As inscrições sepulcrais encontradas nas catacumbas romanas constituem um dos mais antigos testemunhos da fé cristã primitiva. Datam desde o século I — sendo a mais antiga registrada do ano 71 d.C. — até o início do século V. Embora a maioria dessas inscrições não contenha datas explícitas, arqueólogos conseguiram determinar sua cronologia aproximada por meio da comparação com exemplares datados. A maior parte dessas milhares de inscrições pertence ao período anterior ao Concílio de Niceia, abrangendo os três primeiros séculos e o início do quarto.
As inscrições cristãs em outras regiões do mundo antigo são numericamente inferiores às das catacumbas romanas. No entanto, seu conteúdo corrobora o mesmo padrão de fé, indicando uma uniformidade doutrinal quanto à esperança na vida eterna e à prática da oração pelos falecidos. Muitas dessas inscrições apresentam-se em forma extremamente simples, com expressões como “PAX”, “IN PACE”, entre outras. Embora possam parecer declarações genéricas, o contexto revela que essas fórmulas frequentemente se ampliam em verdadeiras orações intercessórias, como por exemplo: “PAX TIBI” (“paz a ti”).
Dentre essas orações, destacam-se as chamadas aclamações, consideradas as mais antigas. Elas exprimem desejos de bênçãos aos falecidos sem recorrer necessariamente a fórmulas formais dirigidas a Deus. Os benefícios mais frequentemente pedidos são: paz, salvação, luz, refrigério, vida, vida eterna e união com Deus, com Cristo, com os anjos e os santos. Algumas fórmulas comuns incluem:
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PAX TIBI, PAX IN ÆTERNUM, CUM ANGELIS, CUM SANCTIS
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SPIRITUS TUUS IN BONO, ÆTERNA LUX TIBI, IN REFREGERIO ESTO
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DEUS TIBI REFRIGERET, VIVAS IN DEO, VIVATIS IN PACE, INTER SANCTOS
(Fontes: Kirsch, Die Acclamationen, pp. 9–29; Cabrol & Leclercq, Monumenta Liturgica, I, pp. ci–cvi, cxxxix)
Traduções:
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PAX TIBI – Paz a ti
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PAX IN ÆTERNUM – Paz eterna
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CUM ANGELIS – (Esteja) com os anjos
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CUM SANCTIS – (Esteja) com os santos
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SPIRITUS TUUS IN BONO – Que o teu espírito esteja no bem
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ÆTERNA LUX TIBI – Luz eterna a ti
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IN REFREGERIO ESTO – Que estejas no refrigério (descanso, alívio)
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DEUS TIBI REFRIGERET – Que Deus te conceda refrigério
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VIVAS IN DEO – Que vivas em Deus
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VIVATIS IN PACE – Que vivais em paz
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INTER SANCTOS – (Estejas) entre os santos
Além das aclamações, também se encontram inscrições com um caráter mais litúrgico e formal, nas quais os vivos dirigem súplicas diretamente a Deus Pai, a Cristo ou mesmo aos anjos e santos. Os pedidos continuam sendo por paz, refrigério, luz e vida eterna, mas por vezes incluem a libertação dos pecados. Algumas dessas fórmulas se aproximam da linguagem litúrgica posterior, como no seguinte exemplo:
“SIT PATER OMNIPOTENS, ORO, MISERERE LABORUM TANTORUM, MISERERE ANIMAE NON DIGNA FERENTIS“
(“Seja propício, ó Pai onipotente, rogo-te: tem misericórdia de tantos sofrimentos; tem misericórdia da alma que não carrega méritos dignos.”)
(De Rossi, Inscript. Christ., II a, p. ix)
Também são frequentes as inscrições que solicitam aos visitantes que orem pelo falecido:
“QUI LEGIS, ORA PRO EO” (“Tu que lês, ora por ele”) (Corpus Inscript. Lat., X, n. 3312)
Há ainda epitáfios em que o próprio falecido pede orações, como no célebre Epitáfio de Abercius e em outros dois epitáfios romanos do século II (De Rossi, op. cit., II a, p. xxx; Kirsch, op. cit., p. 51). Registros também indicam que cristãos piedosos visitavam os túmulos para rezar pelos mortos, deixando orações escritas nesses locais (De Rossi, Roma Sotterranea, II, p. 15).
No Capítulo V do livro Epitáfios das Catacumbas: Ou Inscrições Cristãs em Roma Durante os Primeiros Quatro Séculos, o Rev. J. Spencer Northcote apresenta um importante resumo sob o título: “Os Ensinamentos do Epitáfio Cristão sobre a Morte e os Mortos”. Nele, destaca-se:
“Contraste entre epitáfios pagãos e cristãos — Epigrafia cristã aperfeiçoada gradativamente, mas seu caráter geral se manifesta desde o início; simples, esperançosa e alegre; menos religiosa no século IV e posteriores — Características de vida e amor dos epitáfios mais antigos — Algumas exceções, principalmente de data posterior — Uma instrução episcopal sobre a morte no século III — A linguagem dos epitáfios denota a crença na ressurreição futura — Aclamações pelos mortos; de vida em Deus, paz, refrigério — Estas frases e algumas outras explicadas — As mesmas orações encontradas nas Liturgias, antigas e modernas — Orações dirigidas aos mortos por amigos e parentes sobreviventes — Caráter religioso dessas orações e sua ortodoxia.”
Na Catacumba de Priscila, encontramos um exemplo tocante:
vos, precor, o fratres, orare huc quando veni[tis],et precibus totis Patrem Natumque rogatis, sit vestrae mentis Agapes carae meminisse ut Deus omnipotens Agapen in saecula servet.
“Suplico-vos, ó irmãos, que, vindo aqui, oreis.E com orações completas supliqueis ao Pai e ao Filho. Que esteja em vossa mente lembrar da querida Agape, para que o Deus onipotente guarde Agape para sempre.”
Esse pedido comovente demonstra a convicção de que a comunhão entre vivos e mortos permanece viva pela oração.
Destes, observe o seguinte:
5. Matronata Matrona, que viveu um ano e 52 dias. Roga por teus pais.
6. Anatólio fez isto para seu merecedor filho, que viveu 7 anos, 7 meses e 20 dias. Que teu espírito descanse bem em Deus. Roga por tua irmã.
7. Regina, que vivas no Senhor Jesus.
9. Amerimnus, para sua queridíssima e merecedora esposa, Rufina. Que Deus revigore teu espírito.
10. Doce Faustina, que vivas em Deus.
11. Revigora, ó Deus, a alma de …
12. Bolosa, que Deus te revigore, que viveu 31 anos; faleceu em 19 de setembro. Em Cristo.
13. Paz à tua alma, Oxycholis.
16. Ao teu espírito, paz, Filumena.
Isso revela que os primeiros cristãos compreendiam os falecidos como ainda participantes da comunidade dos santos, o “corpo vivo de Cristo”, unido tanto na terra quanto no céu.
CONCLUSÃO
Conforme o J. Spencer Northcote resume no Capítulo V de Epitáfios das Catacumbas:
“As inscrições cristãs… implicam, mesmo quando não expressam diretamente, uma firme crença na realidade da vida futura: oram pelos mortos como se ainda estivessem vivos, capazes de sentir alegria e tristeza; ou os invocam por auxílio como se ainda pudessem oferecê-lo.”
A prática da oração pelos mortos era tão comum, universal e ortodoxa na Igreja primitiva que hoje nenhum historiador sério a contesta. Longe de ser uma inovação posterior, trata-se de uma herança legítima da fé apostólica, em continuidade com o judaísmo e confirmada pelos testemunhos mais antigos do cristianismo.
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