando-o, ao invés disso ocorre o oposto, uma vez que, aparentemente, a insistência do judeu cristão conversos não desapareceu imediatamente e Paulo teve que insistir:

Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados.(Colossenses 2,16)

Um faz distinção entre dia e dia; outro, porém, considera iguais todos os dias. Cada um proceda segundo sua convicção.” (Romanos 14, 5)

 

3 – A OBSERVANCIA DO SÁBADO NA IGREJA PRIMITIVA


 

A EPÍSTOLA DE BERNABÉ (96 – 98 D.C.)

A epístola de Barnabé é um tratado cristão de 22 capítulos, escrito em grego, com algumas características de epístolas. Tradicionalmente é atribuída a São Barnabé, que aparece no livro de Atos dos apóstolos como colaborador e companheiro de São Paulo de Tarso. Foi conservada em um códice do Antigo e Novo Testamento (o Sináitico), o que faz notar que foi muito apreciada na antiguidade cristã da mesma forma que escritos como a Didaqué ou o Pastor de Hermas, chegando a estar no grupo dos livros que rondaram o cânon dos livros divinamente inspirados antes que fosse divinamente fixado. A datação varia entre os anos 96-98 e o 130-134.

Na epístola encontramos uma explicação detalhada da visão cristã primitiva de como para os cristãos o dia do Senhor era Domingo, por ser o dia da ressurreição de Cristo.

Ele finalmente lhes disse: “Não suporto vossas neomênias e vossos sábados”. Vede como ele diz: não são os sábados atuais que me agradam, mas aquele que eu fiz e no qual, depois de ter levado todas as coisas ao repouso, farei o início do oitavo dia, isto é, o começo de outro mundo. Eis por que celebramos como festa alegre o oitavo dia, no qual Jesus ressuscitou dos mortos e, depois de se manifestar, subiu aos céus.(Barnabás 15, 6-8).

A DIDAQUÉ OU DOTRINA DOS DOZE APÓSTOLOS (65 – 80 D.C.)

É um dos mais antigos escritos cristãos não canônicos do grupo dos padres apostólicos, considerado anterior a muitos escritos do Novo Testamento. Foi Escrito entre o ano 65 e 80 da era cristã. Encontramos nele uma breve menção a celebração contínua da Eucaristia durante cara dia do Senhor, como o sacrifício perpétuo agradável a Deus profetizado pelo profeta Malaquias:

Reúna-se no dia do Senhor para partir o pão e agradecer após ter confessado seus pecados, para que o sacrifício seja puro.

Aquele que está brigado com seu companheiro não pode juntar-se antes de se reconciliar, para que o sacrifício oferecido não seja profanado [Cf Mt 5,23-25].

Esse é o sacrifício do qual o Senhor disse: “Em todo lugar e em todo tempo, seja oferecido um sacrifício puro porque sou um grande rei – diz o Senhor – e o meu nome é admirável entre as nações”.(Malaquías 1,11)” (Didaqué XIV 1-3)

INÁCIO DE ANTIOQUÍA (107 D.C.)

Discípulo de Pedro e Paulo, segundo bispo de Antioquia e mártir durante o reinado de Trajano por volta de 107 d.C. Quando ele foi condenado à morte foi ordenado ir da Síria para Roma para ser martirizado. No caminho de Roma escreveu sete epístolas às igrejas de Éfeso, Magnésia, Trália, Filadélfia, Esmirna, Roma e uma carta a São Policarpo. Ao escrever para aos Magnésios testemunha como cristãos não guardam o sábado, mas no domingo:

Se, então, aqueles que eram educados na antiga ordem das coisas se apossaram da nova esperança, não mais observando o sábado [μηκέτι σαββατίζοντες], mas observando o Dia do Senhor, no qual também a nossa vida foi libertada por Ele e por Sua morte – alguns negam que por tal mistério obtemos a fé e nele perseveramos para que ser contados como discípulos de Jesus Cristo, nosso único Mestre – 2como seremos capazes de viver longe Dele, cujos discípulos e os próprios profetas esperaram no Espírito para que Ele fosse o Instrutor deles? Era Ele que certamente esperavam, pois vindo, os libertou da morte.” (Inácio de Antioquia – Carta aos Magnésios IX)

JUSTINO MÁRTIR (100 – 165 D.C.)

Mártir da fé cristã, morreu no ano 165 d.C decapitado, é considerado o maior apologista do Século II.

Com São Justino foi também firmemente atestado como para os cristãos primitivos, o domingo era o dia em que se reuniam os cristãos para celebrar a eucaristia. Um desses testemunhos se encontra em sua primeira apologia, que foi uma carta dirigida ao imperador romano do seu tempo, em defesa dos cristãos que eram perseguidos.

No dia que se chama do sol [domingo] se celebra uma reunião de todos os que moram nas cidades e nos campos, e ali é lido, enquanto o tempo o permite, as recordações dos apóstolos ou os escritos dos profetas. Depois, quando o leitor termina, o presidente, fala, e faz uma exortação e convite a que imitemos estes belos exemplos. Em seguida nos levantamos todos  e elevamos nossas preces, e quando terminamos, como já dissemos, se oferece pão, vinho e água, e o presidente, segundo suas forças, faz igualmente subir a Deus suas preces e ações de graças, e todo o povo exclama dizendo: “amém”. Agora vem a distribuição e participação, que se faz a cada um, dos alimentos consagrados pela ação de graças e seu envio por meio dos diáconos aos ausentes. ” (Justino Mártir, Apología I, 67)

Outra de suas obras, Diálogo com Trifão, recompila um de seus debates como um dos mais sábios judeus da época, e neste, ele acusa-o de que os cristãos não guardarem o sábado nem a circuncisão: “nem guarda as festas e sábados, nem pratica a circuncisão” (Justino Mártir, Apología I, 10,3), e aconselha em seguida a obedecer a lei judaica:

Se queres, pois, escutar meu conselho, pois já que o tenho por meu amigo, em primeiro lugar circunda-te, depois observa, como é nosso costume, o sábado, as festas e as luas novas de Deus e cumpre numa só palavra tudo o que está escrito na leu, e então, tal vez, alcance misericórdia da parte de Deus.” (Justino Mártir, Diálogo com Trifão, 8,4)

São Justino reconhece que os cristãos não guardam o sábado e explica o por quê:

Há alguma coisa mais que nos reprova, amigo, ou só se trata de que não vivemos segundo a vossa lei, nem circuncidamos nossa carne, como vossos antepassados, nem guardamos os sábados como vocês?”(Justino Mártir, Diálogo com Trifão, 10,1)

Você precisa agora da segunda circuncisão, e você continua com vosso orgulho da carne, A Nova Lei quer que guardeis o sábado perpétuo, e você passa um dia sem fazer nada, já acha que parece religioso…” (Justino Mártir, Diálogo com Trifão, 12,3)

Porque também nós observaríamos essa circuncisão carnal e guardaríamos o sábado e absolutamente todas as vossas festas, se não soubéssemos a causa pela qual elas foram ordenadas […] Não a observamos por que essa circuncisão não é necessária a todos, senão para vocês… e se o sábado também agradou a Deus todos os justos anteriormente mencionados, e depois deles Abraão e os filhos dele até Moisés […] também, pois, o sábado os foi ordenado por Deus para que fizessem memória Dele.” (Diálogo com Trifão, 18,2; 19,2.4)

Por que se antes de Abrão não havia necessidade de circuncisão, nem antes de Moisés o sábado, das festas nem dos sacrifícios, tampouco há agora, depois de Jesus Cristo, Filho de Deus, Nascido sem pecado da virgem Maria da linhagem de Abraão.” (Diálogo com Trifão, 23,4)

Não há, pois, dúvida com base neste antigo dialogo entre um cristão e um judeu do século II, como já naquele tempo, os judeus estavam perfeitamente conscientes que os cristãos não guardavam o sábado e os reconheciam realmente que não.

TERTULIANO (160 – 220 D.C.)

Tertuliano não é considerado um pai da Igreja, mas sim um escritor e apologista eclesiástico, já que no final da sua vida caiu em heresia abraçando o montanismo. Contudo foi muito lido antes de seu abandono da Igreja Católica. Menciona expressamente o descanso dominical:

Nós, porém, (segundo nos há ensinado a tradição) no dia da ressurreição do Senhor devemos tratar não só de nos ajoelhar, mas também devemos deixar todos os afazeres e preocupações, adiando também nossos negócios, a menos que queiramos dar lugar ao diabo.”. ( De orat., XXIII; cf. “Ad nation.”, I, XIII; “apology.”, XVI)

CIPRIANO DE CARTAGO (200-? D.C.)

São Cipriano nasceu em torno do ano 200, provavelmente em Cartago, de família rica e culta. Dedicou-se em sua juventude à retórica. O desgosto que sentia diante da imoralidade dos ambientes pagãos contrastado com a pureza de costumes dos cristãos, o induziu a abraçar o Cristianismo por volta do ano 246. Pouco depois, em 248, foi eleito bispo de Cartago.

Em uma carta dirigida a Fido na qual trata sobre o batismo das crianças, menciona o domingo como dia do Senhor, por ser o dia em que ressuscitou Cristo:

Como o oitavo dia, isto é, o dia imediatamente após o Sábado era o dia em que havia de ressuscitar o Senhor, e nos havia de dar a vida com a circuncisão, por isso na lei antiga se observou este dia.” (Carta LVIII, A Fido sobre o batismo das crianças).

Além desses e outros se soma o Concílio local de Elvira realizado no ano de 300 que em seu cânon 21 demonstra que o dia em que a Igreja se reunia era o domingo: “Se alguém na cidade deixa de vir a Igreja por três domingos, seja excomungado por um curto tempo para que se corrija”.

 

CONCLUSÃO


 

O imperador Constantino decretou a liberdade de culto no Edito de Milão no ano de 313 d.C, mas já havia testemunhos de mais de 250 anos antes de que os cristãos celebravam a Eucaristia no domingo e não guardavam o sábado. Os adventistas e outras comunidades protestantes similares simplesmente omitem esta informação a seus leitores apresentando-lhes assim uma informação tendenciosa. Poderia se supor que eles a desconhecem, mas no caso do artigo analisado do site protestante, podemos observar que não é o caso, pois citam a Enciclopédia Católica que não só menciona isto, mas que afirma que “O domingo era o primeiro da semana segundo o método de contagem dos judeus, mas os cristãos observavam o Sábado judeu nos tempos apostólicos como o dia separado para o culto público e solene a Deus”. Essa citação atribuída a Enciclopédia Católica foi impossível ser encontrada.

Trata-se novamente deste caso de uma história alternativa fabricada por essas denominações protestantes para justificar suas próprias doutrinas. O problema que trás para o cristianismo é evidente. O mais doloso é o problema moral que incorre, usando informações falsas para justificar suas próprias doutrinas. Em segundo lugar a história alternativa apresenta a aquilo que não é cristã um panorama de desacordo e confusão que não favorece sua aceitação do evangelho. Com o tempo, os diversos revisionismos tem difundido essa versão errônea da história que tem promovido as divisões entre os crentes e escândalo entre os que não são crentes, resultando na ruina de muitas almas. O cristão deve “permanecer na verdade” tal como nos ordenou Jesus como condição indispensável para a salvação por que “Que união pode haver entre a justiça e a iniqüidade? Ou que comunidade entre a luz e as trevas?” (I Coríntios 6, 14), quem se serve da história alternativa para afirmar doutrinas próprias ou para derrubar as doutrinas originais da fé, deixa em evidência seu próprio erro pondo em perigo sua própria salvação e a dos outros.

 

PARA CITAR


 

ARRAIZ, José Miguel. Sábado e Domingo na Igreja primitiva. Disponível em: <http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/patristica/controversias/580-sabado-e-domingo-na-igreja-primitiva >. Desde 04/04/2013. Tradução: Rafael Rodrigues

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